E se lhe disserem que a marca que consome tem uma história para contar? Cada vez mais têm surgido projetos portugueses que defendem uma atitude positiva associada ao ato de consumo. As marcas têm investido para que os clientes comprem não só porque é bonito, mas também porque o produto tem qualidade e promove a sustentabilidade. Mas não pense que apenas se trata de ambiente quando se fala de sustentabilidade.
Sustentabilidade social
Com uma forte presença social, a Béhen nasceu a partir do do baú da avó, inspirada pela cultura tradicional portuguesa do enxoval, repleto de colchas bordadas e naprons e impulsionada pela delicadeza com que a fundadora da marca viu a comunidade indiana cuidar, entre gerações, do shari – traje tradicional das mulheres indianas – e como dominam a arte da reutilização.
“Na Índia foi onde me apercebi da importância de reutilizar todo o tipo de tecidos. Eles reutilizam até os bocadinhos que nós em estúdio achamos que não servem para nada e conseguem arranjar solução”, explica à VISÃO Joana Duarte, fundadora da marca. “Quando voltei a Portugal, comecei a pensar como é que podia preservar, dar continuidade e despertar o interesse na população mais jovem para estas coisas que as nossas avós e mães guardam para nós e que muitas vezes ficam fechadas ou vão para o lixo”, continua.
Foi em conjunto com a Fundação Aga Khan que Joana lançou a primeira coleção, produzida com os tesouros que recheavam a arca da avó, desde colchas, toalhas bordadas, naprons, tapeçarias, até capas de camas antigas. Desde que descobriu o seu rumo, quis trabalhar com pequenas comunidades e artesãos e é por isso que conta com o trabalho de mulheres que chegam a Portugal, vindas do mundo inteiro, em condições vulneráveis.
“Eram mulheres que estavam desempregadas, muitas delas em situações de risco e, de certa forma quis envolvê-las num projeto que acaba por ter algum cariz social e mostra que estas mulheres são totalmente capazes de fazer este tipo de peças e entendem o projeto”, esclare Joana Duarte. É desta forma que promove a sustentabilidade social e, simultaneamente, marca a sua posição na indústria pelo reconhecimento do design da marca, elevando a arte do upcycling – aproveitar tecidos antigos – e criando peças praticamente exclusivas para os clientes. Agora, as reservas da avó já não são suficientes e a criadora tornou-se visitante assídua de feiras de velharias, em busca de encontrar tecidos para lhes dar uma nova vida com as suas criações.
A mesma filosofia também é partilhada por Veruska Olivieri, que fundou a Be We com o objetivo de “pensar globalmente e agir localmente”. A marca oferece aos clientes uma plataforma que vende roupa, calçado, cosmética e objetos de decoração de mais de 70 marcas, mas que funciona como um local seguro, onde se pode comprar com a consciência de que essa ação está a ter um impacto positivo no mundo. “É muito melhor sabermos que compramos algo porque gostamos e porque ajudamos alguém, levando-nos a ter impacto social. A Be We quer ser um ponto a mais naquilo que já fazemos normalmente”, explica à VISÃO Veruska Olivieri.
Uma das marcas associadas ao projeto ajuda mulheres no interior do País, que são sozinhas o sustento das suas famílias. Esta marca representa a vontade de algumas marcas que têm surgido ultimamente: não querem ser apenas mais um posto de venda, mas sentir que o que vendem muda positivamente a vida de todos os envolvidos, objetivo que, cada vez mais, os clientes também querem atingir com as decisões de consumo que tomam.
Sustentabilidade ambiental
As notícias que chegam sobre as alterações climáticas, a poluição e os riscos que o planeta enfrenta, em parte também provocados pela indústria da moda, levam a que as pessoas queiram mudar os seus hábitos de consumo e invistam em marcas que têm a mesma vontade e defendem valores mais sustentáveis.
De acordo com Veruska, os consumidores passaram a preocupar-se com o quanto a ação de cada um impacta o mundo. “Mais do que um posto de venda, a Be We é um local que conta histórias através do que vende e eu noto que muitas pessoas querem ter uma prática mais sustentável na sua vida. Por isso, queremos dar às pessoas a oportunidade de escolherem conscientemente a partir da compra de um produto”, esclarece.
E porque isto também é uma das bandeira da marca de roupa ISTO, a grande maioria dos produtos que vende são certificados e produzidos com materiais orgânicos. Além da vertente ambiental que defende, a ISTO tem a particularidade de apresentar um modelo de negócio transparente, onde o preço da peça é detalhado e justificado através de um esquema no site da marca.
“As pessoas podem aceitar ou não os preços de uma marca, mas existe um desconhecimento do que está por detrás de uma peça de roupa. E então nós queremos dar o máximo de informação ao cliente, para que possa tomar uma decisão mais consciente” diz à VISÃO Pedro Palha, fundador da marca.
Na descrição de cada peça, é possível consultar detalhadamente os valores gastos, por exemplo nos botões, nas etiquetas, a mão de obra, os tecidos, o embalamento e o transporte. Calcula-se ainda o valor real gasto na produção da peça, o valor a que a marca o vende ao público e o preço a que normalmente uma peça de vestuário idêntica costuma ser vendida.
De acordo com Pedro Palha, a marca sentiu uma alteração nos comportamentos de consumo dos clientes, uma vez que notaram que “há mais clientes à procura de produtos com mais qualidade e feitos em Portugal, com materiais sustentáveis”, ainda que a ISTO não tenha realizado qualquer alteração de comportamento. “Nascemos neste ambiente. É uma alteração positiva nas pessoas e foi também com este intuito, o da partilha de custo e utilização de materiais sustentáveis, que quisemos informar as pessoas para tomarem melhores decisões”, explica Pedro Palha.
Sustentabilidade económica
Ainda que todas estas marcas não queiram competir com as marcas de fast fashion e produzam numa escala inferior, cada um à sua medida, os desperdícios de material acabam por significar um desperdício a nível financeiro.
Marisa Matos, fundadora da Sienna, encontrou na zero waste a solução para o problema. Uma marca de roupa tem de desenvolver protótipos, fazer testes e tomar decisões, deixando alguns tecidos para trás porque não são o que foi idealizado ou porque as grandes cadeias põem fim aos stocks. À medida que os tecidos se acumulavam, deixou de ser viável a vários níveis suportar a situação e, por isso, Marisa desenvolveu um projeto que só lhe trouxe benefícios, assim conta à VISÃO.
“Fala-se tanto de sustentabilidade e de novas formas de acabar com os excessos que a zero waste foi a maneira que encontrei para rentabilizar esses tecidos: as pessoas terem peças únicas, que valorizam, e ajuda-se o ambiente. Porque não é nem sustentável, nem financeira e ambientalmente, nem a nível de espaço. Quando olho para o meu negócio tento que, no meio disto tudo, seja algo sustentável” disse Marisa Matos.
É aos domingos que lança ao público as suas peças exclusivas, que cria com tecidos impossíveis de utilizar na coleção corrente, e surpreende os clientes com edições exclusivas de modelos best sellers anteriores renovados por tecidos acumulados no armário.
“São peças quase ou mesmo únicas, feitas com excedentes finais de peças da coleção vigente ou de peças que não consegui ter em produção porque já não havia tecido para comprar”, esclarece. De acordo com a empreendedora, há cada vez mais pessoas a valorizar este tipo de projetos “e que compram as peças ainda com mais carinho do que uma peça que está na coleção atual, porque além de ser uma peça feita com tecidos que se calhar iam estar parados, ainda é mais exclusiva do que as peças da coleção do momento”.