O dilema entre integrar ou não a direita radical nos governos não é novo na Europa. Em 2019, o New York Times deixava a questão: “devemos contê-la ou integrá-la?” Desde o início do século XXI, a resposta a esta questão tem variado de país para país.
José Manuel Bolieiro, líder do PSD/Açores, anunciou que vai governar em coligação com o CDS-PP e o PPM, tendo acordos parlamentares com o Iniciativa Liberal e o Chega. Enquanto que António Costa afirmou que o PSD ultrapassou uma “linha vermelha” ao ter chegado a acordo com o Chega, Marcelo Rebelo de Sousa constatou que a solução “não é ideal”, mas é a “única constitucional.”
Os partidos populistas costumam chegar ao poder como parceiros de coligações – assim foram os casos da Áustria, em 2000, ou da Holanda, em 2010. No entanto, o seu impacto na governação depende da força eleitoral que têm. Numa conversa com a VISÃO, Marco Lisi, Professor e Investigador do Departamento de Estudos Políticos da Nova FCSH, afirmou que “é diferente ter 5% dos votos e ser dispensável para governar, conseguindo chegar a acordos com outros partidos, ou ser o segundo partido mais votado, com 15 ou 20%.”
As experiências dos partidos populistas na governação pela Europa não foram todas iguais, nem podem ser comparadas diretamente – cada um tem as suas particularidades e está inserido num sistema político diferente. No entanto, há traços transversais na governação com partidos de direita radical no Velho Continente.
Áustria – entre o choque inicial e a normalização posterior
O Partido da Liberdade da Áustria, FPÖ, foi fundado em 1956. Na época, apresentava-se como um partido nacional-liberal germânico, com fortes ligações ao antigo partido nazi alemão – dois dos membros da direção eram antigos agentes das “SS”, as forças paramilitares nazis. Ao longo das décadas seguintes, o FPÖ deambulou entre posições de extrema-direita e de centro. Foi a partir de 1986 que o partido assentou numa base de direita radical, antissistema e populista.
Em 1999, o FPÖ atingiu um grande resultado eleitoral: tinha obtido 26.9% dos votos nas eleições legislativas da Áustria. Após as eleições, o líder do partido, Jörg Haider, celebrou uma coligação com o Partido Popular Austríaco (ÖVP), de base conservadora. Foi a primeira vez que um partido com origens nazis tinha assento num governo europeu, desde o fim da segunda guerra mundial.
Esta coligação suscitou uma forte resposta da União Europeia, liderada na altura por Portugal, enquanto titular da presidência rotativa do Conselho da UE. Foi afirmado que, se o FPÖ se juntasse ao governo, os outros 14 Estados-Membros da União iriam recusar contratos bilaterais com Viena e cortar relações diplomáticas com a Áustria – era o o primeiro passo para a expulsão do país da União Europeia. A pressão internacional fez com que a coligação fosse encabeçada pelo líder do ÖVP e não por Haider – mas não impediu o partido com inspirações em Hitler de ir para o poder.
Apesar de alguns altos e baixos ao longo dos anos, o partido de direita radical nunca desapareceu do panorama político. Em 2017, o partido de direita radical voltou ao governo, novamente em coligação com o ÖVP, depois de ter assegurado 26% dos votos. Desta vez, já não houve sanções da União Europeia – a situação já estava normalizada nos corredores de Bruxelas. Strache, então líder do partido de direita radical, recorrentemente acusado de comentários racistas e antissemitas, foi nomeado vice-chanceler.
Mais tarde, nas eleições de 2019, o partido sofreu uma queda eleitoral para os 16.2% – em grande parte devido ao “caso de Ibiza”, em que Strache foi apanhado por jornalistas que se fizeram passar por financiadores russos a mostrar-se disposto a trocar favores políticos por dinheiro. Ainda assim, o partido mantém-se presente na esfera política austríaca. O facto de ter sido incluído em governos de coligação com partidos mais moderados nunca alterou as suas políticas anti-imigração, eurocéticas e antissistema.
Holanda – o foco nas políticas anti Islão
O Partido para a Liberdade (PVV), da Holanda, apresentou-se ao público em 2006 como um partido de direita nacionalista e populista. As suas propostas passavam por políticas anti-imigração, pela proibição do Alcorão (o principal texto religioso do islamismo), pelo encerramento de todas as mesquitas do país e pelo euroceticismo. Era liderado por Geert Wilders, um homem carismático e polémico que afirmava “não ter nada contra muçulmanos”, porque “apenas odiava o Islão.”
Em 2010, o PVV obteve 15% dos votos nas eleições parlamentares holandesas, tornando-se no terceiro partido mais votado do país. Após as eleições, o líder do partido democratas-cristão da Holanda (CDA) negou quaisquer entendimentos com o partido de direita radical para poder governar – havia uma linha vermelha que não podia ser transposta.
No entanto, estas objeções de consciência desapareceram passadas cinco semanas – o CDA veio a aliar-se ao VVD, o partido de Mark Rutte e formaram um governo minoritário através de acordos com o partido populista. Apesar de não terem dado qualquer cargo ministerial ao PVV, nem formalizado qualquer coligação, os dois partidos necessitaram constantemente do apoio do partido de direita radical para passar as suas propostas no parlamento.
Desde que ajudou a viabilizar o governo encabeçado pelo CDA e pelo VVD, o PVV nunca mais teve um resultado eleitoral tão expressivo como os seus 15% de votos em 2006 – mas também não desapareceu da esfera política holandesa. Em 2012, obteve 10% dos votos e foi excluído do governo. Passados cinco anos, o partido conseguiu uma ligeira subida para os 13% e Geert Wilders mantém-se como líder da oposição, enquanto continua a colecionar processos em tribunal por “discriminação e ódio.”
“Os partidos populistas não cedem nas políticas culturais e identitárias”
A Holanda e a Áustria não foram os únicos países onde a direita radical chegou ao governo através de coligações parlamentares – Itália, Noruega e Dinamarca são outros exemplos próximos de nós onde isso já aconteceu. Apesar de cada país ter as suas particularidades, é possível delinear alguns traços comuns entre estes partidos, maioritariamente liderados por homens que pugnam pela “luta contra o sistema.”
Quanto às possíveis concessões destes partidos perante os outros partidos das coligações, elas costumam existir – mas não em todas as áreas. A questão da integração europeia é um exemplo de área em que os partidos populistas “acabam por moderar a posição, porque vêm que é muito difícil mudar. Podem fazer ameaças, mas não vão longe”, diz Marco Lisi.
Apesar destas cedências, os partidos populistas costumam ter vitórias nas políticas mais nacionalistas, como a restrição da imigração – foi o que já aconteceu na Europa, com o caso de Salvini em Itália – “os parceiros de coligação são empurrados pelos partidos de extrema direita em matérias de políticas culturais e identitárias.” Assim, os partidos populistas acabam por forçar o governo e os seus partidos a fazerem uma “viragem à direita.”
Em relação a um possível impacto negativo eleitoral por passarem pelo governo – a contradição de um partido antissistema ir para sistema – ele é tão possível como com qualquer outro partido político: “em regra geral, isso acontece com todos os partidos depois de estarem no Governo. Se houver uma perda de 2% depois de uma governação em tempo de crise económica, isso é pouco significativo”, diz Marco Lisi.
O Professor da Nova FCSH conclui com um aviso: mesmo que vão para o governo em coligação com partidos de centro, estes partidos dificilmente se moderam, em particular nas “questões culturais e identitárias – é precisamente nessas questões que se podem distinguir.”