Antes de rumar à vila madeirense da Ponta do Sol, dentro de duas semanas, Chase Warrington, 35 anos, faz da praia de Malvarrosa, em Valência, o seu local de trabalho. Por estes dias, no calçadão ou no extenso areal, o norte-americano aproveita o tempo soalheiro para montar ali o seu escritório ambulante. Mochila com o computador portátil ao ombro, cadeira e mesa dobráveis debaixo do braço e, num ápice, está instalado para mais uma jornada.
Ele trabalha na Doist, uma empresa que vende software de produtividade e comunicação. Os 100 funcionários, de 35 nacionalidades, incluindo vários portugueses, executam todas as tarefas remotamente, a partir de qualquer ponto do planeta e no horário que melhor lhes convier. Só nos últimos cinco anos, Chase viveu e trabalhou nos Estados Unidos da América, Equador, Peru, Chile, Costa Rica, Belize, México, Canadá, França, Irlanda, Portugal, Alemanha, Itália, Grécia, Holanda e Suíça, até se fixar na referida cidade mediterrânea de Espanha.

Em meados de fevereiro, este cidadão do mundo aterrará na Madeira, como um dos mais de três mil nómadas digitais inscritos num projeto do Governo Regional que visa atrair para a ilha uma comunidade que, antes de a pandemia “normalizar” o teletrabalho, já trabalhava a partir de casa – ou de outro sítio com internet. A Digital Nomad Village, assim se designa a iniciativa, arrancou esta semana com o propósito de atenuar os efeitos da falta de turistas e dinamizar a economia local. O número de registados é dez vezes superior às expectativas da organização. Além do interesse que o projeto suscita, a Madeira é vista como “um escape aos confinamentos mais fortes no continente europeu”, salienta Chase Warrington, que espera desfrutar “da magnífica beleza natural e de um grande clima”, durante um período de duas semanas a um mês.
Anna Downey, neozelandesa na casa dos 30 anos, fundadora de uma empresa de marketing digital em Londres, a Buzzbar, já está na Ponta do Sol. Chegou nos últimos dias de 2020, porque “um amigo descobriu bilhetes baratos para uma zona de calor”, e diz não querer partir tão depressa de um lugar “absolutamente deslumbrante”. Sem perder tempo, abriu uma sucursal virtual na vila madeirense e está a recrutar. “O que estamos a começar a ver é só a ponta do icebergue”, diz, sobre o emergir deste novo paradigma na região. “Por causa da pandemia, pessoas de todo o mundo estão a voltar às aldeias, por assim dizer, com os portáteis na mão. Definitivamente, são tempos interessantes para o futuro do trabalho.”
A atração da ilha
Dos 20 aos 70 anos, seja a primeira experiência do género ou mais uma etapa num modo de vida enraizado, são esperados profissionais de todo o mundo nos próximos cinco meses. Para esta primeira fase, estão inscritos muitos europeus, mas também não faltam canadianos, mexicanos ou indianos. “Com 300 pessoas ficaríamos bastante satisfeitos, mas, perante esta procura, já estamos a incluir alojamentos de toda a ilha e não só da Ponta do Sol”, adianta Carlos Lopes, diretor-geral da Startup Madeira, que coordena a iniciativa. Além de sugerir onde ficar, a organização disponibiliza, sem custos, uma rede de comunicações para a comunidade, uma equipa de acolhimento e um espaço de trabalho, com acesso à internet. A capacidade para 30 pessoas fica aquém das necessidades, mas a ideia dos promotores passa por “semear o conceito” e não por lucrar com ele, abrindo portas à iniciativa privada. Por outro lado, trabalhar ao ar livre, com vista para o oceano ou para a montanha, é considerado um atrativo em si mesmo.
O lisboeta Gonçalo Hall, 33 anos, também ele um nómada digital, idealizou o projeto. O consultor de trabalho remoto vai permanecer na Ponta do Sol até ao final de junho, como gestor da comunidade, de modo “a tornar esta vila nómada num grande case study”. E depois seguirá viagem, para Bali, Cabo Verde ou Croácia. “Acho o turismo superficial e aborrecido. Agora, vivo em quatro a seis países por ano e consigo conhecê-los mais a fundo”, destaca, sobre o estilo de vida que adotou em 2018.
A vila da Ponta do Sol atrai mais de três mil nómadas digitais. Projeto para dinamizar a economia local estende-se a toda a ilha
Foi nesse ano que o romeno Gabriel Marusca vendeu tudo e passou a percorrer o mundo. Trabalhava em casa e nada o impedia de continuar a desenvolver a sua agência de construção de sites profissionais a partir de qualquer outro lugar. Está na Madeira desde setembro e, por culpa da pandemia, ainda não definiu o próximo destino, apesar de já ter ultrapassado o tempo médio de permanência num país. “Adoro viver a explorar novas culturas e lugares”, justifica, ele que, aos 36 anos, tem por hábito só trabalhar à tarde, deixando as manhãs livres para o lazer. Agora que integra a nova comunidade nómada da Ponta do Sol, tem um motivo extra para prolongar a estada: “Quero retribuir a esta ilha o muito que me deu em tão pouco tempo.”
Já o holandês Dries Bos, 38 anos, acabou de chegar, proveniente de Lisboa. Nada seduziu mais este antigo empregado de balcão, hoje programador front-end, do que a “megacidade de Hong Kong, onde num dia se pode trabalhar, comer noodles a preços comportáveis num restaurante com estrela Michelin, subir uma montanha e acabar a beber um copo no topo de um arranha-céus”. Em poucos dias, porém, a Madeira já lhe trocou as voltas: “Contava ficar durante um mês, mas depressa decidi que vão ser dois ou três. A vida é relaxante aqui.”
