Mark Zuckerberg (ainda) não apareceu diante das câmaras e objetivas, com o seu habitual rosto pálido e suado e olhar assustado, para justificar ou rebater as revelações feitas, ao longo do último mês, por Frances Haugen. O fundador e patrão do Facebook ficou-se, para já, por um comunicado, que, sem surpresa, adjetiva as declarações da sua ex-funcionária – à comunicação social e ao Congresso dos Estados Unidos da América – como “mentiras” e “ilógicas”. Não será, porém, difícil de supor que o estado de espírito daquele que é o quinto homem mais rico do mundo deve pairar próximo do dos grandes líderes que, na solidão dos seus pensamentos, adivinhavam aproximar-se inexoravelmente o declínio dos impérios com que dominaram o planeta (ou, pelo menos, parte significativa dele). Zuckerberg vê-se pela enésima vez no epicentro de um escândalo, que recupera para o espaço mediático a discussão sobre se é legítimo ou não o Facebook (dono das redes sociais Facebook, Instagram, WhatsApp e Messenger) manter um monopólio que lhe permite deter os dados pessoais e partilhar informação direcionada para quase três mil milhões de pessoas em todo o mundo, sem que esteja comprovado (ou sequer seja regulado) que é dada prioridade a princípios éticos e morais, face aos lucros astronómicos (que ascenderam a 10,39 mil milhões de dólares no segundo trimestre de 2021).
Depois do caso da Cambridge Analytica – que expôs a influência escondida do Facebook na eleição de Donald Trump e no referendo do Brexit – ou da inação, demonstrada no último ano e meio, para travar a difusão de teorias da conspiração e fake news usadas por movimentos negacionistas da Covid-19 – fenómeno a que Portugal não escapou –, desta vez foi a voz de Frances Haugen a erguer-se, dizendo alto e bom som que toda a cúpula do Facebook sempre soube dos perigos que as redes sociais que gerem representam, mas preferiu simplesmente ignorá-los. Com base em milhares de documentos internos, Haugen afirma que os algoritmos utilizados pelo gigante tecnológico incentivam à discórdia e à divisão, que as suas ferramentas são projetadas para criar dependência e aumentar o consumo e que as suas redes sociais (em particular o Instagram) são tóxicas para a saúde mental dos adolescentes, estando diretamente ligadas a uma quantidade significativa de casos que originaram pensamentos suicidas e anorexia, afetando sobretudo jovens raparigas. Será isto suficiente para, finalmente, se criarem legislações adequadas para regular o universo digital?