Uma equipa da Universidade de Cardiff encontrou moléculas do sistema imunitário que, em laboratório, mostraram ser eficazes a eliminar diferentes tipos de cancro. A descoberta, publicada na revista Nature Immunology, criou grande entusiasmo entre a comunidade de cientistas e doentes, e teve grande impacto nos media de todo o mundo, com a promessa de uma estratégia capaz de tratar todos os cancros. Para Bruno Silva-Santos, Diretor do Laboratório de Imuno-Oncologia do Instituto de Medicina Molecular, a investigação “aumenta o interesse” neste tipo de células de defesa. Mas, sublinha, “ainda há muito trabalho pela frente até este conhecimento se tornar numa possível terapia.”
Do nosso sistema de defesa fazem parte células que se encarregam de eliminar vírus, bactérias e fungos, ou seja, organismos vivos, mas também existem estratégias para combater tumores. Uma peça-chave em todo este processo são os linfócitos T, um dos tipos de glóbulos brancos que se tem revelado cada vez mais importante em vários processos imunológicos. Na busca por formas ainda não conhecidas de eliminar o cancro, os cientistas descobriram uma molécula, que se encontra na superfície dos linfócitos T – o recetor de células T (TCR) – capaz de eliminar diferentes tipos de células cancerígenas. Mais: este TCR é muito competente a distinguir células doentes de células saudáveis, poupando, portanto, estas últimas. Os testes foram feitos para diferentes tipos de cancro, como pulmão, pele, sangue, cólon, mama, ovário, sempre com resultados positivos na diminuição da massa tumoral.
Para perceber melhor o mecanismo, os cientistas analisaram todas as proteínas do genoma humano e, usando a ferramenta de edição de genes, CRISPR-Cas9, conseguiram encontrar o alvo do TCR. No caso, uma molécula, chamada MR1, e que está presente em todas as células do nosso corpo, incluindo as doentes.
“O interessante nesta descoberta é a identificação de um TCR capaz de reconhecer, por interação com a molécula MR1, tantos tipos de células cancerígenas, sem afetar as células saudáveis. É um fenómeno raro e por isso especial”, nota Bruno Silva-Santos. O facto de este receptor não ser sensível ao complexo de histocompatibilidade – que limita a possibilidade de transplantação, por exemplo, pela indução de rejeição – abre a possibilidade de, no futuro, se estabelecer um banco destas células, feitas a partir de doações de pessoas saudáveis.
No entanto, ainda há muito a esclarecer, melhorar e compreender até que se possa pensar num tratamento eficaz em pessoas. Um dos primeiros obstáculos é a quantidade de células disponíveis com estas características. “A percentagem original de células T que expressam este TCR é ínfima – uma agulha num palheiro –, pelo que a única forma de usar o tratamento em doentes é produzindo um elevado número de células T do doente com este recetor”, detalha Bruno Silva-Santos.
Ou seja, será sempre necessário manipular em laboratório as células de defesa do doente, para depois as injetar e esperar que façam o seu trabalho. A estratégia não é muito diferente da usada na terapia, já aprovada, conhecida como Car-T Cells, que, no entanto, tem uma aplicabilidade muito mais limitada.
“Pelo demonstrado no artigo, o TCR identificado não é específico de um tipo de cancro, mas bastante versátil”, nota o investigador português. O que também acontece com outros tipos de TCRs, já descobertos. “Mas isto não quer dizer que o mesmo acontecerá no mundo real”, alerta.
Apesar de admitir algumas reservas relativas à aplicação deste conhecimento ao tratamento de pessoas, pelo menos num futuro próximo, Bruno Silva-Santos reconhece o interesse neste tipo de linfócitos, cujos TCRs reconhecem moléculas como o MR1, “com amplo domínio de reconhecimento de células tumorais”. O que vem na linha das descobertas mais recentes nesta área, com a grande expectativa criada em torno da imunoterapia, uma estratégia que se baseia na estimulação do sistema de defesa para o combate ao cancro.