“As empresas e as pessoas chegam e partem, mas a herança do Chelsea, as suas paredes e emoções, essas, vão perdurar muito depois de eu morrer.” Foi assim que Stanley Bard (1935-2017) se referiu ao edifício que geriu durante mais de 50 anos, enquanto mirava as ruas de Nova Iorque por uma das janelas do Chelsea Hotel. Mas já lá iremos, ao presente e ao futuro deste hotel de quinhentas estrelas. Por agora, recuemos a 1884, quando o orgulhoso arquiteto Philip Hubert olhou por essa mesma janela: foi sua a ideia ambiciosa de erguer, no número 222W da Rua 23 de Nova Iorque, o maior edifício da cidade, com 12 andares. Vinte e um anos depois, e já sem esse título (perdido em 1889 para a sede de The New York Times), o sofisticado prédio, com raízes na arquitetura gótica vitoriana do século XIX, reabria como um hotel que se tornaria uma extraordinária incubadora de artistas.

Calçado e bem-comportado, ao contrário do seu famoso personagem Tom Sawyer, o escritor Mark Twain foi o primeiro notável a tocar à campainha da receção do Chelsea Hotel. Nas décadas seguintes, um pelotão de famosos pisou o tapete da entrada do prédio de tijolo vermelho nova-iorquino, reinventando este lugar como um paraíso boémio, criativo e livre. As paredes do Chelsea Hotel, transformadas em autênticas galerias de arte pelos moradores – que incluíram Yves Klein, Christo, Niki de Saint Phalle, Jasper Johns ou Julian Schnabel –, foram igualmente cenários de feitos literários: a maratona de escrita de William S.Burroughs, em Naked Lunch / Alucinações de um Drogado – Refeição Nua (1959); a epifania futurista (e certeira, por sinal) de 2001: Odisseia no Espaço (1968), de Arthur C.Clark; a ode de Arthur Miller dedicada ao quarto 614, onde se refugiou durante seis anos, após o divórcio com Marilyn Monroe, quando se apercebeu de que um hotel “sem aspiradores, regras ou vergonha (…) não pertence à América”, tal era o grau de liberdade aí vivido. Patti Smith também escreveu, mais tarde, sobre o lugar onde foi feliz: o livro de memórias Just Kids / Apenas Miúdos (2010), distinguido com o National Book Award, recorda a atmosfera eletrizante do Chelsea e a paixão cúmplice aí vivida com o fotógrafo Robert Mapplethorpe.