No ano passado, o Tribunal de Toulouse, em França, deu razão a Marine Richard num processo contra o Estado. A escritora de 39 anos exigia uma pensão de invalidez devido à sua hipersensibilidade às ondas eletromagnéticas. Apesar de não reconhecer formalmente a doença, o veredicto judicial legitimou os sintomas que a impediam de trabalhar e atribuiu-lhe uma pensão. Numa entrevista à VISÃO, por escrito, Marine Richard revela o que a conduziu à batalha jurídica e como é a sua vida de “refugiada ambiental” numa casa sem eletricidade, na zona montanhosa e isolada de Ariège.
Quando é que começou a sentir os sintomas que atribuiu à doença da hipersensibilidade eletromagnética?
Prefiro chamar-lhe “limitação” em vez de doença, já que só me sinto mal quando estou ao alcance das ondas. Comecei a ter dores de cabeça quando usava o wi-fi há sete anos, depois passei a ser sensível a outras frequências como telefones sem fios, telemóveis.
O que a levou a mudar completamente a sua vida?
Não tive alternativa porque o meu cérebro deixou de funcionar normalmente. Os exames médicos que fiz revelaram que certas zonas do meu cérebro tinham a oxigenação 30% abaixo do normal, estava a desenvolver pré-Alzheimer. A minha memória de curto prazo não funcionava de todo. Também tinha dores físicas, sobretudo dores de cabeça muito intensas. Fui obrigada a abandonar tudo e a refugiar-me no campo. Ao princípio, achei que seriam apenas uns dias, mas ao fim de alguns meses vendi o meu apartamento e procurei um lugar para me instalar definitivamente longe das ondas.
Qual é a relação que tem atualmente com as tecnologias?
Vivo num celeiro sem eletricidade, nas montanhas. Ocasionalmente uso o computador, mas ligado à internet por cabo. Não tenho nenhum aparelho sem fios que funcione através de micro-ondas.
Como é que reage quando as pessoas duvidam da existência da hipersensibilidade eletromagnética?
Atualmente, só as pessoas mal informadas recusam aceitar as evidências. É verdade que as pessoas são mantidas na ignorância através de estudos pseudocientíficos próximos da indústria. Já vimos o mesmo acontecer com o amianto, o tabaco, os pesticidas.
O que é que a fez recorrer aos tribunais?
Ver os meus direitos mais elementares de pessoa incapacitada serem violados pelo Estado francês. As minhas motivações eram simples: as ondas eletromagnéticas impediam-me de ter uma vida normal. Perdi todos os meus meios de subsistência, perdi a minha casa, o meu trabalho, os meus amigos. A minha vida! Perdi tudo por causa de uma poluição ambiental imposta a todos nós.
A decisão judicial fará jurisprudência?
Se não fizer, significa que os cidadãos não são todos iguais perante a lei, o que violaria um dos princípios da República francesa. Se os eletrossensíveis virem a sua incapacidade ignorada devem fazer como eu, bater-se. Já há ações jurídicas nos EUA, Colômbia, Reino Unido, Israel.
Considera-se uma “refugiada tecnológica”?
Prefiro a ideia de “refugiada ambiental”, uma vez que não tenho nada contra a tecnologia.