O plano não está fechado e muito menos passado para o papel, mas na intervenção com que António Costa fechou a segunda (e, talvez, a última) renovação do estado de emergência, o primeiro-ministro deixou mais claro de que forma o país poderá começar a retomar a normalidade possível. “Os próximos 15 dias são fundamentais para que, no mês de maio, de um modo gradual, progressivo e seguro possamos retomar, não a normalidade da vida, que só poderemos ter quando houver vacina, mas a capacidade de viver em condições de maior normalidade, com a garantia de que a pandemia se contém controlada.”
Além dos primeiros sinais daquilo que poderá ser o próximo mês – com a reabertura de algum comércio, o regresso às empresas de parte dos trabalhadores, a reabertura de creches, o retomar da atividade na Função Pública e das atividades culturais –, António Costa deixou clara uma ideia: não vai mudar nada do dia para a noite. E se há um princípio que guia a ação do Governo daqui para a frente, ele pode resumir-se numa dos momentos da intervenção na Assembleia da República: “Temos de reanimar a economia sem deixar descontrolar a economia.”
Um boost na confiança
António Costa quer que os portugueses voltem, progressivamente, a sair de casa. E isso exige “confiança” de que podem fazê-lo. Pelo menos, exige que haja uma sensação de segurança e de que a contaminação não fica fora de controlo – sendo certo que, com alguma “descompressão da mola”, os contágios vão voltar a subir.
Costa estabelece um requisito fundamental: “Tornar abundante no mercado, nas próximas semanas, os meios de proteção individual que, subjetivamente, cada um considera essenciais e que as autoridades de saúde têm vindo a recomendar” que sejam utilizados. Isso significa a massificação da produção interna de máscaras de proteção individual e embalagens de gel desinfetante.
Segurança e higiene nos transportes e nas empresas
Essa, admite o primeiro-ministro, será “a maior dificuldade logística” a partir de maio. Mas ela é fundamental para que não se perca o controlo à propagação da Covid-19. Nas empresas e nos locais de transportes, terão de ser garantidas as condições de higiene que serão tão mais exigentes quanto maior for o número de trabalhadores e retomar as habituais deslocações para as empresas.
No lado das empresas, o plano passa por conseguir “encontrar horários desencontrados”, numa “nova organização do trabalho que não crie ondas de ponta muito fortes”. E passa, do lado dos transportes, por “aumentar a capacidade” de oferta “para que todos possam utilizar os transportes públicos em segurança”.
Garantir a resposta do SNS
Já aqui vimos: mais deslocações significam, necessariamente, mais contágios. A pensar nessa inevitabilidade, António Costa sublinhou a necessidade de “garantir e ter confiança em que a robustez de que o Serviço Nacional de Saúde deu provas continuará a dar provas”. E garantir que haverá “sempre capacidade de resposta, em quaisquer circunstâncias”, a esse aumento do risco de contágio.
O primeiro-ministro não disse como se consegue garantir essa resposta, mas deu um número: a meio desta semana, os cuidados intensivos registavam uma taxa de ocupação de cerca de 50% das suas capacidades – isto, num momento em que o país já terá atingido o seu pico de contágios, pelo menos na fase em que vigorava o estado de emergência.
Abrir os portões das escolas – e voltar a abrir as creches
Já se sabia que os alunos dos 11º e 12º anos iam voltar a ter aulas presenciais. Só não se sabia – apesar de ser conhecida essa intenção – que o Governo pretendia também estudar o regresso das crianças às creches. A manutenção do encerramento destes espaços representa um dos fatores de maior sobrecarga nas contas públicas, mas António Costa justificou esse objetivo, já para maio, com a “ambição” de “apoiar as famílias, para evitar” que muitas delas tenham de suportar um “esforço acrescido” quando os pais se “mantêm em casa em regime de teletrabalho”.
O objetivo foi traçado nestes termos: “Gostaria muito que, pelo menos no período da praia/campo, as crianças do pré-escolar pudessem voltar a conviver, porque é muito importante para a sua formação que possam conviver com as outras e possam não estar confinadas no seu espaço familiar.”
O “exemplo” da Administração Pública
Numa ideia, o primeiro-ministro quer que o “exemplo” comece dentro de portas. E, por isso, “durante o mês de maio”, o Governo pretende “começar a reestabelecer o serviço de atendimento presencial” nos vários serviços da Administração Pública que têm estado de portas fechadas ou a funcionar com limitações. Quer, também, acabar com as suspensões prazos processuais.
Passo a passo, o regresso do comércio
Primeiro, o pequeno comércio de bairro (no que toca às lojas que foram obrigadas a encerrar durante o estado de emergência); depois, outras lojas que possam estar de “porta aberta para a rua” e, por fim, as grandes superfícies. “Devemos ser prudentes e graduais”, repete António Costa.
O Governo quer também “avançar para o conjunto de atividades fundamentais à vida”, onde se inclui os espaços culturais, recintos desportivos e espetáculos ao ar livre. “Devemos começar por aqueles que têm uma lotação fixa e lugares marcados, para permitir a abertura” cumprindo as regras de afastamento social e ainda que possa ser exigido o uso de máscaras. “A cultura não pode continuar encerrada à espera de melhores dias”, entende Costa.
Manter o teletrabalho
Costa quer ver parte da população ativa a voltar às empresas. Mas também diz que, sempre que possível, é “fundamental” prolongar o regime de teletrabalho, até para garantir que “a operação dos transportes públicos possa correr da melhor forma possível”.
Para todos aqueles que voltarem às empresas, haverá mudanças. “Podemos e temos de trabalhar com as empresas para encontrar novas formas de organização do tempo de trabalho, trabalhando uns manhã e outros à tarde, uns uma semana, outros outra semana, procurando libertar as pessoas do confinamento doméstico e permitindo retomar a convivialidade no espaço de trabalho, porque isso é fundamental à vida e à saúde psicológica de todos”, justificou o primeiro-ministro.
Férias, sim, mas cá dentro
Uma mensagem que já tinha sido passada na entrevista ao Observador, no início da semana: “Façam ferias cá dentro porque é cá dentro que ajudamos a defender a nossa economia.”