“A culpa não era minha, nem por estar ali nem pelo que vestia. O violador és tu”. O trecho que se repete no final de cada estrofe mostra bem ao que vem esta canção: denunciar não só a violência sexual contra as mulheres como também contestar a vergonha das vítimas. Chama-se Um Violador no teu Caminho, teve uma primeira performance pública no Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, a 25 de novembro, e desde aquela tarde no centro da capital chilena já foi replicado em várias localidades de todo o mundo.
Escrita por Lastesis, coletivo feminista chileno, a música baseia-se na tese de que a violência sexual é um problema político – daí também não ser uma absoluta coincidência que se inspire no slogan “um amigo a caminho”, da polícia chilena, porque também aponta o dedo à falta de intervenção policial e à impunidade da justiça.
Num piscar de olhos, aquela espécie de flashmob repetiu-se um pouco por todo o mundo latino – de Bogotá, na Colômbia, à cidade do México – atravessando depois o Atlântico. Em Espanha, decorreu na Plaza del Museo Reina Sofia, em Madrid, como junto ao Arco do Triunfo, de Barcelona. Em Paris, foi um protesto em francês: repetindo “Le violeur c’est toi”, milhares de mulheres fizeram-se ouvir em frente à Torre Eiffel. No Reino Unido, houve intervenção em Londres, mas também em Bristol. Chegou ainda a Berlim, na Alemanha. As mais recentes imagens mostram que a música já chegou também a lugares mais inesperados como Nova Deli, na Índia, ou mesmo Ankara, na Turquia – embora, em Istambul, e a provar que o discurso ainda incomoda muita gente, a demonstração tenha acabado com a intervenção policial.
Sempre com vendas nos olhos, a repetir aquele refrão em uníssono, as mulheres fazem questão de se apresentar de roupa de festa, ou com aquela que usam quando saem à noite – recusando assim que a forma de alguém se vestir possa ser usada para desculpar um abuso ou uma violação. No domingo passado, foi a vez de Lisboa: um magote de mulheres encheu o Terreiro do Paço e juntou-se ao protesto.