Ainda hoje Susana Santos se lembra de, na adolescência, andar às voltas com o alguidar e as tintas que a mãe lhe comprava para tingir os tops e até as carteiras. Dava nós na peça, que depois prendia com fio. Mergulhado o tecido na tinta, Susana nunca sabia no que ia resultar, mas de uma coisa tinha a certeza: não fazia duas peças iguais. Hoje, com 34 anos, a fundadora da Le Mot, marca portuguesa de roupa nascida há três anos, voltou a apostar no padrão tie-dye na sua mais recente coleção de t-shirts, conhecidas pelas expressões divertidas em francês.
Dentre os seis novos modelos, dois são de manga cava e padrão tie-dye cor-de-rosa e azul, tingido de forma artesanal. As memórias de duas viagens à Califórnia, nos EUA, inspiraram-na para a nova coleção. “Este padrão transmite-me a ideia de verão, de praia, de liberdade. Desperta em mim um lado divertido e alegre que passa boa disposição. Até agora, só tinha feito peças lisas ou com estampado de riscas. Se era para arriscar e para experimentar, tinha de ser com um padrão diferente”, explica Susana Santos. Apesar de as t-shirts serem feitas em fábrica, depois de mandar produzir toda a malha (100% algodão), o processo de tingimento é completamente artesanal. Mais uma vez, Susana sabe que dali não saem duas peças iguais.
Apesar de esta ancestral técnica manual de tingimento se ter popularizado nos anos 70 do século XX, muito associada ao movimento hippie nos EUA, a verdade é que a sua história recua vários milhares de anos até à China, ao Japão e à Índia. Tecidos como seda, cânhamo e algodão eram tingidos com corantes naturais retirados do anil, de amoras, de malmequeres, de sálvia ou de cebola.
Alguns dos primeiros exemplos foram também encontrados no Peru, mas o tie-dye parece ter uma origem independente em diversos lugares do mundo, segundo Lee Talbot, curador do Museu Têxtil da Universidade George Washington. No livro Tie-Dye: Dye It, Wear It, Share It, a autora, Shabd Simon-Alexander, explica que, com a disseminação do comércio, “peças [chinesas] do século V ao VI d.C. foram encontradas em rotas comerciais até ao Egito e ao Turquestão”.
Enquanto a técnica japonesa (shibori) cria formas semelhantes a teias de aranha, padrões geométricos e formas figurativas, na indiana (bandhani) o padrão nasce a partir de pequenos círculos comprimidos. Nos EUA, logo no início do século XX, o tie-dye era usado pelas mulheres que assim imitavam os estilos dos tecidos franceses, dando vida nova a peças de roupa velhas.
Símbolo de protesto político
Um pouco por todo o mundo, durante o confinamento, foram muitas as modelos, atrizes, cantoras e influencers que publicaram fotografias a usarem peças tie-dye, de Victoria Beckham a Kendall Jenner, de Gigi Hadid a Lady Gaga, de Camila Cabello a Alessandra Ambrosio. O serviço de compras Like To Know It registou um aumento de 4 000%, mês após mês, nas pesquisas de camisas tie-dye, à medida que os consumidores procuravam online informações para imitar essa tendência em casa.
Nas coleções de moda desta primavera/verão multiplicam-se as marcas que escolheram o tie-dye para diferenciar a oferta. Como a Bershka e as suas peças de street style com toque desportivo; a Eastpak, na nova coleção de mochilas em parceria com a pugilista Nicola Adams; ou a brasileira Cia. Marítima, com tons vibrantes e psicadélicos em biquínis, fatos de banho, vestidos e saias. Ou, em versão mais cara e exclusiva, a Louis Vuitton que, na coleção LV Escale, usa uma gradação de azul-escuro (a tradicional cor da técnica shibori) e uma combinação entre rosa e vermelho em peças como o bomber jacket, fatos de banho, mules rasas e sandálias, relógios, chapéus e lenços.
Seguindo a atitude da contracultura norte-americana, o designer Chris Leba, fundador da R13, acredita que o desbotar da roupa tem também um significado político, razão que pode explicar o regresso da tendência. “Na era Trump, o movimento de direita é tão forte que o tie-dye pode ser entendido como um protesto pacífico e, ao mesmo tempo, rebelde contra os conservadores. De certa maneira, existem muitas semelhanças em termos de pano de fundo antes e agora. Nos anos 60, tivemos Nixon na Casa Branca, com estudantes a protestarem contra a direita conservadora. Agora temos Trump, com mulheres, imigrantes e a comunidade LGBTQ a lutarem pelos seus direitos”, disse em entrevista à Harper’s Bazaar.
Na mesma revista, Kavita Kumari, especialista em impressão e tingimento da London College of Fashion, diz: “Esta maneira de desenhar e de vestir permite uma individualidade completa, que às vezes pode faltar na moda atual. O renascimento do tie-dye deu às pessoas a oportunidade de recuperarem parte da sua identidade individual sem parecerem clones umas das outras. O consumismo mudou significativamente e, embora o mercado já esteja saturado, parece que a variação na moda ainda é bastante limitada.”
Não há duas peças iguais
Passo a passo para aprender a tingir roupa em casa
Materiais
1 t-shirt branca de algodão
Fio de cozinha ou elásticos
1 alguidar
1 garrafa
Tinta para tecido
1,5 l de água
Preparação
– Enrolar a t-shirt a partir do centro, até ficar semelhante a um cilindro
– Atar a t-shirt em vários pontos com o fio ou elásticos
– Numa garrafa, diluir a tinta para tecido em meio litro de água fria. Usar pouca tinta para tons suaves
– Verter a mistura sobre a t-shirt, principalmente nas zonas que se quer tingir
– No alguidar, pôr a t-shirt de molho em 1 litro de água fria, durante 30 minutos, para retirar o excesso
– Depois de deixar secar ao ar, está pronta a usar