Era a força criativa das marcas que dirigia, um poliglota com memória fotográfica, que sabia história, filosofia e arte, e que, à exceção da leitura, odiava o lazer. Karl Otto Lagerfeld, que desapareceu agora aos 85 anos, foi o rosto dos dois mundos da moda: o dos ateliers e do luxo na primeira metade do século XX e também do pronto-a-vestir que imperou nos últimos 30 anos. Era ainda conhecido por manter a mesma imagem (cabelo branco, óculos escuros e roupa preta) e também por ter um ego do tamanho do mundo – “Nunca viajarei em turística”, apregoava, fazendo-se deslocar sempre no seu avião privado.
Não se poupava a trabalhos e isso foi o que lhe valeu o epíteto de kaiser da moda. Nascido na Alemanha no ano em que Hitler chegou ao poder, confidenciou numa rara entrevista à Paris-Match, que não gostou nada de ser criança e não tinha amigos. Filho de um homem de negócios, mudou-se para Paris aos 14 anos, e ficou fascinado com a moda quando, em 1949 acompanhou a mãe a um desfile da Dior.
Sueca de nascença, ela seria a grande influência na sua vida, como reconheceria numa outra entrevista, ao revelar que foi ela a primeira a descansá-lo relativamente à sua homossexualidade: “Quando lhe perguntei o que ela pensava disso, disse-me: é como uma cor de cabelo, não é um problema.”
E saber isto ajuda a compreender a descrição que faz de Jacques Bascher, o amor da sua vida, um dandy que seduziu mulheres e homens nos anos 1970 e 1980, e depois viveu com o estilista até à sua morte, em 1989. “Foi a pessoa que mais me divertiu. Conhecemo-nos em 1971, através da irmã de um dos meus amigos. Eu admirava a sua causalidade e a ausência de qualquer ambição em fazer carreira. Nunca aprendeu nada. Dizia-me: ‘vou morrer jovem’”. Acabou por morrer com sida.
Contratado em 1955 como assistente de Pierre Balmain, considerado o rei da moda francesa no período da II Guerra, Lagerfeld, que nunca estudou moda nem design, passaria por vários outros projetos até que se mudou para a Chanel em 1980. Um convite que tantos lhe disseram para recusar, sublinhando que era uma marca ultrapassada. Claro que, como Lagerfeld não resistia a uma provocação, aquilo tornou-se um desafio: seguia trabalhando 16 horas por dia e era feliz.
Esse foi o ponto alto da sua carreira, e nunca olhou para trás – não se fechando no mundo dourado da alta costura: em 2004, tornou-se mesmo o primeiro designer do mundo a colaborar com a H&M, num esforço sem precedentes para chegar a um público mais abrangente.
Mas, além do seu talento para a moda, era também conhecido por nunca ter aprendido a dobrar a língua: por exemplo, em 2012, não se conteve a dizer que a cantora Adele era um pouco gorda demais. Há um ano, no epicentro do movimento #metoo, foi mais longe: “Se não querem que vos baixem as calças, não sejam modelos! Juntem-se a um convento de freiras”, confessando-se completamente farto das acusações de assédio sexual, no cinema e na moda.
“O que mais me choca mais são as vedetas que demoraram 20 anos a lembrar-se do que aconteceu”, afirmou, aproveitando para também dizer que não suportava Harvey Weinstein, o produtor americano acusado por centenas de mulheres.
Na segunda-feira, 18, deu entrada num hospital de Paris, internado de urgência. Morreu esta terça-feira de manhã. Tinha 85 anos.