Se em 2019 o excesso de mortes no nosso País concentrava-se entre dezembro e fevereiro, em 2020 o cenário é bastante diferente. Analisando o gráfico da Direção-Geral de Saúde é possível observar uma linha base, determinada pelos especialistas, que representa o número de mortes esperadas em 2020, tendo em conta a média dos anos anteriores. Além destes valores, são ainda calculados dois desvios padrão, que determinam o ponto a partir do qual a mortalidade é considerada excessiva. Desde o início do ano, registaram-se então três picos de excesso de mortalidade, em janeiro, entre março e abril e em julho.
Fonte: DGS/Sitema de Informação dos Certificados de Óbito – Vigilância de Mortalidade
Em abril, um mês após a primeira morte por Covid em Portugal, pode-se observar mais 1255 óbitos do que o esperado, com base na mortalidade média definida pela linha base e pelos devios padrão. Já entre 3 de maio e 13 de junho, nas seis primeiras semanas do desconfinamento, a mortalidade encontra-se 8% acima do esperado.
No entanto, dois estudos da Escola Nacional de Saúde Pública vieram revelar que apenas parte destes excessos correspondem a mortes diretamente causadas pela Covid-19. Se, entre março e abril, apenas 49% do excesso correspondia a mortes diretamente causadas pelo novo coronavírus, enquanto os restantes 51% eram atribuídos a outras patologias, em maio e julho, a percentagem de óbitos causada por outras causas naturais que não a Covid era de 59%.
Analizando animação precedente, torna-se ainda evidente que o nosso país tem sido, em 2020, dos países europeus que tem mantido, por mais tempo, excesso de mortalidade.
Redução das consultas presenciais
Os especialistas debruçam-se sobre diversas hipóteses para o fenómeno observado. A mais evidente parece ser, num primeiro momento, a redução das consultas presenciais não urgentes aliada ao medo de alguns doentes crónicos em procurar as urgências. O gráfico que se segue mostra como, em abril, as consultas presenciais cairam para menos de metade.
Já o segundo pico pode ser explicado por uma vaga de calor. No entanto, os autores do estudo mostram-se preocupados com o futuro e a capacidade de resposta das estruturas de saúde pública.
Aumento da mortalidade nos próximos anos
“Podemos começar a ter aumentos ligeiros na mortalidade, que podem significar alteração no acompanhamento e cuidado das pessoas, nomeadamente pessoas vítimas da suspensão dos rastreios oncológicos”, explica Vasco Ricoca Peixoto, um dos autores dos estudos. “É expectável que a mortalidade destes doentes seja maior, relativamente a uma realidade onde os rastreios oncológicos não tivessem sido suspensos. Mas ainda não conseguimos ter noção da verdadeira dimensão do problema”, acrescenta.
Segundo a presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, Ana Raimundo, o número de primeiras consultas desceu brutalmente, nos últimos meses, apesar da incidência do cancro ter-se mantido a mesma. “Não está é a ser feito o diagnóstico”, comenta.
Ana Raimundo revela ainda que o problema não só os três meses sem rastreios, “é a falta de pessoas para diagnosticar doentes sintomáticos que continuam sem conseguir marcar consultas ou exames complementares de diagnóstico em tempo útil”. E afirma, “ou as coisas se reestruturam e começam a funcionar dentro do normal ou então não vamos recuperar nada”.