Final de tarde na Alte Teppichfabrik, uma antiga fábrica de tapetes que marca a diferença mesmo numa cidade como Berlim. São três andares descascados por dentro, de pé direito muito alto e ar industrial, o velho e o novo a fazerem sentido na cabeça dos jornalistas que ali estão para assistir à estreia do documentário For the Love of Fashion (por amor à moda). O convite falava em algodão orgânico, a remeter para os tempos em que ainda não se tinham inventado os pesticidas, e, ao mesmo tempo, para um futuro mais sustentável. Olha-se à volta e há algodão por todo o lado – em planta, numas jarras transparentes, e nas roupas da assistência.
Quanta desta fibra natural terá sido produzida sem químicos?, apetece perguntar quando começa a projeção do filme produzido pelo canal da National Geographic. Pouco depois somos levados por Alexandra Cousteau até aos Estados Unidos, país onde se cultiva um terço do algodão do mundo. A neta do comandante Jacques-Yves Cousteau é reconhecida como “líder em questões de gestão de água e sustentabilidade”; não se esperava vê-la interessada em moda. E, no entanto…
“Os oceanos, a água e o algodão… Está tudo ligado”, dirá a ambientalista, de 40 anos, por uma vez sem as suas habituais roupas de exploradora, logo ela que não tem nada de fashionista e detesta gastar tempo em compras. “O algodão é um dos produtos mais sujos do planeta”, explica. E, acrescente-se já, campeão no dispêndio de recursos: gastam-se mais de 2 700 litros de água na produção do algodão necessário para fazer uma única t-shirt.
Para a filha de Philippe Cousteau Sr., que morreu a bordo de um hidroavião, no rio Tejo, em 1979, a epifania aconteceu há alguns anos. “Um dia, falava com uma pessoa que estava a inventar uma nova maneira de tingir algodão que não tivesse um impacto negativo na água, e ele perguntou-me: ‘Já te apercebeste de que podemos prever as cores da próxima estação pela cor dos rios na China?’ Aquilo entrou-me na cabeça e eu… Uau!” Ao pensamento iluminado seguiu-se a certeza de que é urgente mudar esta indústria suja. “Por todos nós. Pelo nosso ar, pela nossa água, pelo nosso clima, pela nossa Terra, pela biodiversidade e até pelos direitos humanos. Cada vez que compramos uma peça de roupa fazemos uma escolha. De melhores valores, do que achamos importante, no que estamos dispostos a gastar o nosso dinheiro.”
Para Alexandra Cousteau, este é o momento certo para passar a mensagem. Nunca houve tanta gente a comprar comida e produtos de limpeza biológicos, nunca houve tanta gente a preocupar-se com o ambiente, nota. Nem será por acaso que a C&A, que patrocinou este documentário (que Portugal vai poder ver no dia 16, no Canal National Geographic), criou uma linha inteira de roupa feita com algodão orgânico e tem como objetivo, já para 2020, só usar algodão sustentável. Mas, se é verdade que a procura tem vindo a crescer, ele ainda representa muito pouco no mundo.
Vemos isso nos Estados Unidos, onde imagens de campos imensos e tratores gigantes ajudam a passar a ideia de que 99% do algodão americano é produzido de maneira não sustentável. Num registo próximo de Michael Moore, de quem investiga e, ao mesmo tempo, denuncia, a nossa cicerone entrevista um produtor que lhe explica, sem rodeios, que, doutra forma, a produção nunca seria financeiramente interessante.
É preciso mudarmos de continente para a perspetiva mudar. Chegamos à Índia, ao estado Madhya Pradesh, e ficamos a saber que o dono de um campo de algodão só optou pelo cultivo orgânico porque não tinha dinheiro para comprar fertilizantes e pesticidas. E porque pode voltar as usar as sementes.
Vemos como ele trata as sementes com lama e urina e cocó de vaca. “O cheiro fica um mês e não há inseto que lhes toque”, explica. E como faz um “pesticida” natural, uma mistela picante à base de malaguetas, alho, gengibre e cebola. “Esta é uma receita que todos podiam usar”, diz Alexandra Cousteau. “Os insetos mantêm-se longe, tal como eu!”
A exploradora da National Geographic perguntou-lhe “Como é que se sente por ter optado pela produção biológica?” e surpreendeu-se com a resposta. “Eles não são pessoas muito emocionais, não têm tempo para serem sentimentais com animais fofinhos, não veem vídeos de gatos, Ok? Têm de viver, de sobreviver. Mas ele respondeu-me: ‘Sinto-me mesmo bem com isso. Estou feliz. Olho para a minha terra, e as aves, os insetos e as rãs estão a voltar. Olho para os meus filhos e eles não estão rodeados de químicos que podem vir a matá-los. E olho para o meu algodão e sei que ele é parte da solução. Agora, todos os meus vizinhos querem fazer o que eu faço’. Não é fantástico?”
É no seu campo que Alexandra se estreia a apanhar algodão. Faz sentido para quem defende que precisamos de pôr a mão na massa para nos interessarmos. E para quem acredita que o amor à moda não tem de ser incompatível com um futuro mais sustentável. “É ótimo sentirmo-nos bem com o que vestimos, que fazemos parte da solução e não do problema.”
A VISÃO viajou a convite da C&A