O que são os portugueses hoje, segundo Eduardo Lourenço
Tiago Miranda
O que são os portugueses hoje, segundo Eduardo Lourenço
Para a edição especial do 25º aniversário da VISÃO, em março de 2018, conversámos com Eduardo Lourenço, que descreveu os portugueses como
europeus, americanos,
pequeninos e eternos
marinheiros. Aqui uma seleção dos seus pensamentos
Conversámos com Eduardo Lourenço no seu gabinete da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O maior ensaísta do século XX português, que completará 95 anos no próximo mês de maio, mantém uma janela aberta sobre o mundo, permanecendo a par das grandes questões do nosso tempo. Apesar de, intelectualmente, se assumir como herdeiro da Geração de 70, Lourenço não se escusa a comentar os dias de hoje, artes, política, futebóis. Continua também a aceitar convites para ir falar a todo o lado, a acompanhar as notícias do dia, a escrever à mão em bocadinhos de papel. Sossegará, conforme nos conta, quando encontrar um sítio para deixar os seus livros. Leitor e colunista da VISÃO desde a primeira hora, ajuda-nos nesta edição especial a pensar o que são os portugueses hoje. Entrevista-ensaio à volta de perguntas.
Somos europeus?
O autor de O Fascismo Nunca Existiu, de Nós e a Europa e de tantos outros livros que ajudaram o País a pensar a sua identidade mantém o sentido de humor, a fina ironia de quem, no fundo, se vê como herdeiro da Geração de 70. Nasceu em 1923, em São Pedro de Rio Seco, uma “aldeia-fantasma” do concelho de Almeida, na Beira Alta. “Sou da fronteira, mas quando se tem 14 ou 15 anos não se tem ideia nenhuma do que é ultrapassar os Pirenéus.” Eduardo Lourenço casou com uma francesa, viveu estrangeirado em Vence, na Provença, ao ponto de também se considerar francês: “Sou francês, uma parte de mim é francesa.”
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Na Universidade de Coimbra, Eduardo Lourenço escreveu um texto que, ainda hoje, gosta de citar, Europa ou o Diálogo que nos Falta. “Onde é que eu fui buscar isto? A lado nenhum, estava no ar, estava escrito.” Continua a falar desse “diálogo” quando quer falar do lugar que em sorte nos calhou, a Península Ibérica, “a cauda da Europa”.
Somos americanos?
Sobre a internet, essa enorme máquina amplificadora, Eduardo Lourenço diz-se incapaz de falar: “Sou de outra época. Nunca entrarei nessa terra da promissão.” Acrescenta, contudo, que não pode ignorar “um instrumento que todos os jovens têm nas mãos, de manhã à noite”. E que continuamos implicados num sistema que, de um lado, tem a mítica Europa e, do outro lado, tem a América, os filhos do exílio da antiga pátria.
Somos pequeninos?
Para demonstrar o que quer dizer, Eduardo Lourenço vai buscar exemplos às artes, ao desporto, à História. Portugal e os seus feitos heroicos têm hoje, no seu entender, outra visibilidade. Cita Os Lusíadas, poema épico de um país pequeno, “que da Ocidental praia Lusitana”. E também o Le Monde do dia seguinte à vitória de seleção portuguesa no europeu de futebol, em 2016: “Ce petit pays”, escrevia-se no diário francês, esse pequeno país que, no fundo, “tinha roubado à França a vitória que era dela”, diz Lourenço.
Volta à baila, o futebol. E o modo como este também é a manifestação da religiosidade que, segundo Eduardo Lourenço, é inata à natureza humana. “Aqui, o ato mais religioso é o futebol: um delírio e, ao mesmo tempo, uma loucura. Tudo aquilo são lutas, expressões violentas neste País que passa por ser um país suave.”
Somos eternos marinheiros?
Eduardo Lourenço socorre-se da palavra “veleidade” para falar do contraste entre a “pequenez” do País e aquilo que o seu povo pretende alcançar. E também faz uso do romance A Jangada de Pedra, no qual José Saramago efabulou sobre a Península Ibérica transformada em jangada a flutuar no meio do Atlântico.
No seu entender, os Descobrimentos explicam-se também pelo confronto entre os dois países da Península Ibérica, “um vizinho cinco vezes mais importante que nós”. E, para si, os portugueses continuam a regressar desses mares para onde partiram há cinco séculos.
As suas palavras mantêm o lirismo que sempre esteve presente na sua escrita. Fala, por exemplo, da “desolação” que os portugueses sentem pelo facto de nada de Portugal se ver a partir do Espaço. “Se ao menos fosse possível distinguir o Rio de Janeiro, esse nosso filho adorado.”, comenta. Na órbita da Terra, porém, ninguém dá por nós. “E o que mais queríamos era sermos vistos do alto dos céus. É essa a nossa vida, é essa a nossa loucura.”