Carlos Santos Silva foi ouvido ao longo de três dias pelo juiz Ivo Rosa. Fugiu a todas as perguntas para as quais não estava preparado com um “não sei” e tentou ir ao pormenor nas outras partes que parecem ter sido bem treinadas pela defesa (a cargo da advogada Paula Lourenço). Falou sobre os seus cofres, voltou a dizer que a casa de Paris é sua e apenas a emprestou ao amigo José Sócrates e acrescentou ao que já tinha dito no primeiro interrogatório, quando foi detido em novembro de 2014, que tinha dinheiro vivo num cofre em casa porque, no mundo da construção civil. é preciso pagar a facilitadores pelo mundo fora.
Mas no final de tantas horas de interrogatório, muitas coisas continuam a não bater certo entre o que diz e as provas que foram reunidas pela acusação (dirigida por Rosário Teixeira). O empresário amigo de José Sócrates disse, por exemplo, que José Paulo Pinto de Sousa, primo do ex-primeiro-ministro, transferiu 6,5 milhões de euros para uma conta sua na Suíça porque tinham celebrado um negócio de compra e venda de umas salinas em Benguela, em Angola. Acontece que, de acordo com as movimentações de dinheiro na Suíça detetadas pelo Ministério Público durante a fase de investigação, as transferências de José Paulo Pinto de Sousa, em nome da Gunter Finance, para uma conta na Suíça de Carlos Santos Silva, em nome da Giffard Finance, ficaram-se pelo valor de 6 milhões de euros.
Outro detalhe não menos importante é que o suposto negócio das salinas só teve início em 2009 mas Carlos Santos Silva alega ter recebido o alegado fruto desse negócio anos antes nas suas contas suíças. Ou seja, diz que recebeu por um negócio antes de este começar sequer a ser feito. Para além disto, diz a acusação, estes 6 milhões de euros já estavam arrecadados nas contas de José Paulo Pinto de Sousa em 2006 – um ano depois de José Sócrates se ter tornado primeiro-ministro – e, complementa a acusação, só terão sido transferidos para Santos Silva, porque José Sócrates terá sentido necessidade de encontrar outro testa-de-ferro, depois do nome do seu primo ter sido visado em reportagens televisivas como sendo o intermediário de dinheiro do caso Freeport.
Na verdade, José Paulo terá acumulado nestas contas 9 milhões de euros: 6 milhões chegaram em 2006 e outros 3 milhões a 30 de julho de 2007, tendo sempre como remetente do dinheiro Helder Bataglia, um dos fundadores da Escom, empresa do Grupo Espírito Santo. Só que enquanto 6 milhões foram transferidos directamente de José Paulo para Carlos Santos Silva, outros três milhões foram sendo enviados para Portugal através de outros esquemas.
O Ministério Público defende, aliás, que os fundos que seriam de José Sócrates, e fruto de atos de corrupção enquanto primeiro-ministro, terão sido ocultados de várias formas ao longo do tempo. Em 2006, estes fundos terão sido acumulados nas contas do primo José Paulo Pinto de Sousa, em nome da Gunter Finance e da Benguela Foundation. Nesse ano, o dinheiro terá chegado às mãos de Sócrates, ou depois de o seu primo ir à Suíça fazer levantamentos em numerário de elevados montantes, ou por entregas em dinheiro em Portugal via Francisco Canas (o homem que era conhecido como “Zé das Medalhas” e está no centro de um esquema de lavagem de dinheiro e de branqueamento de capitais detetado no âmbito do processo Monte Branco) depois de José Paulo Pinto de Sousa ordenar transferências para uma conta do BPN IFI em Cabo Verde, em nome precisamente de Francisco Canas. Só através dos esquemas de Zé das Medalhas, José Paulo Pinto de Sousa terá feito chegar 2 milhões de euros a Portugal, entre maio de 2006 e janeiro de 2008, que depois terá distribuído por uma série de familiares de José Sócrates, como a mãe e o irmão. Entre abril e agosto de 2008, terão sido mais 190 mil euros.
Numa segunda fase, entre finais de 2006 e 2007, Carlos Santos Silva aparecerá pela primeira vez nestes esquemas de circulação de dinheiro. A ideia, segundo o Ministério Público, seria simples: aproveitar que havia uma relação profissional entre Carlos Santos Silva e o Grupo Lena para pôr dinheiro a circular sem levantar suspeitas. Nesta fase, as transferências decorrem sobretudo entre Joaquim Barroca, administrador do grupo Lena, e Carlos Santos Silva.
Numa terceira fase, e depois de José Paulo Pinto de Sousa ter sido associado a José Sócrates no processo Freeport, o primo do então primeiro-ministro deixa definitivamente de ser um dos intermediários destes fundos. A partir de julho de 2007, e até maio de 2008, há então uma transferência direta de José Paulo Pinto de Sousa para Carlos Santos Silva, no valor de 6 milhões de euros. Esse dinheiro tinha saído da esfera do luso-angolano Helder Bataglia para uma das contas de José Paulo Pinto de Sousa a 19 de maio de 2006. O Ministério Público entende que esses milhões eram provenientes do Grupo Espírito Santo e serviram para pagar a José Sócrates por alegados favorecimentos ao grupo então liderado por Ricardo Salgado. Essa tese é só sustentada em parte pelo depoimento que Helder Bataglia, um dos arguidos do processo, prestou em Portugal: que fez ao longo dos anos várias transferências para Carlos Santos Silva, alegadamente a pedido do então presidente do BES. Carlos Santos Silva voltou a dizer esta semana que nunca conheceu Ricardo Salgado.
Segundo o Ministério Público, José Sócrates e Carlos Santos Silva terão combinado ocultar, entre 2006 e 2015, mais de 34 milhões de euros, que terão tido origem no empreendimento Vale do Lobo, no Grupo Lena e no Grupo Espírito Santo. O empresário que é amigo de José Sócrates há décadas terá arrecadado na Suíça mais de 23 de milhões de euros que depois repatriou para Portugal. Ao juiz Ivo Rosa justificou este acervo financeiro com o negócio das salinas e com trabalhos para o grupo Lena. Os segundos terão rendido, disse, mais de 15 milhões de euros entre 2001 e 2014. O que, a ser verdade, representaria mais de 1 milhão de euros por ano.