A sede nacional do Partido Comunista Português fica do lado de lá da estrada. Há murais e bandeiras que a denunciam. E o nome Joaquim Soeiro Pereira Gomes, um escritor, comunista dos sete costados, natural de Baião, que morreu em 1949, está em todo o lado por aqui – no do edifício que serve o partido e na própria rua. Vem isto a propósito de o hotel escolhido pela CDU para reunir os seus nesta noite eleitoral ficar precisamente na artéria que homenageia o resistente antifascista.
Estamos no Sana Metropolitan. O hall faustoso, em mármore castanho claro e preto, contrasta com os valores comunistas, mas isso agora não importa. À entrada do hotel ainda se concentram muitos militantes mais jovens, que fumam aqui uns cigarros e matam conversas de última hora. Quando se sobe a escada, há três grandes ecrãs que passam mensagens comunistas. Lá em cima, na sala do primeiro andar, com alcatifa fofa, às riscas cinza e beije, começa a compor-se.
O maior nervosismo, que aqui se vence de pé, está em frente aos três ecrãs de televisão que vão debitando os últimos acontecimentos destas legislativas. Saem os primeiros números, meras projeções, e muito díspares, sobre a afluência às urnas. Na RTP brama-se que a coisa vai ficar entre os 32 e 38%, o valor mais baixo desde 2005. Na TVI diz-se que entre 40,5% e 46,5% das pessoas não foi às urnas. Em que ficamos?
Maria José Gomes, de 84 anos, nem olha para estes resultados, está concentrada na tristeza que a trouxe até aqui – e nada tem a ver com as previsões que dão uma descida de deputados ao partido que apoia desde os seus 16 anos, quando ainda tudo se urdia na clandestinidade. “Passei por tudo”, conta.
Apesar disso, Maria José, antiga empregada de escritório, só cá está por se sentir “sozinha”. As lágrimas chegam-lhe aos olhos mal começa a falar da viuvez, que tem um ano e que a atirou para um estado de solidão profunda. Além da tristeza, sente medo. “Medo de que a direita vá recuperar votos e de nos fazer perder alguns direitos. Tudo é possível, basta ver que comemoraram o 25 de Novembro.”
Do lado oposto da sala, a juventude faz o bruáá que a caracteriza. Leonor Pereira, 19 anos, Diogo Faria, 17, e Ana Brandão, 20, estão juntinhos numa fila e falam a uma só voz, enquanto militantes e membros da juventude CDU. Durante a campanha, andaram os três nas ruas. “Viemos aqui apoiar os camaradas e desejamos conseguir mais deputados e mais votos. Caso não aconteça, cá estaremos também. A luta continua”, diz Ana Brandão.
Mas eis que às 19h10, fala Manuel Rodrigues, da comissão política, apenas para comentar as tais projeções de abstenção. “Valorizamos a participação dos eleitores, especialmente agora que se festejam os 50 anos do 25 de Abril. Este é um sinal importante da nossa vida democrática e um direito que tanto custou a conquistar.”
À medida que os minutos avançam e se aproximam as 20 horas, a sala vai ganhando mais gente e as cadeiras já estão tomadas pelos militantes de todas as idades. A multidão aglomera-se agora, expectante, para ver o que lhes vai cair na rifa nestas eleições. De cravo ao peito, ainda está tudo a digerir a “provável vitória da AD”, o crescimento exponencial do Chega e as projeções de 5 a 1,3% (consoante as sondagens) da CDU, com direito a dois ou três deputados. A noite ainda vai no adro.
Fernanda Mateus é a escolhida para comentar estes primeiros números que, segundo a própria, não passam disso mesmo. “Ainda é cedo”, lembra, “mas tudo aponta para a resistência por parte da CDU, com coragem e determinação.”
Ainda ninguém assumiu o microfone, mas ela insiste que continuarão a dar força aos compromissos com os trabalhadores, as gerações mais novas e às mulheres. “A nossa força combaterá as políticas de direita. Estamos confiantes, vamos resistir.”