Se as propostas do BE ou do PAN forem aprovadas, vai ser possível cultivar canábis legalmente em Portugal – mediante prescrição médica. Os projetos de lei, que vão ser debatidos e votados hoje à tarde no parlamento, preveem essa hipótese. Em alternativa, o paciente poderá comprar canábis nas farmácias. Por outro lado, o PCP, que se diz contra a medida, apresenta em alternativa um projeto de resolução para que o governo estude as vantagens clínicas dos canabinoides (que terá o apoio do CDS, sabe a VISÃO). Se a lei avançar (o PS deu liberdade de voto aos seus deputados), Portugal junta-se assim a vários outros países e estados americanos, onde a marijuana com fins terapêuticos é legal e está regulamentada. Fizemos algumas perguntas sobre a canábis a João Semedo, ex-coordenador do BE, e Isabel Galriça Neto, deputada do CDS, ambos médicos, mas com posições antagónicas sobre o assunto. Até do ponto de vista da ciência.
A canábis tem valor medicinal?
João Semedo: É um valor indiscutível, científica e clinicamente comprovados, particularmente no alívio e controlo da dor oncológica, embora possa ter outras utilizações médicas.
Isabel Galriça Neto: A informação científica disponível não é suficientemente robusta e segura para dar a canábis como uma mais-valia em relação a outros produtos. Não acrescenta valor e traz efeitos secundários. Tem de haver mais estudos. É importante que não se transmita a ideia de que a canábis é miraculosa. Isso é perigosíssimo.
Não há alternativas à canábis que possam ser hoje receitadas por médicos?
JS: Claro que há alternativas terapêuticas. Esta é mais uma e estou certo que, na investigação de substâncias analgésicas, outras aparecerão no mercado. Há doentes que reagem mal a certos fármacos e beneficiam com a existência de alternativas. Por isso é muito importante que se possa recorrer à canábis como recurso terapêutico e analgésico.
IGN: Temos outros fármacos relevantes. Porque é que não se fala da metadona e da oxicodona? A canábis tem efeitos secundários nocivos e problemáticos, ao nível de reações psicóticas e também do aparelho circulatório. E não tem relevância clínica.
A canábis é uma porta de entrada para outras drogas? Pode criar dependência?
JS: Não vejo porque seria. Se é para uso terapêutico, a sua utilização termina quando deixarem de existir os sintomas que levaram à sua prescrição. No contexto terapêutico, não vejo o risco de criar dependência.
IGN: A dependência vai depender do tipo de produto, das doses. Mas com certeza que esse risco existe, tal como com outros fármacos, se forem mal utilizados.
O que nos diz a experiência, por exemplo, dos estados americanos onde está legalizada a canábis para fins medicinais?
JS: Do que sei e tenho lido, é uma história de sucesso, enquanto instrumento contra a dor à disposição da medicina.
IGN: Nos EUA e no Canadá, gasta-se neste momento milhões de dólares com a canábis. Dinheiro que se transferiu do tabaco e do álcool que se gasta agora a promover negócios para a produção de canábis.
Legalizando-se para uso médico, o próximo passo será o uso recreativo?
JS: Esta discussão é sobre o uso da canábis para fins terapêuticos. A discussão do seu uso para fins recreativos deve ser travada no contexto da avaliação que se faz sobre os resultados das políticas em curso de combate e prevenção da toxicodependencia. São problemas e discussões diferentes.
IGN: Espero que estes projetos de lei não sejam aprovados. A ideia de autocultivo, por exemplo, não se coaduna com a utilização segura e controlada. Isto não passa de uma agenda pseudomodernista, que cria uma expectativa social nas pessoas que estão em sofrimento.