Rui Rio quis que a atual diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto, Branca Lima, fosse castigada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), por lhe ter movido duas acusações. A diligência do líder do PSD terá ocorrido quando ainda era presidente da Câmara do Porto, junto do então PGR Pinto Monteiro, porque achou que, ao ser despronunciado nesses casos a magistrada em questão deveria ser punida. A verdade é que Branca Lima não só não sofreu qualquer represália, como ascendeu na carreira e ocupa hoje um dos altos cargos da magistratura. Mas também não será menos verdade de que o social-democrata dará esta situação como exemplo para a necessidade de uma mexida nos órgãos de disciplina das magistraturas.
O pedido de Rui Rio a Pinto Monteiro foi denunciado hoje por Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), num grupo fechado no Facebook, numa breve descrição destinada aos cerca de 1200 magistrados judiciais que ali estão e à qual a VISÃO acedeu. A publicação surge na sequência da intenção de Rio reformular a constituição dos conselhos superiores das magistraturas dos procuradores e dos juízes – quer o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), quer o Conselho Superior da Magistratura (CSM), respetivamente -, com o aumento dos lugares indicados pelo poder político.
Segundo Manuel Ramos Soares, terá sido o social-democrata que lhe contou numa reunião, à frente de várias pessoas, o pedido que fez a Pinto Monteiro. Nesse encontro, que ocorreu poucos meses depois de Rui Rio ter chegado à liderança do PSD, em 2018, encontravam-se, entre várias outras pessoas, a atual deputada do PSD, Mónica Quintela, e a ex-bastonária da Ordem dos Advogados e então vice-presidente do PSD, Elina Fraga. “Castigar” terá sido a palavra usada por Rio, sinaliza o líder dos juízes, que assegura nunca mais ter esquecido tal episódio. O presidente do PSD transmitiu então naquela reunião a necessidade de “mais controlo político” das magistraturas.
A publicação motivou já inúmeros comentários de vários magistrados judiciais. Um desses comentários, acedido pela VISÃO, relata que “não foi só com a procuradora, [Rui Rio] fez a mesma coisa com o desembargador relator de um acórdão que o pronunciou. Dessa vez o telefonema foi para o Presidente do TRP [Tribunal da Relação do Porto]”.
Este o é relato do tal episódio, feito hoje no grupo “Juízes – Encontro, Informação e Debate”, no Facebook:
“Uma história verdadeira sobre as idiossincrasias de Rui Rio que legitimam ações em legitima defesa da Justiça
No dia 5 de Junho de 2018, a pedido do PSD, a ASJP reuniu com a equipa de Rui Rio para falar de justiça. Do lado da ASJP estava eu, a Carla Oliveira, secretária-geral, e o Filipe Neves, vogal tesoureiro. Do lado do PSD, Rui Rio, Mónica Quintela, Elina Fraga e Fernando Licínio Martins, hoje vogal do CSM.
A certa altura, para ilustrar como a justiça anda em roda livre e precisa de ser mais responsabilizada e controlada, Rio contou que, quando era Presidente da Câmara Municipal do Porto, foi duas vezes acusado em processo crime por uma procuradora do Porto (disse o nome mas não me lembro) e que depois acabou despronunciado. Por isso, telefonou ao PGR Pinto Monteiro a pedir para “castigar” a procuradora que o tinha acusado mal (castigar está entre aspas porque foi a palavra que ele usou). A conclusão dele, como a procuradora não foi castigada, foi que o episódio demonstra que o MP precisa de mais controlo político. Eu já sabia desta história (contada numa reunião há anos com o então PGR Pinto Monteiro), mas nunca imaginei que naquela reunião a fosse ouvir da boca de Rui Rio, assim assumida às claras, com a desfaçatez de quem sabe pouco de Estado de direito e pensa que é o mesmo que Estado de contabilidade.
As vezes que já me apeteceu contar esta história publicamente com nome e tudo. Dava bem para interpretar os objetivos da alteração da composição dos Conselhos Superiores”.
A VISÃO contactou, já ao início da tarde deste sábado, Manuel Ramos Soares, que confirmou ser o autor de tal publicação e da história, mas recusou fazer qualquer comentário por a mesma ser de âmbito restrito num grupo fechado.
Quanto a Rui Rio, o gabinete de comunicação do líder social-democrata somente apontou que tal publicação de Ramos Soares “não faz sentido”. Quanto a Branca Lima, ainda não foi possível obter um comentário da procuradora a este relato do presidente da ASJP.
Branca Lima de olhos em “difamações”
A VISÃO apurou que os dois casos que estavam então em causa, e envolveram Rui Rio, prendiam-se com a forma como o ex-presidente da Câmara da Invicta se relacionava com os funcionários da autarquia e como fazia a gestão dos recursos humanos.
Num primeiro caso, que remonta a abril de 2004, Branca Lima acompanhou uma acusação de uma médica a Rio, por este a ter denunciado à Ordem dos Médicos pela emissão de alegados atestados médicos falsos.
Já o segundo caso disse respeito ao advogado Sebastião de Sousa Pinto, sobre o qual a procuradora achou que tinha sido “difamado” por Rio. É também de 2004 – cerca de dois anos e meio depois de os sociais-democratas terem chegado ao poder no Porto.
O presidente do PSD terá requerido, a dois dirigentes da autarquia, um inquérito interno à prestação do causídico, que colaborava com a secção de Contencioso – na altura classificado por Rio como um departamento que vivia no “absoluto caos”. O relatório terá concluído que, enquanto representante legal do município, Sousa Pinto terá cometido 37 incumprimentos, enviando depois o documento à Ordem dos Advogados.
Branca Lima acusou Rio e os dois responsáveis pelo relatório de “difamação”, e ainda apontou que a alegados “incumprimentos” imputados pela autarquia se deviam ao mau funcionamento dos serviços e não ao advogado.
Rui Rio acabou por se livrar da Justiça em ambos os casos – tendo aí desencadeado as diligências junto de Pinto Monteiro contra a procuradora.
Atual responsável pelo DIAP do Porto, há menos de um ano, Branca Lima tem ascendido na carreira, tendo já sido procuradora-geral do MP de Portalegre.
Propostas do PSD para a Justiça
A Justiça é uma das áreas às quais Rio tem apontado mais críticas ao seu funcionamento, não fazendo por esconder que quer levar a cabo uma profunda reforma no setor. No recente debate televisivo frente a António Costa, o líder do PSD foi acusado de querer colocar o poder político a controlar a atuação judicial.
No programa eleitoral, que não difere muito do de 2019 nesta área, o PSD salienta que quer tornar a Justiça “acessível em tempo, em meios e recursos e em qualidade”, prometendo uma “boa administração” do setor.
Defendendo, entre outras propostas, “uma Justiça independente”, os sociais-democratas apontam a necessidade de “reforçar os órgãos de administração e gestão da Justiça”. “É sob esta perspectiva – reforço dos órgãos de administração e gestão da Justiça – que se reequaciona o atual modelo de composição dos Conselhos Superiores de Magistratura”.