“Ele não me telefonou, nem eu deixaria de vir”. Foi desta forma que José Pedro Aguiar-Branco justificou à VISÃO a sua presença na arruada de Rui Rio na Rua de Santa Catarina, no Porto, depois de nas eleições internas ter declarado o seu apoio a Paulo Rangel. Tal como o eurodeputado e o ex-autarca de Gaia, Luís Filipe Menezes, o antigo ministro juntou-se na tarde de quinta, 27, à procissão “laranja” na Baixa da cidade, sem se negar. “Há um tempo para as divergências. Mas, tal como eu dizia, a clarificação interna iria dar um impulso e uma nova energia a quem ganhasse o PSD. Tiramos tempo de antena ao PS e agora há condições para tirá-lo do poder”, afirmou Aguiar-Branco, seguro de que Rui Rio não faltará à promessa de deixar o Chega a falar sozinho, “em qualquer circunstância”.


Luís Filipe Menezes não se fez rogado e até apontou mais alto: “O PSD vai ganhar com uma votação mais folgada do que dizem as sondagens”, vaticinou o arqui-inimigo de outros tempos: “Ao longo destes anos estive muitas vezes ao lado de Rui Rio”, lembrou, desvalorizando as disputas dentro do partido. O mesmo, de resto, fez Rangel, que vê no seu adversário de há poucos meses, “todas as condições” para mudar Portugal.
Era uma vez, há 113 anos…
Se algo se pode dizer sobre o apoio deste trio não é o facto de estarem inebriados pelo eventual regresso ao poder, tendo em conta o currículo político adquirido. Mas Rio gostou da imagem de união dada para o exterior neste momento de definição eleitoral. De resto, e como se já não bastasse andar a trocar as voltas a todos os prognósticos, o líder também já troca as voltas à sua própria comitiva. Quando se previa que fosse ao encontro do povo “laranja” que o aguardava junto à Capela das Almas, o líder do PSD entrou numa afamada loja de pronto-a-vestir da cidade, na outra ponta da rua, e subiu à varanda do primeiro piso para saudar as massas sociais-democratas.
“Cheira a novo”, comentou Aguiar-Branco, com Vladimiro Feliz (ex-candidato à Câmara do Porto) por perto e a cabeça-de-lista Sofia Matos. Minutos antes, Rio, Rangel, Menezes, Aguiar Branco, Vladimiro e Sofia subiram à varanda da tal loja de vestuário para falar aos apoiantes e beneficiar de um eco considerável rua acima e rua abaixo graças à potente aparelhagem sonora. A montra anunciava saldos a 40 por cento, mas o candidato já não concede ao adversário tal desconto: “Nunca mentimos sobre o PS”, afirmou, assegurando terem ficado expostas as fragilidades e “deturpações” da roupagem socialista. “Vitória! Vitória! Já só faltam três dias para a vitória!”, gritavam os apoiantes, enquanto Rio admitia ter uma pequena ambição extra para domingo: “Na História de Portugal só uma vez um presidente da Câmara do Porto chegou a primeiro-ministro, foi em 1909. 113 anos depois, um antigo presidente da Câmara do Porto pode chegar a primeiro-ministro.”


“Unam-se! Unam-se!”
Se tivesse chegado a horas e ao local previamente combinado, Rio ter-se-ia deparado com um momento que, de algum modo, ilustra e antecipa um dos cenários com que eventualmente terá de lidar, caso vença as eleições: enquanto o povo do PSD aguardava a presença do líder, a campanha da Iniciativa Liberal foi subindo a rua, com Cotrim de Figueiredo à cabeça.
Assistiu-se então a uma espécie de encontro familiar entre parentes afastados. Enquanto os “laranjinhas” gritavam “Portugal”, a comitiva da IL fazia valer um sonoro “Li-be-ral! Li-be-ral!”. As bandeiras de um lado e de outro misturaram-se, trocaram-se desejos de boa sorte, palmadinhas nas costas e piscadelas de olho. “Unam-se, unam-se!”, pediam alguns. “Mais tarde ou mais cedo vamos ter de conversar”, antecipava um militante social-democrata, enquanto correligionários de Rio abriam uma clareira e faziam “guarda de honra” à passagem de Cotrim e seus apaniguados. “Não sei se é o cenário que nos espera. Para já, é um encontro de adversários, mas também de muitos amigos”, reconheceu à VISÃO o ex-candidato presidencial Tiago Mayan Gonçalves, após abraçar, de forma sentida, Miguel Aroso, neto do falecido médico e histórico do PSD, Albino Aroso, “pai do planeamento familiar”. Se Rio bateu Costa no termómetro popular de Santa Catarina é outra conversa. A “laranja mecânica” pareceu mais oleada, com ar de vitória no bolso, mas também contou com grupos de apoiantes de fora do distrito, o mais vistoso vindo de Arcos de Valdevez. Enquanto o líder do PS percorreu, na véspera, uma boa parte da rua, Rio esteve mais recolhido, sem grande contacto humano, de braço dado com a cabeça-de-lista Sofia Matos. Mas a adrenalina “laranja” deu ao final de tarde um clima de euforia. No curto percurso a pé, Rio ouviu, ao longe, uma votante do CDS declarar-lhe apoio e os seus a pedirem-lhe a vitória. Mas também escutou provocações: “Vai para a tua terra, pá!”. Ora, isso era mesmo a única coisa que ele não podia fazer…