Matt Siegel, 41 anos, vive em Richmond, Virgínia, nos Estados Unidos. É casado, tem um cão e um filho a caminho. Foi professor do secundário da disciplina de inglês, deixou de o ser há 10 anos, intencionalmente, para mudar de rumo e dedicar-se à escrita sobre comida.
Quando se abalançou ao seu primeiro livro, que num primeiro momento seria um romance inspirado num investigador alimentar, acabou a escrever um conjunto de 10 ensaios sobre algumas bizarrias relacionadas com A História Secreta dos Alimentos. “Quanto mais pesquisava, descobria que a realidade era mais estranha do que a ficção.” Conversa, à distância, em torno da alimentação, a atual e a dos nossos antepassados.

Porque se diz obcecado por comida?
Biologicamente somos programados para o ser. Está no nosso ADN – se não fossemos obcecados nunca teríamos sobrevivido. Hoje todos achamos isso por que temos o Instagram e o Pintrest e passamos a vida a fotografar os nossos pratos, mas se olharmos para as cavernas dos nossos antepassados, eles já pintavam as paredes com comida. Foi ela que nos relacionou, que pôs humanos em volta de fogueiras, foi aí que nasceram as comunidades e a linguagem. E depois, quando introduzimos a agricultura, apareceram as primeiras cidades.
Então não é mais obcecado do que todos nós?
No meu caso, em particular, gosto de ir mais fundo, adoro experimentar novos sabores, é uma aventura para mim. Além disso, o meu pai morreu de ataque cardíaco aos 50 anos, tinha eu 14. Foi um acontecimento muito traumático para mim. Hoje, tenho a certeza de que foi a forma como se alimentava, junto com outros hábitos, que o matou. E isso aproximou-me muito da comida.
Aproximou-se para fugir desse fim?
Passei as últimas décadas a tentar não repetir essa história familiar – tem sido algo frustrante. A nível global, continua a discutir-se se os ovos são ou não bons para a saúde. Apesar de a nutrição ter evoluído muitíssimo, ainda há muita coisa que não entendemos.
Apesar de a nutrição ter evoluído muitíssimo, ainda há muita coisa que não entendemos
Imagino que não seja o típico americano, no que toca à alimentação…
Sou 100% vegan e não entro num McDonald’s há décadas. E não sou fã de comida processada.
É por estar nos antípodas que escolhe, para alguns capítulos do seu livro, produtos tipicamente americanos, como tarte de maçã ou cereais de pequeno almoço?
Não escrevi um livro de História, mas uma coleção de ensaios. E aqueles foram os segredos que encontrei, talvez por ser o tipo de comida por que estou rodeado.
A alimentação é muito mais do que o ato de comermos. No primeiro capítulo, por exemplo, enfatiza muito o peso da genética. Definitivamente somos fruto do que os nossos antecessores comiam. Podemos fazer alguma coisa a este respeito?
Penso que sim, porque no fim de contas, a genética conta muito pouco. O estilo de vida tem um impacto bastante maior e desse ponto de vista há muito que possamos fazer. Mas não é fácil, especialmente em América.
Enquanto professor do secundário, como via a conduta alimentar dos seus alunos? Já era diferente da dos pais?
Isso foi há 10 anos, mas lembro-me que muitos ingeriam bebidas energéticas logo de manhã. Penso que entretanto muita coisa mudou, hoje existe mais interesse em alimentos biológicos e sustentáveis. Mas ainda há muito caminho para percorrer, infelizmente. E a indústria é muito irresponsável, assim como a rotulagem, mascarando de bons produtos alimentos que só nos fazem mal.
Tal como os cereais de pequeno almoço?
Aqui na América, as embalagens de cereais têm um símbolo do coração, o que significa que é amigo da saúde cardiovascular. E na maioria dos casos, é completamente o oposto. As pessoas comem a pensar que é algo saudável. E por isso há tanta gente a querer emagrecer e não conseguir – não é culpa delas, estão a ser enganadas pelas corporações da indústria.
Há tanta gente a querer emagrecer e não conseguir – não é culpa delas, estão a ser enganadas pelas corporações da indústria
Nunca houve tanto interesse por temas relacionados com a comida e ao mesmo tempo tanta gente a cometer erros nutricionais. Onde está a raiz do mal?
O problema é que podemos encontrar artigos a defender a ingestão de ovos e outros que dizem que são péssimos para nós – a desinformação é o pior que existe. E o governo americano é parte do problema: A FDA [Food and Drug Administration] é responsável por estipular as guidelines nutricionais, mas também está interessada em proteger os interesses dos agricultores. E então evita dizer para não bebermos leite, optam por aconselhar a que tenhamos calma com isso.
Qual foi a história mais surpreendente com que se deparou na sua pesquisa?
Em várias situações, pensei que a informação encontrada não podia ser verídica, pois era demasiado ridícula. Nesses casos, tive de investigar mais e apoiar-me em diversas fontes. Como na história do tomate, quando descobri que as pessoas achavam que eles nos envenenavam ou que as batatas causavam lepra… A ironia é que são os dois vegetais mais populares na América e em muitas partes do mundo. A importância da comida na guerra é muito interessante, como pode transformar-se numa arma, como usá-la para envenenar o inimigo.
O ato de cozinhar os alimentos foi uma descoberta fabulosa, como descreve no seu livro. Pode explicar?
Cozinhar os alimentos realmente modifica-os. Amolece-os, torna-os mais seguros ao matar as bactérias. E o resultado disso é passarmos a ter acesso a muito mais nutrientes. Desde que começámos a cozinhar, e por isso a ficar mais bem nutridos, o nosso cérebro aumentou. Por outro lado, a mandíbula diminuiu porque passámos a comer porções mais pequenas, por exemplo.
Ao ser um ato comunitário, cozinhar também nos deu um lugar para nos reunirmos à volta do fogo. Esse foi o ingrediente principal para a linguagem, as artes, as maneiras à mesa e para a criação de comunidades. Antes, comer era menos social e mais relacionado com a sobrevivência.
Atualmente cozinhamos cada vez menos. Por que está isso a acontecer?
Os produtos congelados e a fast food só são populares há menos de 50 anos, o que é muito recente na história da alimentação. Espero mesmo que, à medida que o tempo passe, voltemos a ligar menos à conveniência e regressemos aos cozinhados, com ingredientes reais. Estamos a assistir a laivos disso, ao haver cada vez mais pessoas interessadas em sustentabilidade.
Espero que, à medida que o tempo passe, voltemos a ligar menos à conveniência e regressemos aos cozinhados, com ingredientes reais.
Está otimista quanto ao futuro? Tem fé na humanidade?
Não completamente otimista, mas sinto que os humanos acabam por encontrar o caminho, como já aconteceu noutras situações.
Está familiarizado com a dieta mediterrânica?
Tenho um total respeito por essa dieta, especialmente por ter a sua base no azeite.
E o que sabe acerca da gastronomia portuguesa?
Não conheço muita coisa, mas tenho um amigo português e de cada vez que a mãe dele cozinha para mim eu penso que é a melhor comida que já provei.
Escreveu que o pequeno almoço se transformou na única refeição que os americanos comem à mesa. Foi sempre assim?
Essa é a realidade para muitos americanos: tomar o pequeno almoço rapidamente antes de irem para a escola e para o trabalho. Muita gente almoça à secretária ou no carro e janta no sofá, em frente à televisão. Comemos em andamento por que temos enraizado que somos muito atarefados e temos muitas coisas para fazer. A Covid veio mudar isso, as pessoas estão a abrandar, mas ainda há muito a fazer nesse campo.
O movimento farm to table [do prado ao prato] também tem expressão nos EUA?
Sim, está a tornar-se enorme, mas tenho algum receio dessas manobras de marketing. Por exemplo, eu sou vegan e só como plantas, mas agora o termo plant-based [baseado em plantas] está a causar-me confusão: batatas fritas são plant-based, cerveja é plant-based e não são saudáveis. Farm to table é um ótimo conceito, mas quanto melhor for a quinta, melhor. Em resumo, para mim quanto menos conveniente for a comida, melhor ela será.