“Vida boa”; esta é a versão portuguesa de “Buen vivir” com que Mariana Mortágua arranca para sua liderança no Bloco de Esquerda. No primeiro discurso como nova coordenadora de BE, a deputada foi beber influência àquela filosofia política da América Latina, de raízes indígenas e de defesa ecológica, para prometer que esse lema – com base num desenvolvimento social que não abdica de direitos essenciais e se bate pelo respeito pela natureza – será a génese desta fase do partido. Mais, disse, até, que será “todo um programa”.
Perante uma reunião magna, em Lisboa, que a elegeu com 490 votos [face aos 95 que votaram em Pedro Soares, da Moção E], Mortágua falou num BE sob uma nova esperança, que pode ver nesta sucessão de Catarina Martins um recomeço, um ano após o PS ter desconjuntado a Gerigonça, e um resgatar de antigas bandeiras do partido – mas agora revisitadas sob a tal “Vida boa”.
Deixo um recado franco: já nos conhecem, mas ainda não viram nada da força que sabemos criar, reinventar e unir
Mariana Mortágua
A coordenadora do BE, que entrou em palco ao som de “Santé”, um dos êxitos do compositor Stromae, deixou ainda um aviso à navegação, para que conte com tempos difíceis: “como escolheram contar comigo, mesmo sabendo que teremos de lidar com as perseguições da extrema-direita e e de um magnata da comunicação social, então vamos a isso. Que essa gente sem escrúpulos saiba que este partido não se cala perante o abuso e não se encolhe perante a intimidação”.
Um BE que ganhou força após dispensa do PS
Mariana começou por falar para dentro do partido, ao contrário do que acontecera ontem, sábado, elogiando que as moções na corrida se tenham enfrentando “com exigência e crítica” e apelando à união.
Por isso, disse: “temos razões para sentir toda a esperança do mundo, quando estamos numa sala a abarrotar de força e sabemos perfeitamente o que nos junta, aqui e na vida”. “Neste pavilhão não soaram vozes de resignação ou de confusão, e muito menos de medo”, sublinhou, fazendo questão de dizer que o “sectarismo e divisão” já não são sinónimos do partido.
Defendendo que “a esquerda tem que saber olhar para o essencial”, garantiu que “estas treze Convenções e esta sala cheia são só o começo do Bloco de Esquerda“.
“Aos nossos adversários, para quem a Esquerda é sempre um projeto condenado, deixo um recado franco: já nos conhecem, mas ainda não viram nada da força que sabemos criar, reinventar e unir“,
Segundo a dirigente, que apelidou Catarina Martins como “a melhor de todas nós”, este BE é o mesmo “que o PS sempre quis dispensar” na Gerigonça e que ganhou a “força de quem se juntou no último ano, já depois das últimas eleições, porque não aceita andar para trás“.
“Resgatar” País, a começar já pela Madeira
Mariana Mortágua apontou a mira a António Costa, mas não só. Avisou para um “desgaste da vida democrática não é só provocado pelos arruaceiros que gritam contra ela. É criado por quem descredibiliza a República, por quem acha que o sucesso de um governo está em desbaratar bens comuns e empobrecer os cidadãos enquanto abre o champanhe pelos números do défice e do crescimento económico”.
“Para resgatar o país deste jogo vicioso é preciso uma esquerda frontal A esquerda que desistir de ser exigente por aceitar a chantagem do medo não serve o país. Não somos biombos de sala, nem cravos de lapela. Sabemos que a nossa força vem das escolhas que fazemos. Em tempos tóxicos, para impedir uma rampa deslizante para a direita e para a extrema-direita, o Bloco escolhe levar o país a sério”, defendeu, revelando o caderno de encargos com que arranca a sua coordenação.
“O primeiro é erguer na Madeira a oposição que Miguel Albuquerque teme, a que não se cala perante a teia de interesses económicos que envolve o PSD e o PS Madeira”, que classificou como “maioria alaranjada”.
Depois, as eleições europeias; “com o entusiasmo e a determinação de sermos a terceira força para ultrapassar o Chega e a IL“.
Sob a sua liderança, há o regresso a um bloco quase eurocético que não aceita “que Bruxelas e Frankfurt nos imponham austeridade, que destruam a possibilidade de uma política industrial e de emprego ou que decidam que serviços públicos estamos autorizados a ter”.
A migração, “a proteção ambiental acima dos interesses económicos, geoestratégicos e financeiros”, ou a luta pela criação de um Serviço Nacional de Cuidados para idosos serão algumas das bandeiras deste Bloco, tendo recusado que se trate de bandeiras fraturantes.
“Quando o mais elementar bom senso parece radical, então é porque é altura de ter bom senso”, argumentou.