People smoke for the nicotine but die from the tar.
É a forma tradicional de consumir tabaco, através da combustão, que é responsável pelos problemas de saúde dos fumadores; não a nicotina, uma substância aditiva mas não tida como cancerígena (pense-se nas pastilhas com nicotina para deixar de fumar), nem sequer o próprio tabaco (na Suécia, onde se encontra autorizado o uso de snus, uma forma de tabaco oral, os números de doenças associadas ao tabaco são substancialmente menores do que nos outros países europeus).
Se as pessoas fumam pela nicotina mas é o fumo que as mata, haveria de conseguir tirar o fumo da equação. Os “Novos Produtos de Tabaco” contêm tabaco mas fornecem nicotina através do seu aquecimento e não da sua combustão (“heat-not-burn-cigarrettes”). Os “cigarros eletrónicos” têm, quando muito, nicotina, não contendo sequer tabaco.
Ambos eliminam o fumo como forma de consumir nicotina e, como tal, apresentam menor risco do que os cigarros tradicionais.
Num estudo recente pedido pelo Governo britânico concluiu-se que os cigarros eletrónicos são 95% mais seguros para os próprios e inócuos para terceiros (“E-cigarettes: an evidence update”, Public Health England, www.gov.uk). Por isso, entre os métodos para deixar de fumar aconselhados nas consultas do “serviço nacional de saúde” inglês contam-se hoje os cigarros eletrónicos
E em Portugal? Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde só reconhece uma solução: deixar de fumar e fazê-lo sem recorrer a estes produtos. Por isso, na proposta de alteração à Lei do Tabaco agora em discussão, tanto os cigarros eletrónicos como os novos produtos do tabaco são equiparados aos cigarros tradicionais e sujeitos às mesmas restrições (até a definição de “fumar” quer o legislador alterar, incluindo o que não produz… fumo). Mas pode o legislador escolher este caminho?
Evidentemente que não. Desde logo, não pode um produto menos nocivo do que os cigarros tradicionais ser sujeito às mesmas restrições destes, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade. Mas, antes disso, importa que o legislador não esqueça que o fundamento das restrições do tabaco é – e só pode ser – a proteção de terceiros, não do próprio. Nesta era da “saúde pública”, em que se quer proibir o fumo ao ar livre e já se proibiu a venda automática de chocolates em hospitais, anda o Estado esquecido de que não lhe compete desenhar um modelo de cidadão, nem estabelecer um plano de vida oficial, nem menorizar os cidadãos, retirando-lhes escolhas para os “obrigar a ser livres”. Ao Estado cabe proteger terceiros; não cabe “desnormalizar” comportamentos lícitos, criando inconveniências várias e promovendo a estigmatização de quem, livremente, os adota.
Se a equiparação é atentatória da liberdade, não o é menos, paradoxalmente, da própria saúde pública.
Subjacente à proposta de lei está a rejeição de uma abordagem de “redução de danos”(harm reduction) em prol da sua eliminação: só se aceita o ótimo, não sendo o “menos mau” – nem sequer o 95% “menos mau” – uma solução aceitável. O objetivo é alcançar um “mundo sem tabaco até 2040”, ainda que seja só tabaco aquecido ou mesmo quando já não tem tabaco mas ainda “parece que” se fuma. É, novamente, a tentativa de alcançar o modelo ideal de cidadão, que é o cidadão abstinente.
Mas pode o legislador rejeitar a “redução de danos” em prol da prossecução deste ideal de abstinência? Parece bem que não. Não pode o legislador, numa sociedade plural onde se admitem diferentes vivências, impor um plano de vida ideal, como seja o de viver em abstinência de determinados comportamentos. Não pode o legislador, para tentar atingir o ideal da abstinência, deixar os cidadãos limitados a duas opções, a da abstinência e a do maior risco, obstaculizando inclusivamente o acesso à informação sobre produtos de risco reduzido. Não pode o legislador, por último, deixar de ponderar o risco de fracasso do seu projeto de “mundo sem tabaco até 2040” – que já teve várias datas, sempre adiadas… – quando elimina as opções menos nocivas: qual será o resultado se (quando), em 2040, fracassar o projeto do “mundo sem tabaco” e também não se tiver disponibilizado o consumo de alternativas menos nocivas?
É que a rejeição da “redução de danos”, a política da abstinência, é também conhecida como política “quit or die”: quem não consiga – ou, legitimamente, não queira – enveredar pela abstinência, fica apenas com uma opção, a de suportar as piores consequências.
A bem da liberdade, e a bem da saúde pública, impõe-se ao legislador que acolha a terceira via da redução de danos e não confunda o problema do tabaco com a sua solução.