A Comunidade Israelita do Porto (CIP), o principal alvo da “Operação Porta Aberta” levada a cabo pela Polícia Judiciária, em março deste ano, acredita que, por detrás desta investigação judicial, está uma “conspiração” contra os judeus, sobretudo os milionários, impedindo-os de tomar posição em setores estratégicos portugueses. Numa queixa apresentada na Procuradoria Europeia, a que a VISÃO teve acesso, a CIP acusa um “grupo de conspiradores desconhecidos” de antissemitismo, afirmando que os mesmos manobraram representantes do Estado, desde politicos, magistrados, polícias, terminando no Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
A “Operação Porta Aberta” foi lançada a 14 de julho deste ano e, além de buscas domiciliárias, escritórios de advogados e à própria sinagoga do Porto, envolveu a detenção do rabino Daniel Litvak, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais em processos de certificação da ascendência sefardita de judeus que, por via disso, obtiveram a nacionalidade portuguesa através de uma lei de 2013. Presente a um juiz de instrução, Daniel Litvak ficou obrigado a apresentações periódicas e foram-lhe retirados dois passaportes.
Em reação ao processo judicial, a CIP considera, na queixa apresentada à Procuradoria Europeia, que o principal objetivo foi a “destruição” de homens de negócios judeus, sendo que o alvo é o dono da Altice. Na queixa, a Comunidade relaciona a investigação “Porta Aberta” com um concurso aberto pelo anterior governo para a gestão do SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal), cujo caderno de encargos tem sido muito contestado pela Altice, dizendo que se trata de um “fato à medida” do seu principal concorrente, a Motorolla.
Para a CIP, a tal conspiração envolveu “agentes do Estado”, como políticos, magistrados e polícias de forma a evitar que “judeus ricos invistam em Portugal” e a obrigar Patrik Drahi, cujo nome constava nos mandados da Judiciária, a entregar a Altice a um “fundo não judeu”. Sendo que, realça a CIP, o processo de certificação de Drahi correu na comunidade israelita de Lisboa e não no Porto. O caso de Roman Abramovitch é descrito pela CIP como “propaganda destrutiva”, já que o o antigo dono do Chelsea é uma figura mundialmente conhecida.
Na queixa, a CIP admite que muitas figuras do Estado, como o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, possam ter sido usadas nesta conspiração. Daí o Chefe de Estado ter sido indicado como testemunha, assim como os socialistas Manuel Alegre, Maria de Belém, Carlos Zorrinho e Pedro Silva Pereira.
Quanto ao processo em si, a Comunidade critica a atuação da Judiciária que diz ter invadido a sinagoga e de ter impedido o rabino de acesso ao livro de orações e à alimentação com comida Kosher. Revelando, igualmente, que o caso assenta em denúncias anónimas, e que toda a situação não passa de um “assassinato de carácter” da Comunidade do Porto, “provavelmente a mais forte da Europa, em termos de religião, cultura e luta contra o antissemitismo”.
Entretanto, o Congresso Mundial Judaico, organização internacional que representa comunidades em 115 países, já se distanciou da iniciativa da CIP , em declarações ao jornal Haaretz, rejeitando a utilização “como tática” de “teorias da conspiração falsas”.
Na sequência da operação da Judiciária, a Comunidade Israelita do Porto emitiu um comunidado, em março, no qual confirmou a realização de buscas a vários membros da direção após “denúncias anónimas”. “Membros da direção (…) foram alvos de buscas e um deles foi indiciado dos crimes de tráfico de influência (a denúncia afirma que foi o autor da lei dos sefarditas de 2013), fraude fiscal e branqueamento (a denúncia afirma que existem desvios de fundos não declarados e que são branqueados) e falsificação de documentos (a denúncia afirma que os pareceres do rabino são falsos e que o jurista da direção devia saber)”, referiu o documento.
Na mesma nota, a comunidade referiu que tais denúncias vão ser “rebatidas documentadamente ponto a ponto” e que as buscas foram essencialmente movidas por “dois casos”: Roman Abramovich, certificado com nacionalidade portuguesa pelo rabinato do Porto, a 16 de julho de 2020, dado cumprir os critérios plasmados na lei e aceites pelos sucessivos governos desde 2015.
No que diz respeito a Patrick Drahi, certificado pela Comunidade Israelita de Lisboa em 2015, foram cumpridos todos os critérios plasmados na lei e aceites pelos sucessivos governos desde 2015, referiu a nota da comunidade judaica, na mesma nota.
Na sequência desta investigação judicial, a direção da CIP anunciou ter decidido que “não mais tem interesse em colaborar com o Estado na certificação de judeus sefarditas”, lembrando também uma proposta feita entre 2013 e 2014 ao governo para a criação de uma comissão internacional para esta missão.
A nota deixa ainda várias críticas à investigação em torno dos processos de certificação para a concessão da nacionalidade portuguesa ao abrigo da Lei da Nacionalidade para judeus sefarditas, nomeadamente à naturalização do multimilionário russo Roman Abramovich, com a CIP/CJP a declarar ter “recebido de Roman Abramovich o valor de 250 euros e nada mais”.
A Comunidade Judaica do Porto inclui cerca de 700 judeus de mais de 30 países. Judeus sefarditas são judeus originários da Península Ibérica, expulsos de Portugal no século XVI. A Procuradoria-Geral da República em Portugal confirmou a 19 de janeiro que a concessão da nacionalidade portuguesa ao empresário russo Roman Abramovich ao abrigo da Lei da Nacionalidade para os judeus sefarditas estava a ser alvo duma investigação.