Parece que estamos no fundo do mar, com oito toneladas de areia aos nossos pés e fotografias incríveis de grande escala retroiluminadas à nossa frente. São imagens que impressionam, emocionam e fazem-nos pensar na vida selvagem e nos ecossistemas em risco. É exatamente esse o objetivo do príncipe Hussain Aga Khan, filho do imam ismaelita Aga Khan, que é fotógrafo de Natureza, fundador da ONG Focused on Nature e um apaixonado pelos temas do ambiente e da sustentabilidade. Estivemos com ele na inauguração do seu ensaio fotográfico O Mar Vivo, em exposição no Museu Nacional de História Natural e de Ciência da Universidade de Lisboa até 29 de dezembro.
Qual é a sua memória subaquática mais especial?
É muito difícil escolher a mais especial… Já vivi momentos incríveis debaixo de água. Tive uma experiência extraordinária com uma baleia louca à qual chamei Crazy George. Já vi baleias e as suas crias, uma tartaruga já ficou comigo durante 45 minutos…
Quando começou a mergulhar e a fotografar?
Comecei quando tinha 14 anos. Acho que foi nas Ilhas Virgens que os meus pais me puseram num barco com um tipo louco – a primeira coisa que me disse foi que eu estava no Vietname! [Risos.] Levou-me para o fundo do mar e, com a pressurização, eu comecei a sentir dores. Quando temos essas dores, devemos subir lentamente à superfície, mas ele puxou-me para baixo pela perna e, ao final do dia, estava a sangrar do nariz. Foi uma loucura. No segundo mergulho, tivemos de caminhar imenso pela areia até chegarmos à maré baixa e eu tenho uma perna e um braço “avariados”, foi muito mau… Mas fiquei apaixonado pelo mar: mergulho durante horas e horas, todos os verões, desde os meus 5 ou 6 anos, simplesmente adoro.
Quantas horas passa debaixo de água todos os anos?
Não sei… Alguns mergulhos implicam quatro horas por dia debaixo de água, mas a maior parte é de 45 minutos. Se fizermos um mergulho por dia é um pouco cansativo; dois mergulhos são fatigantes e três deixam-nos exaustos. Com quatro mergulhos num dia vamos para a cama às seis da tarde e acordamos às oito da manhã. Com os golfinhos e as baleias, os mergulhos são à superfície e é possível nadar duas ou três horas seguidas, se tivermos força suficiente – e vale bem a pena. Se os animais forem interessantes e a visibilidade for boa, nem damos pelo tempo passar, mas se não virmos grande coisa e a experiência for má, então, contamos cada minuto.

Golfinho-rotador, Egito, 2018 – “Era um grupo brincalhão e muito acrobático – aquabático! – de dezenas de golfinhos-rotadores. Cada hora que passamos na água com golfinhos – qualquer espécie – parece milagrosa, um sonho perfeito ou uma fantasia”
Qual é o objetivo desta exposição fotográfica?
Espero que tenha valor educacional e que possa ajudar a mudar alguma coisa. É preciso alterar o comportamento das pessoas e melhorar a sustentabilidade ambiental nos próximos anos.
Por que razão é tão urgente para si mostrar estas imagens da vida marinha?
Porque tudo está a morrer. Está tudo a morrer em todo o mundo. O clima está a mudar, os corais estão a morrer, os tubarões estão a desaparecer aos milhões todos os anos, 90% dos grandes peixes já não existem e, do resto dos peixes que pescamos, creio que também 90% estão em situação de sobrepesca. Entre a poluição, as alterações climáticas, a pesca e o resto… é uma desgraça. E não são só os oceanos que estão em risco, são também as florestas, a Amazónia, a biodiversidade… Os tigres já desapareceram quase todos, os ursos-polares também já praticamente não existem, as chitas, os rinocerontes estão em risco… Estima-se que 36 mil elefantes desapareçam todos os anos, um elefante é morto a cada 15 minutos… E eu estou a tentar mostrar às pessoas o que existe e fazê-las apaixonarem-se. Claro que não sou a única pessoa a fazê-lo, há milhares de fotógrafos de conservação, mas eu estou a tentar desempenhar o meu papel, contribuindo para que as pessoas se importem, amem e queiram proteger a vida no planeta. E tentar alterar alguns comportamentos terríveis. Neste momento, as crianças precisam de saber o que se passa à sua volta, os jovens não podem crescer sem saber o que se passa no mundo, nos seus países e o que está a acontecer ao ambiente. Estamos num momento de viragem, em que a crise está a morder-nos os calcanhares. Já ouvimos a expressão “momento de viragem” tantas vezes que não tenho a certeza como podemos dar-lhe o devido valor.
O mundo está finalmente consciente da urgência de agir para evitar uma catástrofe climática?
Creio que estamos conscientes, mas isso não significa que vamos agir. Eu sei que o chocolate engorda e continuo a comê-lo. Creio que todos sabemos que devíamos voar menos, devíamos conduzir menos, sabemos que não devemos deitar o plástico fora… Sabemos isso tudo. Eu voo para a Indonésia, para Tonga e para muitos outros lugares para fazer as minhas fotografias. Todas as vezes em que entro num avião, pergunto-me se valerá realmente a pena. Podemos saber como são as coisas e, mesmo assim, não mudar de comportamento. Saber não é suficiente, é preciso agir.

Uma progenitora e uma cria de baleia-de-bossa, Tonga, 2015 – “A água estava muito clara nesse dia e a visibilidade era ótima. Os raios de sol a brilharem nas águas profundas são lindos. Tão bonitos que, por vezes, os fotografo só a eles e ao ponto negro abaixo de mim. Normalmente as crias são mais claras do que as mães, o que faz com que esta cria se destaque na imagem”
O que mudou no seu quotidiano para ser mais sustentável?
Tento viajar menos, tenho um automóvel elétrico, mas é muito baixo, por isso é difícil entrar lá dentro… [Risos.] Tenho um Tesla, mas não posso fazer a viagem Paris-Genebra com ele porque não tem autonomia suficiente para fazer 500 quilómetros, o que é uma pena porque faço essa viagem muitas vezes. Eu e a minha mulher não usamos plástico em casa, mas assim que saímos de casa, há água em garrafas de plástico, vamos a uma loja e dão-nos sacos de plástico, agora menos porque temos de os pagar, mas eles continuam lá. Sempre que compro chocolates, as caixas vêm enroladas em plástico… Está em todo o lado. Nós podemos tomar as nossas próprias decisões, mas nada vai mudar a não ser que todas as empresas decidam não o utilizar.
O que está a dizer é que alterarmos o nosso comportamento não é suficiente. São necessárias decisões políticas.
Sim, creio que temos de agir tendo em conta o conhecimento existente. Obviamente, há chefes de Estado que negam as alterações climáticas e que estão a tentar aumentar a produção de carvão; que dizem às pessoas que nada disto é real e que estão a fazer regredir medidas que poderiam ajudar a salvar o ambiente… Há decisões individuais que as pessoas podem tomar, mas algumas mudanças também têm de ser impostas de cima.
Como reage perante aqueles que continuam a negar as alterações climáticas?
Às vezes, não sei se são estúpidos ou se são apenas teimosos. Eu sei que não devia dizer isto, mas, honestamente, quando 97% dos cientistas dizem alguma coisa e nós não acreditamos, temos de ser muito estúpidos ou então muito teimosos, ou simplesmente não nos interessarmos pelo ambiente e pela Humanidade. O economista Jeffrey Sachs disse, recentemente, que os chefes de Estado que negam as alterações climáticas têm um comportamento genocida – são terroristas ambientais ou assassinos porque se não implementarem mudanças hoje, muitas pessoas vão morrer em cinco, dez ou 15 anos.
Alinha com os que falam em ecocídio, um crime contra a Humanidade?
Sim, sem dúvida. É urgente agir e agir depressa. E o comportamento de alguns políticos tem sido terrível.
De que forma está a Fundação Aga Khan a lutar contra as alterações climáticas?
Eu trabalhei na área ambiental durante dez anos num fundo que tinha o nome do meu tio-avô e fizemos muita reflorestação na África Oriental. Também limpámos vários parques naturais, ajudámos o nosso fundo para a cultura a fazer sensibilização ambiental nos parques… Mas, no geral, nos últimos 20 ou 30 anos não fizemos o suficiente. Agora, o meu irmão criou um comité sobre ambiente e alterações climáticas e vamos plantar muito mais, vamos deixar de usar plástico nos nossos escritórios e tentar diminuir o seu consumo ao longo de todo o sistema, nos escritórios locais e de campo. Creio que com ele na liderança, e com a ajuda da sua mulher, e também com o meu empenho, faremos a diferença. Não temos feito o suficiente nos últimos 40 anos.
Este será um dos projetos da sua vida?
Sem dúvida. Será uma das coisas mais importantes que consigo imaginar.
O foco estará na reflorestação?
Sabemos que plantar árvores é uma das melhores coisas que podemos fazer para combater o aquecimento global, suprimindo o excesso de dióxido de carbono. Há cálculos que mostram que se plantássemos um trilião de árvores, conseguiríamos absorver quase todo o carbono existente na atmosfera. Reflorestar é uma das formas mais fáceis de ajudar o planeta… Não sei se irá reverter a crise climática, porque o clima continuará a aquecer nos próximos 20 anos, mesmo que deixemos de emitir carbono hoje, dizem os estudos, mas plantar árvores em todo o lado pode fazer uma grande diferença.
Como vê o trabalho de Greta Thunberg?
Acho que ela é fantástica e que irá fazer a diferença. O facto de ela conseguir galvanizar milhões de pessoas é extraordinário. Temos de implementar as mudanças juntamente com os chefes de Estado e com as Nações Unidas, e as pessoas têm de concordar com essas mudanças. Em alguns casos, políticos tentaram fazer as coisas certas e isso voltou-se contra eles. Macron tentou impor o imposto sobre os combustíveis e veja-se o que lhe aconteceu… Mas, supostamente, as pessoas sabem que estamos num momento de crise, e temos toda a Ciência de que precisamos a confirmá-lo – já a temos há 30 anos, mas não mudámos grande coisa…
A pressão das gerações mais jovens será importante?
Deverá ajudar, acredito que sim. A educação ambiental tem de envolver as crianças, sempre achei que a nossa geração chegou um pouco atrasada ou foi demasiado teimosa, andamos há demasiado tempo neste caminho para ainda não termos feito a diferença. As crianças de hoje têm de saber o que se está a passar e galvanizar os outros.
É justo colocar esse peso nos ombros das crianças?
Não creio que estejamos a pôr essa responsabilidade sobre os seus ombros. Uma das minhas citações preferidas diz: “A maior ameaça ao nosso planeta é acreditarmos que serão outras pessoas a salvar-nos.” Porém, acredito que os jovens de hoje serão capazes de fazer uma maior diferença do que aquela que nós fizemos. Eles poderão ser mais determinados e mais informados. E quanto mais educados, menos teimosos serão.
Será possível salvar o planeta sem alterar a forma como a economia funciona?
Creio que não. Acha que é possível? Não sou especialista em economia nem em política, sou apenas um fotógrafo de Natureza. Mais do que qualquer outra coisa, preocupo–me que possa ser demasiado tarde, preocupo-me mesmo. Temo que possa ser demasiado tarde para o clima, temo que possa ser demasiado tarde para salvarmos alguns pedaços de terra, protegermos as florestas, melhorarmos as políticas, educarmos as pessoas, diminuirmos as emissões de carbono… Não sei se a situação conseguiria ser invertida se os políticos e os cidadãos, e até as empresas, começassem a tomar as opções certas.

Leão-marinho-da-Califórnia, México, 2014 – “Adoro esta imagem, é uma das minhas preferidas por causa da expressão deste leão-marinho tão engraçado. Faz-me sempre lembrar o meu cão! [Risos.]”
Mais do que um príncipe, é filho de Sua Alteza Aga Khan, um líder espiritual venerado por milhões de pessoas em todo o mundo. De que forma é que isso o influenciou quando era criança e, claro, enquanto adulto? É uma grande responsabilidade?
Sempre estive na ribalta e sempre senti, todos sentimos, muita pressão por isso. Mas tem sido um caminho muito enriquecedor, somos muito privilegiados. Gostaria de fazer a diferença o máximo possível. Em alguns casos, como nas questões ambientais e na fotografia, tenho-o feito fora da Fundação. A minha fotografia sempre foi feita à parte, mas hoje percebemos que pode ser uma boa ferramenta educacional. Tento não impor a minha fotografia a ninguém, mas, com o meu irmão envolvido no programa ambiental, podemos usar a minha fotografia em alguns trabalhos que façamos para ajudar a fazer a diferença. Sobre a vertente religiosa… não quero nem posso falar sobre isso.
Com que frequência visita Lisboa?
Não com tanta frequência como gostaria. Já cá estive por razões de trabalho, umas sete ou oito vezes, visitei o Centro Ismaili e os projetos sociais que desenvolvemos aqui – que são muitos –, mas gostaria de vir com mais frequência. Adoro Lisboa e adoro Portugal, mas ainda não conheço o suficiente, nunca estive no Porto, só estive em Cascais e em Lisboa.
A comunidade ismaelita é muito grande, são 15 milhões de pessoas, e Portugal alberga uma das comunidades mais pequenas. Mesmo assim, decidiram estabelecer aqui a vossa sede. O que podemos nós dar ao mundo?
Não sou um especialista, mas creio que Portugal é muito progressista, tem uma legislação avançada, uma grande diversidade e uma mentalidade muito aberta. Temos muita sorte por termos tido boas relações com os governos e com os portugueses.
O que pode contar-nos sobre os projetos da Fundação Aga Khan em Portugal? Quando será aqui implantada uma Academia Khan?
Creio que a academia lisboeta será uma das próximas duas que vamos fazer. Mas esta não é a minha área: o meu foco nos últimos 15 anos foi o ambiente, o trust da cultura e também a resposta de emergência a desastres e catástrofes, no Afeganistão, no Paquistão, na Índia. Sigo os outros programas e projetos, mas não os acompanho a par e passo.
O plástico é uma das maiores ameaças aos oceanos. O que podemos fazer para evitar que tenhamos mais plástico do que peixes no mar em 2050?
Aparentemente, a indústria do plástico vai expandir-se 40% na próxima década. Todos devemos esforçar-nos para não utilizarmos plástico. Não creio que sejam os indivíduos urbanos que estejam a causar o problema, mas seguramente que todos podemos mudar. Ouvi essa estimativa para 2050 há cinco anos e creio que é uma tragédia. Algumas das mudanças têm mesmo de vir de cima, como disse antes.

Bailarina-espanhola, Filipinas, 2017 – “Cada posição que a bailarina-espanhola adquire enquanto ondula na água é completamente diferente. Flui na água como um véu ao vento”
Divulgacao
E confronta-se com o plástico nas suas expedições. Tem visto os locais onde mergulha mudarem ao longo do tempo?
Vi os corais a desaparecerem em muitos locais e os que não estão mortos reduziram-se muito em quantidade e perderam saúde. Vejo algas nos corais em locais onde não existiam antes. Em alguns casos, vejo muitos anzóis e fios de pesca nas bocas dos tubarões. O plástico está cada vez mais presente onde quer que vá. No Egito, nas Filipinas, na Indonésia, nas Maldivas, nas Bahamas… Está em todo o lado e as coisas pioraram muito nos últimos anos.
O que gostaria de fotografar a seguir?
Muita coisa… Gostaria, por exemplo, de tentar fotografar cachalotes nos Açores e raias mobula, que são um dos animais mais incríveis que já vi.
E edita muito as suas imagens?
Tento editar ao mínimo as minhas fotografias. Detesto isso. Quero mostrar a realidade tal como ela é, e editar imagens em demasia como vejo muita gente fazer é transformar a realidade numa farsa.

Tubarão-martelo-recortado, Costa Rica, 2017 – “São notoriamente nervosos e ficam longe dos mergulhadores. Para conseguir boas fotos é preciso suster a respiração. Todos nós, nesses mergulhos, tentávamos ao máximo não expirar na hora errada, causando uma erupção de bolhas que os assustaria”