José Sócrates apresentou, esta terça-feira, um incidente de recusa contra os juízes desembargadores do Tribunal da Relação que estavam a apreciar um recurso do Ministério Público e do próprio José Sócrates contra uma alteração substancial dos factos que terá sido feita pelo juiz Ivo Rosa na decisão instrutória.
Na prática, o pedido de afastamento dos juízes, que terá que ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, faz com que todo o processo fique parado, porque a questão da alteração substancial dos factos estava no centro da contestação à decisão do juiz Ivo Rosa de 9 de abril de 2021.
Segundo informações recolhidas pea VISÃO, a defesa de José Sócrates alega que o recurso foi distribuído ilegalmente à juíza desembargadora Maria José Caçador, uma vez que não há ata da distribuição. Invocando uma nova lei relativa à distribuição de processos, que entrou em vigor em agosto do ano passado, o advogado Pedro Dellile considerou que a distribuição não obedeceu às novas regras: o próprio advogado não esteve presente, nem o Ministério Público, afirmando ainda não ter sido realizado um sorteio eletrónico.
De facto, em agosto de 2021, entrou em vigor a lei 55/2021, que fez alterações ao Código do Processo Civil (que se aplica por analogia em matéria penal) em matéria de distribuição dos processos nos tribunais. Porém, até hoje a lei nunca foi regulamentada. Isto tem levado a que, segundo fontes judiciais, alguns tribunais da Relação, como o de Lisboa, considerem que a lei só entra em vigor quando estiver regulamentada, enquanto outros, como Porto e Évora, à cautela, já notificam os interessados para assistirem à distribuição de processos.
A defesa do ex-primeiro-ministro, pronunciado para julgamento por crimes de falsificação de documentos e branqueamento de capitais, defende, por isso, que ou os juízes declaram a nulidade de tudo o que já foi feito até agora ou, caso isso não aconteça, desde já avança com um pedido de afastamento junto do Supremo Tribunal de Justiça, instância com competência para apreciar este tipo de incidente face a juízes dos tribunais da Relação.
O que está em causa?
A questão da alteração substancial dos factos na Operação Marquês e que está em discussão nos tribunais é um tema central para todo o processo. A 9 de abril de 2021, recorde-se, quando decidiu pronunciar para julgamento José Sócrates e Carlos Santos Silva por crimes de falsificação de documentos e branqueamento de capitais, o juiz Ivo Rosa alterou a narrativa do Ministério Público, transformando Carlos Santos Silva no corruptor ativo de José Sócrates, ao contrário do que referia a acusação, que o colocou sempre como corruptor passivo (em co-autoria) com o antigo primeiro-ministro.
O que, aparentemente, se trava de um mero pormenor tem sérias implicações no processo. Por um lado, ao contrário do que referiam os procuradores, os cerca de 30 milhões de euros cuja propriedade real fora imputada a José Sócrates passaram – com a decisão de Ivo Rosa – para Carlos Santos Silva, afastando Sócrates das acusações de corrupção passiva.
Isto levou a que, pela primeira vez no processo, a acusação e algumas defesas estivessem de acordo e todos recorressem para o Tribunal da Relação de Lisboa, ao mesmo tempo que o MP também recorreu da não pronúncia de Sócrates por corrupção passiva, mas este último recurso fica dependente da decisão de se houve ou não uma alteração substancial dos factos.
Por outro lado, o julgamento dos dois arguidos pelos crimes de falsificação de documentos e branqueamento de capitais também não se poderá iniciar até esta questão ficar resolvida.