Na despedida da liderança do BE, onze anos depois, Catarina Martins apostou na reivindicação das conquistas do partido durante o período da Gerigonça, para apontar baterias a António Costa e justificar os últimos desaires eleitorais do partido. Na convenção desta força política, em Lisboa, onde será escolhida quem lhe sucede, a coordenadora bloquista garantiu que o partido está a saber ultrapassar o revés das últimas legislativas, ao apostar no apoio à contestação social crescente sentida nas ruas.
Após ter começado por salientar que os fundadores do Bloco – Francisco Louça, Luís Fazenda, Fernando Rosas e Miguel Portas – nunca terão criado obstáculos à sua coordenação, porque “reinventaram a sua intervenção no Bloco e ensinaram-nos que as gerações não se atropelam nem se substituem, reforçam-se, acrescentam-se“, Catarina Martins elencou o que considerou terem sido diversas conquistas do partido, principalmente na fase da Gerigonça. Aliás, respondeu, assim, aos críticos internos, que falam da inexistência de uma mea culpa pelos resultados eleitorais.
É certo que a derrota eleitoral do ano passado deixou feridas. Mas volto a dizer o que já me ouviram: não nos arrependemos da coerência…Que ninguém se engane sobre quem somos e como somos: respeitamos quem tinha votado no Bloco e que, por medo da direita ou por preferir a maioria absoluta, apoiou o PS há um ano
Catarina Martins
“Foi sempre assim. Foi em nome da coerência que promovemos e assinámos os acordos da geringonça, que ajudámos a salvar o país da direita, e não nos submetemos nunca à ideia peregrina de que bastaria um ‘acordo de cavalheiros’ para um compromisso de medidas: tem que haver honra e fidelidade aos acordos na política, mas o povo tem o direito de saber o que vai ser feito, quando e como, e isso é um acordo transparente para toda a gente conhecer”, disse, recusando que o partido viva “tempos difíceis”.
Para a bloquista – que assumiu, sorridente, que depois de “11 anos sem precisar de água”, teve de pegar num copo com água no início do seu discurso – “é certo que a derrota eleitoral do ano passado deixou feridas”.
“Mas volto a dizer o que já me ouviram: não nos arrependemos da coerência. Fizemos o que tínhamos de fazer e voltaríamos a fazer o mesmo enfrentamento com o governo nos Orçamentos a propósito da saúde e dos direitos laborais. Portanto, que ninguém se engane sobre quem somos e como somos: respeitamos quem tinha votado no Bloco e que, por medo da direita ou por preferir a maioria absoluta, apoiou o PS há um ano; mas faremos o mesmo sempre que nos disserem para escolher entre uma conveniência partidária e o cuidado que a democracia deve ao SNS ou ao direito de quem trabalha”, disse.
Costa, o “padrinho” do populismo
De acordo com a ainda coordenadora do BE, o partido está a saber ultrapassar essa fase menos boa, ao dar a mão à contestação nas ruas.
“É na nossa coerência que se alicerça o crescimento que já sentimos na rua e que até as sondagens já reconhecem. Se agora estamos a recuperar força é por levarmos o país a sério e levarmos a sério o compromisso de quem confiou em nós. Não cedemos à chantagem e não preciso de vos dizer como é importante que o povo tenha esta certeza de que aqui está gente que nem verga nem quebra”, defendeu, apontando então baterias a António Costa, de quem disse estar a chegar a um nível “cavaquista”, devido à gestão errática do País e dos casos polémicos em que o Executivo se vê envolvido.
“Bem pode o PS vitimizar-se. Mas não foram o Covid e a guerra que criaram as dificuldades atuais. Não foi nenhuma oposição que criou qualquer dos problemas que os ministros inventam. Todos são auto infligidos e a arrogância só os amplifica. E assim se entretém uma degradação da vida pública em que o PS se tornou o padrasto de todo o populismo“, reforçou.
Para a dirigente, os problemas estruturais com que se depara o País – como “empregos precários de baixo salário” ou “uma economia da desigualdade em que aumentam os lucros dos supermercados” – “foram agravados porque o PS, com maioria absoluta, achou que chegara o seu momento cavaquista“.
Mais; disse, “o PS está a contaminar todo o debate democrático e a estender a passadeira ao regresso dos piores fantasmas do passado”.
Catarina Martins acabou a apontar, a quem a vai suceder, a estratégia em que o partido tem apostado nesta nova fase: “o apoio às greves nos transportes”, às “lutas pela justiça e pela saúde”, às “jovens gerações a ocupar as ruas e as escolas” e às “manifestações pela habitação”.
A coordenadora do BE, que já anunciou que vai sair do Parlamento no final da atual sessão legislativa, no início do verão, acabou aplaudida de pé após agradecer aos bloquistas “pelo apoio e pela crítica” ao longo desta última década.
A reunião magna do BE, que arrancou este sábado, no Pavilhão do Casal Vistoso, no Areeiro, em Lisboa, tem a correr para a sucessão na liderança do partido dois rostos: a deputada Mariana Mortágua, pela Moção A, e o ex-deputado Pedro Soares, pela Moção E. Porém, a Mortágua parte em vantagem, tendo em conta que conseguiu eleger cerca de 80% dos delegados para esta convenção.