
Numa circunstância normal, o dia dos 90 anos de Rui Nabeiro seria passado em festa rija. Provavelmente, Campo Maior sairia à rua para homenagear o empresário e o homem que desenvolveu a região e que construiu um império nos cafés e nos vinhos, sempre com um reconhecido compromisso de responsabilidade social. Por estes dias, a festa fez-se de outra forma. Uma cerimónia de celebração pequena e digital, que foi também um momento de apresentação oficial do livro de José Luís Peixoto Almoço de Domingo, um romance biográfico em que Rui Nabeiro é a personagem principal. Na conversa entre o empresário e o escritor, moderada pela diretora da VISÃO, foram passadas em revista muitas histórias marcantes de nove décadas, onde se cruzam episódios e personagens da História contemporânea portuguesa, com ensinamentos para a vida.
Sr. Rui alcançou um marco que todos nós apenas podemos sonhar alcançar, e com uma saúde e uma lucidez invejáveis. Pergunto-lhe: Como é fazer 90 anos? O almoço de domingo de hoje teve um sabor particularmente especial?
RN: É natural que sim. Vivemos nessa sombra da própria providência. Eu comecei muito cedo, muito jovem, e as raízes foram sempre endurecendo. As raízes às vezes também se estragam, mas eu criei a estrutura e a ambição. Nunca mandei, quase sempre fui. E algo que sempre usei e ainda hoje uso é isso: quando os outros iam, eu já vinha de volta. Creio que isso me deu esta força toda aos 90 anos. Agora começo a sonhar com mais um ano, de cada vez. Queria mais e mais – mas temos de ser prudentes, não mandamos nesse campo. Temos de aguentar e de esperar que Deus diga que tenho o direito de viver como tantos outros, e eu vou agradecer com certeza.
Tem agora a sua história de vida contada neste livro. Porque escolheu José Luís Peixoto para o fazer?
RN: Um dia, sentei-me a ver a televisão e apareceu o José Luís a dar uma entrevista, na altura [sobre o seu último livro]. Estudei, planifiquei… tinha muita gente, amigos meus que queriam arranjar-me pessoas para escrever, e eu que nunca digo a ninguém que não, aos meus amigos também não dizia e ia ficando… Até que um dia afirmei: já pensei numa pessoa e vou falar com ela. E disseram-me: escolheu mesmo bem, deve fazê-lo. Falámos, discutimos, e o José Luís foi pensar para casa. As coisas não se fazem logo assim correndo. E, ao fim de uns dias largos, respondeu-me que estava disponível. Tivemos uma conversa mais profunda e, depois, várias outras.
José Luís, foi complexo condensar uma vida tão cheia em tão poucas páginas? E o que aqui está, o que tem de ficção e de realidade? Porque não é uma biografia mas um romance biográfico.
JL: Condensar uma vida num livro, nem tenho a certeza de que tal seja possível. E, por isso, quando o sr. Rui me falou desta ideia de ver as suas memórias num livro, o que lhe sugeri foi não escrever uma biografia de acordo com as convenções desse género. Por um lado, porque o que eu sei fazer melhor é escrever romances e, por outro, porque a própria memória é também uma narrativa mais desse âmbito. Quando recebi essa proposta, senti-me logo muito privilegiado e percebi o que representava. Este livro tenta ser, e claro com muitas imperfeições, a perspetiva do sr. Rui Nabeiro. Por isso é que tive a ousadia de escrever várias passagens na primeira pessoa. É sempre uma ousadia colocarmo-nos no lugar dos outros, quando há aqui muitas diferenças de experiências.
Mas têm lugares comuns: o Alentejo, por exemplo, com os seus códigos e tradições e ambientes, reconhece-os na perfeição.
JL: Claro, acredito que sermos os dois alentejanos e termos esta relação com os nossos lugares e com os nossos também contribuiu para que esta obra seja aquilo que é. Ainda assim, sendo um livro com pormenores tão concretos – o sr. Rui fez questão de partilhar comigo a matrícula do carro em que foi de lua de mel, por exemplo –, os dados que estão nele referidos são, na sua esmagadora maioria, muito rigorosos em relação àquilo que o sr. Rui se recorda. Mas há uma dimensão ficcional: estrutural é o facto de o livro se passar em três dias, 26, 27 e 28 de março, sendo o terceiro dia, o dia de hoje, o dia de aniversário do sr. Rui. Esses dias são uma imaginação, porque ainda não tinham chegado. Ainda assim, imaginei-os conforme ele me descreveu que poderiam ser.
E nunca usa o apelido Nabeiro, é sempre sr. Rui. Porquê?
JL: Todas as pessoas com quem o sr. Rui se relaciona têm um grande afeto por ele. É muito visível, ele tem este dom de ser especialmente cativante e de pôr as pessoas à vontade. E sr. Rui é a forma como a maioria se dirige a ele, o que também diz muito da relação que elas estabelecem com ele. Um livro desta natureza tem a ambição de ser universal, de poder ser lido como um exemplo, podia ter-lhe chamado múltiplos nomes – do outro lado da fronteira chamam-lhe d. Manuel, ou muitas outras pessoas chamam-lhe Comendador, mas achei que sr. Rui era a que melhor ilustrava esta relação e esta forma de estar.
Sr. Rui, correu o mundo, viajou pelos quatro cantos do globo, mas nunca quis sair de Campo Maior, a sua terra, apesar de tudo um local remoto no Interior profundo de Portugal. Porquê? Sentiu que sair seria desertar e abandonar os seus e as suas raízes?
RN: Esta terra precisava de alguma pessoa que se dedicasse a ela. Que trouxesse riqueza, que provasse o bem-estar de muita gente que não tinha nada. Isso começou muito cedo, eu comecei muito novo, e isso aconteceu porque Deus e a Providência me ajudaram e me disseram “por aqui”. Trabalhei sempre a pensar nas pessoas desta terra, e as pessoas desta terra viviam trabalhando exclusivamente para o campo, todos os dias, e vivia-se mal. Então, chegámos nós, cheguei eu, comecei com três empregados e, fomentando, chegámos às centenas. Hoje são muitos [cerca de quatro mil]. Sair da minha terra ou deixar que qualquer coisa saia da minha terra? Tantas vezes que fomos visitados para sairmos, para recebermos em troca alguns valores… Mas isso não aconteceu porque eu não poderia permiti-lo. Aquilo que aqui está é algo que eu construí e é da família, mas é algo também da família de todos os nossos colaboradores. Sair de Campo Maior, não. E se eu conheço o mundo: hoje mesmo recebi telefonemas e emails de parabéns de pessoas, mensagens da China, do mundo inteiro. Se não me tivesse dedicado, seríamos mais uns desconhecidos. Mas hoje somos referenciados e somos realmente queridos. Sinto que sou querido para a nossa região e para o nosso povo.
José Luís é de Galveias, não muito longe daqui, mas foi estudar para Lisboa. Pode-se tirar o homem do Alentejo, mas não o Alentejo do homem?
JL: Olhar o mundo a partir daqui dá-nos uma certa especificidade. Até devo dizer que, nos encontros com Rui Nabeiro, é bom recordar que foram em grande parte tidos durante este tempo difícil de pandemia, o olhar alentejano tinha especificidades que eu ainda não tinha identificado. Estou-me a lembrar por exemplo de uma certa facilidade de aceder às emoções e de não ter medo dessas emoções. Comover-se quando é necessário, por exemplo. O sr. Rui, um homem que faz 90 anos, com toda esta dimensão, devo dizer que me tocou que não existisse nele medo de assumir esses sentimentos que nos humanizam e nos dignificam.
Sr. Rui, a sua mãe tinha uma salsicharia e o seu pai era chauffeur de um homem rico da terra. Quais foram os ensinamentos e as lições mais importantes que aprendeu com eles?
RN: Quando se vive nestas terras com carências, ninguém me disse vai por aqui. Eu sempre disse à minha mãezinha e ao meu pai que os queria ajudar; vivíamos numa família boa, unida, de quatro filhos. E comecei muito novo a fazê-lo. E não há dúvida nenhuma de que valeu a pena. Nesta terra tivemos a sorte de ser vizinhos dos espanhóis, e foi a única terra que soube sempre tirar algum partido disso. Não há dúvida de que a minha atitude foi também balanceada pela proximidade com a nossa vizinha Espanha.
Começou a trabalhar com 9 anos, a ajudar os seus pais, a levar e a trazer encomendas da salsicharia, nesta zona raiana onde a vida era difícil e onde o contrabando era também um modo de vida? Do que se lembra destes tempos?
RN: É que nasci para tal, sabe? É uma grande vantagem quando se nasce para alguma coisa, seja trabalhador, artista. Eu tive essa felicidade.
A sua mãe dizia que nasceu para ajudar os outros.
RN: Dizia e afirmava mesmo à nossa vizinhança daí da lavoura. Ela dizia às vizinhas: “Se a senhora precisar de alguma coisa, o meu Rui vai aí ajudar e tratar de qualquer recado.” Mas também o peixeiro ia havendo de mim, porque assim podia vender o seu peixe. Maneira que foi sempre um corrupio. Era poucochinho, uns escudos. Punha tudo dentro de um mealheiro, e ainda hoje tenho esse mealheiro! Quando sobra uma moedinha vai lá para aquele lado! É para distribuir depois no final do ano por alguém.
Teve de crescer muito rápido, porque o seu pai faleceu muito cedo, e assumiu o negócio com 17 anos.
RN: Sim, ele morreu muito cedo. Mas, aí, felizmente eu já trabalhava e já assumia. E tinha o meu tio Joaquim, já trabalhava nos cafés, e ele já confiava muito em mim. Ele era uma pessoa mais rigorosa, e eu era um pouco mais passivo, sabia conquistar melhor.
O seu tio Joaquim é uma figura central na sua vida, percebe-se. Foi uma referência importante para si?
RN: Sim, foi uma figura muito importante. Ele era um homem que sonhava que ia fazer e que arrancava. Saiu também muito cedo de casa dos pais, porque eles queriam que ele fosse cavador e ele dizia: “ai, cavador não sou!”. Foi para Espanha e daí que trouxe a ideia de fabricar e de transformar café. Fez-se uma fabriqueta, muito pequenina, e criou-se uma marca que ainda hoje, passadas dezenas e dezenas de anos, ainda está a trabalhar em Espanha [Cafés Camelo]. Era um homem com H grande, mas muito impulsivo. No entanto, ele gostava muito de mim e nunca tivemos o mais pequeno problema. Muito cedo, começou a pensar que eu seria o sucessor dele, e fui.
Mas eram diferentes de personalidade?
RN: Ele era uma pessoa difícil mas corajosa. Apontava as coisas e, se queria fazê-las, fazia. Outros deixavam para o dia seguinte.
Como foi o processo de escrita? Houve revisão depois, edição de pormenores em que sr. Rui corrigiu coisas do género: não bebia leite numa malga mas numa caneca, como vem no livro?
JL: Quando ia para os encontros com o sr. Rui já tinha feito uma grande quantidade de trabalho, existe muito material e certos elementos eu retirava dessas fontes. Tentava guardar para os nossos encontros as impressões mais pessoais que sentia que só podiam chegar pela boca do sr. Rui. Fomos avançando e esteve assente desde o início – porque queria estar à altura da confiança que o sr. Rui depositava em mim – que lhe ia dando conta do avanço do livro. Ao longo deste período, passei-lhe versões para ele ler e ele fez alguns acertos. Por exemplo: na descrição que é feita da inauguração da ponte sobre o Tejo, em 66, eu não tinha colocado o filho do sr. Rui que também lá estava, e ele não deixou passar isso, disse-me que tinha de pôr o filho porque ele também foi. Entre outros pormenores. Mas recorri a outras fontes, à minha mãe que me contou alguns detalhes históricos.
O livro percorre momentos importantes da vida de Rui Nabeiro, e ela acompanhou também a História de Portugal desde a década de 30. Apanhou a pobreza de um Alentejo durante o Estado Novo, a Revolução, a descolonização… Conta estas histórias sempre na perspetiva de um homem.
JL: O que mais me interessa é trabalhar esses acontecimentos a partir da experiência individual. Neste caso, este homem não só testemunhou de muito perto como também esteve, muitas vezes, em contacto com esses momentos. Por isso é que se referem as figuras-chave de Marcelo Caetano, de Mário Soares. E há momentos prosaicos, como o almoço de cozido de grão com Mário Soares, que eu achei muito engraçado.
Essa é uma das passagens muito divertidas do livro. Ligaram-lhe, de um dia para o outro, para receber o primeiro-ministro e Felipe González, em Campo Maior.
RN: É que eu fui vereador, vice-presidente e presidente da câmara nos anos 60. Eu era – e sou – fã do PS. O meu pai também já tinha as suas opiniões neste sentido. E logo veio o 74, numa visita já depois do 25 Abril, os espanhóis ainda estavam a querer fazer a revolução deles… Uma reunião em Lisboa, uma reunião em Madrid… e Mário Soares pensou: “Vou convidar o amigo Nabeiro e ele trata lá do almoço a meio caminho.” E nós tínhamos tomado posse aí de um lagar de uma cooperativa e ali fizemos um grande almoço.
Foi um grande susto para as senhoras que trabalhavam consigo: como vamos servir, de um dia para o outro, esta comitiva tão grande? Lá se improvisou um cozido de grão!
RN: Houve essa preocupação, mas havia gente que fazia aquilo tudo a fugir. E se gostaram, maravilha! O final ainda foi mais curioso. Quando acabou o almoço, fez-se a despedida e tal, e na comitiva ia gente dos espanhóis, ia gente de Campo Maior. A dada altura, veio o homem da fronteira dizer que os contrabandistas estavam infiltrados. Infiltrados… era a oportunidade de levarem o carrinho com umas coisinhas poucas, 15 ou 20 quilos de café. Então, começaram a parar tudo e todos. E o dr. Mário Soares ficou furioso e foi direito ao senhor e disse-lhe. “Quem é que vai levar daqui coisa alguma? Vamos a acertar contas, está a complicar-me a vida!”
E depois? Ficou a tratar do problema com o diretor da alfândega.
RN: Eu disse, ó dr. Mário Soares, siga lá que eu fico aqui a tomar conta disto. E a caravana marchou. Depois, à uma da manhã, apareceu-me a esposa dele à minha porta a chorar com medo de que o marido saísse do lugar. Eu disse-lhe: “Fique lá descansada que o doutor já se esqueceu disso!”
Outra história curiosa foi aquela do governador civil de Portalegre, ainda, ainda antes do 25 de Abril, que ficou furioso e lhe deu uma reprimenda por ter sido recebido por Marcelo Caetano sem ter passado por ele.
RN: Ah, claro, claro! É que ele nunca tinha lá ido! E depois o subalterno já tinha lá passado… isso é que não podia ser [risos]. Perseguiu-me e, um dia, chamou-me lá mesmo para discutir comigo o tema. Disse: “O senhor há de contar-me como é que isso foi.” E eu respondi. “Olhe, arranjei um amigo, ele levou-me lá e eu fui por aquela escadaria acima até ao pé do Marcelo Caetano.” Ele, que nunca lá tinha ido nem tão-pouco conhecia as escadas, disse: “Ah, pois, isso está bem, mas como?”. Eu fui com quatro membros parlamentares na área corporativa, que eram nossos fornecedores de café. Queria que ele viesse a Campo Maior nas Festas das Flores! Ele foi convidado para ir ao Brasil, naquela altura, e não chegou a vir, mas mandou o pai do nosso Presidente atual [Baltazar Rebelo de Sousa].
Na altura, era uma ousadia chegar ao Presidente do Conselho de Ministros sem passar pelo governador?
RN: Era uma ousadia, mas convinha-me era lá entrar! Não era andar a pedir a quem não tinha força ou a quem nunca me levava lá.
No livro, há uma passagem onde se diz “para governadores desta casta, pior do que não ter respeito, é não ter respeitinho”. E o sr. Rui nunca teve esse “respeitinho” de se acobardar?
RN: Sou uma pessoa de um respeito absoluto com toda a gente. Não foi falta de respeito, foi uma audácia.
Um dos momentos também marcantes foi, claro, o 25 de Abril. Conta-se um episódio interessante que foi o “enterro do fascismo” que aconteceu aqui na terra.
RN: Isso foram maluquices. Arranjaram um caixão e meteram o fascismo lá dentro, e foram pela rua até ao cemitério com todos a rezarem pelo caminho.
Mas outro episódio que aconteceu foi ver os seus funcionários entrarem pela porta e dizerem-lhe que vinham ocupar a fábrica.
RN: Pois, mas não estiveram lá tempo nenhum, que eu não os deixei lá estar [risos]. Havia esse propósito, e queriam… mas o respeito é bonito, e aqui houve. Mas era preciso tirar de lá aqueles que lá estavam, e conseguimos. Depois também consegui que eles me pusessem na rua!
Há uma passagem do livro em que conta que muitas vezes o tratavam por doutor e se via obrigado a explicar que não era nem precisava de ser [só fez até à instrução primária]. Diz assim: “Há doutores de todos os feitios: desde o mais evoluído até à maior besta-quadrada. Anos de estudo para desenvolver uma perceção apurada, um saber-estar, e logo ao lado, na mesma sala de Coimbra, anos de estudo para ser uma real besta-quadrada.” Conheceu muitas bestas-quadradas na sua vida?
RN: Ah, isso agora não vou confirmar nem deixar de confirmar. Às vezes, a boca é traiçoeira. [Risos.]
Com tanta gente com quem se cruzou, tantos negócios que fez no mundo inteiro, conheceu também as mais variadas pessoas – desde o homem que vinha à porta da fábrica pedir-lhe emprego, algo que lhe aconteceu sempre muito, às estrelas mais famosas e aos Presidentes da República. O que é para si, afinal, mais importante nas pessoas?
RN: Indubitavelmente, é a sinceridade de cada um. Mas há pessoas que, por vezes, vêm enganar porque precisam, porque têm necessidade. No emprego, isso acontece muito. Mas posso dizer, mesmo com o coração, que temos um nome na rua e que é tratar todos bem. Assim, as pessoas são obrigadas também a tratar-nos bem. A uma casa séria também vêm pessoas sérias.
Sempre prezou muito para negociar estar frente a frente, o olhar nos olhos. Isso é importante?
RN: Muito. Isso dá-nos uma sabedoria, é uma forma de saber ler as pessoas. Se alguém não vem com uma fiel posição de bem tratar, nota-se perfeitamente, olhos nos olhos.
Estes tempos agora em que não conseguimos fazer a nossa vida normal e estar juntos, custam um bocadinho mais.
RN: Nós estamos vendendo menos, como toda a gente, mas contamos voltar. Neste período de pandemia, dissemos a todos os nossos clientes que, se houver algum problema, nós estamos cá. Um problema deles é também um problema nosso. Um cliente é um amigo. Esta é a minha mentalidade e é a mentalidade de todos os meus.
José Luís, uma das coisas mais emocionantes deste livro é a presença permanente da mulher do sr. Rui, Alice, com quem está casado há 67 anos. Do princípio ao fim, esta é também uma história de amor muito bonita.
JL: Penso que a esse nível este livro acaba mais por sugerir do que descrever. Essa história não está exaustivamente descrita no livro, mas na minha avaliação – e peço desculpa ao sr. Rui Nabeiro por estar a entrar nestas intimidades – senti tanto esse afeto que me tocou muito. É muito bonito ver duas pessoas que estão juntas há tantos anos e que têm uma relação como esta – são duas vidas que estão ligadas. E a família, e toda esta união que existe entre eles e que está presente também no título Almoço de Domingo.
José Luís, que outros pormenores gostou de descobrir da vida de Rui Nabeiro?
JL: Este é um livro que marca a minha vida. Não sei destacar um momento… Mas há uma coisa curiosa: quando o livro estava escrito, disse ao sr. Rui que não tinha conseguido colocar nele toda esta dimensão filantrópica que tem da maneira que é. E o sr. Rui disse-me: “Melhor assim, porque essas coisas não é para estar a fazer alarde delas.” E acho que isso é muito expressivo, porque quem tenha conhecimento da quantidade de obras sociais feitas aqui, não só em Campo Maior mas em toda a região, sabe bem que é uma das características que distinguem Rui Nabeiro.
É assim, sr. Rui?
RN: Fazer publicidade do bem que se faz, nunca! Não está dentro do meu princípio. Fazemos porque a consciência nos diz que devemos ajudar.
Chega aos 90 anos com a sensação de dever cumprido? Do que mais se orgulha deste legado que deixa aos seus filhos e netos?
RN: Ninguém consegue fazer tudo, e eu ainda continuo a fazer muito. Enquanto não prejudicar, o que eu penso é continuar. Mas há muito respeito mútuo entre a família.
E qual é o segredo para chegar aos 90 anos assim com essa lucidez?
RN: Fui sempre muito regrado na minha vida. Bebo café, claro. Bebo e provo. Acho que foi um pouco de equilíbrio também. E não parar. Se deus me parar, eu paro. Se não me parar, eu sigo.