“O ano de 2022 não foi o da viragem esperada, e entrámos em 2023 obrigados a evitar que este seja pior do que o de 2022.” Independentemente do juízo que o Presidente da República já tenha feito sobre o balanço deste ano, que está quase no fim, esta sua frase, proferida na última mensagem de Ano Novo, a 1 de janeiro, envelheceu particularmente mal. Sobretudo, depois do terramoto que, nesta semana, abalou de alto a baixo a política nacional, provocando o desmoronamento do Governo de António Costa, que parecia instalado numa inexpugnável maioria absoluta. Dois anos após as eleições, que deram ao Partido Socialista a sua segunda maioria absoluta da História – e que tinha todas as condições para durar os quatro anos regimentais (mais seis meses adicionais, devido ao ajustamento dos calendários eleitorais) –, Marcelo poderá ser novamente obrigado a chamar às urnas um País atordoado com um escândalo judicial e político de dimensões ainda por avaliar. Quando António Costa, pelas 14h20 de terça-feira, 7, enfrentou os portugueses para lhes anunciar, de voz ligeiramente traída pela emoção, que “esta fase” da sua vida tinha terminado, soubemos que, com ela, tinha também cessado uma fase da vida do País.

Enquanto o primeiro-ministro manifestava a sua inocência e garantia estar de consciência tranquila, outro cidadão, algures no conforto de um sofá, numa casa da Ericeira, deve ter pensado como as ironias do destino nos trocam as voltas. Mas, enquanto José Sócrates reagiu de forma emocional e desabrida, em circunstâncias psicológicas que poderiam considerar-se equivalentes, António Costa, obrigado a demitir-se com base numa suspeita vaga (como veremos), teve uma reação tranquila. Continuando a elogiar a Justiça, na qual diz confiar plenamente, deixou transparecer apenas a amargura de a notícia, a de que também estava a ser investigado, ter surgido numa simples nota do “gabinete de Imprensa” – frisou por várias vezes… – da PGR, o que não se coaduna “com a dignidade das instituições”, que garante “continuar a defender”. Ao longo da declaração de demissão, que até teve direito a perguntas – o que, nestas circunstâncias, não é muito usual –, o primeiro-ministro deixou bem claro que vai continuar a “andar por aí” (ver caixa). Além disso, a sua postura foi muito diferente da que se esperaria de um homem derrotado.