Linguagem, emoção e até alergias: 12 histórias surpreendentes sobre… a cor

Linguagem, emoção e até alergias: 12 histórias surpreendentes sobre… a cor

Rosa Alice Branco é alérgica ao verde-garrafa. E, até há pouco tempo, a poeta não sabia porquê. Só numa recente visita à casa da família o percebeu. “Ninguém merece crescer num quarto com as paredes pintadas dessa cor”, constatou. Fisicamente, Rosa sente-se mal, fica enjoada, extremamente angustiada e com comichão na pele. Não consegue vestir, nem guardar no armário, peças de roupa desse tom de verde.

A sua infância foi passada na sala de cinema do seu pai, Vasco Branco (1919-2014), escritor, cineasta, ceramista e pintor natural de Aveiro, na casa assinada pelo arquiteto Victor Palla – a atual Aveiro Arts House. Profundamente daltónico, sem distinguir sobretudo o verde e o vermelho, Vasco Branco tinha “uma harmonia espantosa das cores”. “Vivi sempre no universo das cores do cinema, do preto e branco do expressionismo”, lembra Rosa Alice Branco.

O mais recente livro da autora, As Cores das Coisas (Contraponto, 224 pág., €16,60), torna-se essencial para compreender a realidade policromática, tanto na sua relação com os objetos e as suas formas, como a influência nos mais singelos estados de alma humanos.

“Nós somos fototróficos como as plantas, temos uma filia pela luz. Todo o nosso organismo, quer para sobreviver, quer para viver, inclina-se para a luz.”

Rosa Alice Branco “Nós somos fototróficos como as plantas, inclinamo-nos para a luz”

Doutorada em Filosofia Contemporânea, Rosa Alice Branco, 71 anos, dedica-se ao ensino da Neuropsicologia da Perceção e da Estética. “Quero perceber muito bem como as coisas interagem connosco, como nos provocam emoções, como nos causam repulsa ou atração.” Assim, explica aos seus alunos como devem fazer objetos que sejam justos e honestos e que boas emoções podem despertar nos consumidores. “Tudo isto é tratado tanto na dimensão da forma, como da cor e das texturas.”

Não é possível falar de cor sem começar pela importância da luz e como a dispersão da luz branca, ao atravessar um prisma de vidro – experiência feita por Isaac Newton – deu origem a todas as cores. “Não é por acaso que há cores quentes e cores frias. É a primeira grande sinestesia: tratar o nível visual como se tivesse sentido térmico.”

A cor é o único código que serve e se adapta a tantas linguagens diferentes como a arte, sociologia, história, psicologia, moda, linguística, desporto… “As cores têm o papel principal, são protagonistas do filme da nossa vida.” 

“Não há forma sem cor – se se escrever a giz branco num quadro branco não se vê nada”, continua Rosa Alice Branco. “Na Natureza a cor avisa: bagas vermelhas são fatais; o amarelo das árvores no outono é tóxico. Nada é ingénuo, a Natureza tem códigos perfeitos.”

A questão da sobrevivência volta a impor-se a quem tem medo do escuro. “É visceral, mesmo em adultos. Não nos podemos defender se não conseguirmos ver. Aquilo que reconhecemos pela visão, sem a cor não reconhecemos.”

Vamos então nesta viagem, guiados pelas palavras da poeta, que nos mostra como as cores se apropriam de alguns produtos, tornando-se sinónimos de marcas.

Catálogos

As ‘bíblias’ que nos guiam

Pantone, RAL e NCS, três catálogos importantes

Sendo as cores primárias um pormenor-base do estudo da cor, Rosa Alice Branco define-as como “a cor que não pode ser obtida a partir de uma mistura”. As restantes cores dividem-se em cores-pigmento transparentes e cores-pigmento opacas e, para estas, há três catálogos universais que ajudam à “relação percetiva com a linguagem da cor”. A consultoria da Pantone estuda o mercado e elege as tendências de cores que serão usadas, por exemplo, nos têxteis e no design. Já o catálogo do RAL (Rationelle Arbeitsgrundlagen für die praktiker des Lack), criado em 1925, inclui cores padronizadas em muitos materiais. O sistema sueco NCS (Natural Color System) é o que mais se aproxima às cores que as pessoas veem.

Revolução na sanita

Na sua pesquisa, a autora marca o aparecimento do papel higiénico de cores muito saturadas, como o preto e vermelho, nos últimos anos do século XX. Seguem-se as embalagens em azul-claro, amarelo-limão, laranja e outras cores improváveis, além dos rolos embalados em caixas metálicas para oferecer. “As pilhas verticais de Renova preto cumprem a visão que Paulo Pereira da Silva, CEO da marca, teve quando, ao assistir ao Cirque du Soleil, viu as figuras dos corpos dos trapezistas enrolados em faixas pretas. A partir desse momento, o papel higiénico muda drasticamente de estatuto, tornando-se, em determinados contextos, design desejável”, escreve Rosa Alice Branco.

O azul da ganga

O azul-escuro continua a ser a cor preferida de mais de 50% da população ocidental e, para isso, muito contribuíram as calças de ganga. Mas, como bem lembra Rosa Alice Branco, “o Ferrari dos jeans é o modelo Levi’s 501”. “Os jeans aparecem em 1873 com o jovem Levi Strauss, que não imaginava mudar o mundo com os metros de pano grosseiro trazidos para São Francisco por altura da febre do ouro, com uma finalidade bem diferente e que acabaram na confeção de calças resistentes. (…) Ao perceber o furo das Levi’s, o tecido foi trocado por tecido Denim (de Nîmes), mais flexível e fácil de trabalhar, de cor índigo.”

Este vermelho não é para todos

Rosa Alice Branco não teve dúvidas em dedicar um capítulo inteiro à “cor das cores”. O vermelho “é a cor vencedora. Sem ele, a nossa vida não seria tão desafiante, tão fogosa”. “Comparando a perceção do vermelho com a do azul, vemos o vermelho três vezes mais rapidamente do que o azul”. “A publicidade serve-se do poder estimulante do vermelho para persuadir à compra. E, tal como escreveu, poética e publicitariamente, Fernando Pessoa, no primeiro slogan português da Coca-Cola: ‘Primeiro estranha-se, depois entranha-se.’” No caso da Ferrari, e da cor patenteada, o vermelho Ferrari, “há um entranhamento perfeito entre marca e cor, (…) limite intangível a que os produtos gostariam de ascender”.

Um verde contra o brilho

Antes da II Guerra Mundial, já a companhia norte-americana Bausch & Lomb tinha fundado a marca de óculos de sol Ray-Ban. Mas o conflito fez com que fossem aperfeiçoados para os pilotos de aviões, filtrando melhor a luz e evitando o embaciamento. “A cor das lentes escolhidas foi o verde, que conseguia o efeito antibrilho, minimizando o obscurecimento da visão. Depois de um novo design, que os tornou mais resistentes e substituiu os aros de plástico por metálicos, estes óculos leves, finos e elegantes ficaram eternizados como Ray-Ban Aviator.”

Cheira a branco!

Em Portugal, slogans orelhudos, ao longo de décadas, como “Omo lava mais branco”, e o do anúncio do Tide, “Branco mais branco não há”, ficaram para sempre associados à alvura e à pureza. “As tentativas de chegar ao máximo expoente de branco podem apreciar-se pela competição, no registo publicitário, entre os detergentes usados desde os anos 1950”. O detergente Tide, em 1949, “sai nos Estados Unidos com um slogan que ainda hoje é genial: Tide’s in, dirt’s out”.

Na escuridão do paraíso

O Vantablack, a “substância mais escura até agora criada pelo homem”, foi uma das novidades que Rosa Alice Branco descobriu durante a pesquisa para o livro, sobre o carro BMW X6, concebido para ser exposto no Salão do Automóvel de Frankfurt de 2019. Este tom, mais escuro do que o breu, deriva das penas dos machos de duas das várias aves-do-paraíso, espécies endémicas da Nova Guiné. A Lophorina superba absorve 99,96% da luz incidente, e ascende aos tempos primitivos, enquanto que a Soberba vogelkop é uma espécie recente. “Como, durante o tempo de acasalamento, o ventre do macho é azul-turquesa brilhante, o contraste com o ultrapreto encanta as fêmeas que privilegiam a exuberância destas aves.”

Benetton

Quando a cor é ativista

Contra o cinzentismo no vestuário e nas mentalidades

O uso da cor, no vestuário, sempre ligado, ao longo dos tempos, à religião, à economia, ao momento político e à cultura de uma sociedade, ganhou, no século XX, um novo sentido com a Benetton. Sobretudo nos países do Mediterrâneo, com as suas vestes escuras e pesadas. À boleia do sucesso da marca italiana de vestuário, a cor torna-se protagonista e ativista. Com o verde do símbolo a remeter para os prados onde pastam as ovelhas que estão na origem da lã virgem, “nas campanhas, a profusão das cores significa a profusão das cores da pele, a diferença que deve sublinhar a igualdade”, escreve Rosa Alice Branco. O facto é que os publicitários souberam aproveitar da melhor forma o nome da marca: United Colors of Benetton.

O azul primordial

Na mítica lata do creme Nivea está mais um exemplo do poder da cor azul que, “enquanto cor no registo cosmológico, significa hidratação e está, nomeadamente, ligada à frescura”. “O branco do creme, e que já aparece nas letras da lata, indicia suavidade e pureza, enquanto o azul induz a ideia de hidratação. (…) Não se trata de qualquer azul, mas de um azul muito semelhante ao primário em cores-pigmento opacas, a que se acrescentou um brilho intenso”, descreve a autora do livro.

União forte

Logotipo IKEA logo

É no capítulo Cosmos: Ouro Sobre Azul que a poeta descreve a relação poderosa do azul com o amarelo. “As letras em relevo [do logótipo da Ikea] aproximam-se, expandem-se, dilatam-se e produzem um contraste quase complementar com o azul-índigo, que se afasta, determinando que o amarelo se aproxime ainda mais. Assim, esta conjunção está feita para ser vista de longe e apelar para que as pessoas acorram em grande escala. O amarelo é convidativo e amigável e transmite alegria, o que é reforçado pelo contraste com o azul primário luminoso, que dá uma grande sensação de harmonia.”

De Judas até à vitória final

No século XII, a cor amarela ganha má reputação. A “culpa”, segundo Michel Pastoureau, é do cabelo loiro e das vestes amarelas de Judas. “A sorte do amarelo começaria a mudar com o Tour de France, a volta a França em bicicleta, publicitada pelo jornal L’Auto, que tinha as páginas amareladas. O ‘camisola amarela’ começou por ser a expressão para o vitorioso da prova, que depois se estendeu ao conceito de vitorioso em quase todas as áreas.”

A cor da realeza

A identidade do chocolate Milka é dada pelo conjunto do lilás e branco, presente no símbolo da marca (a vaca Lila) e que não destoa da ideia que se tem dos Alpes suíços. Na Cadbury, a identidade é veiculada pelo violeta (cor Pantone 2865 C). “A marca nasceu em 1824 com John Cadbury e, em 1854, foi com orgulho que os irmãos Cadbury receberam a notícia de que tinha sido concedido um mandado real, nomeando a Cadbury produtora e fornecedora de cacau e chocolate para a rainha Vitória. Distinção que justifica a cor violeta da embalagem (desde 1914), em consonância com a cor da realeza e da nobreza.”

A explosão das cores

A utilização das três cores primárias – amarelo, azul e vermelho – confere uma imagem de perfeição quando se fala das embalagens da Lego, marca que começou por ser de brinquedos de madeira empilháveis. “Em 1955, a grande variedade de cores nos módulos foi substituída por uma paleta consistente. Também nos módulos, as cores principais eram três cores primárias e ainda o verde secundário. Junto com estas, a Lego integrava o branco e o transparente, tendo o preto aparecido só em 1960.”

Padrões

As riscas do diabo

O imaginário de um “uniforme”

A poeta associa o vestuário às riscas ao uniforme dos Irmãos Metralha, da Disney, dos Irmãos Dalton, na série de banda desenhada Lucky Luke, e ao traje de banho dos irmãos Dupond e Dupont, no Tintim, de Hergé. “De facto, as riscas, já usadas pelos marinheiros, passaram a ser a grande coqueluche na praia e nos ambientes de ‘tonalidade’ descontraída. Michel Pastoureau escreve no seu livro O Tecido do Diabo: uma história das riscas e dos tecidos listrados que o raiado era, na Idade Média, conotado com o diabo. O diabo era às riscas”, descreve Rosa Alice Branco.

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