Os últimos 5 de outubro não ficam para a história pela celebração digna do dia da implantação da República. Pelo contrário, os últimos 5 de outubro chegam a 2016 manchados por peripécia atrás de peripécia.
Este ano, três anos depois de ter sido suspenso (foi eliminado, no papel, em 2012 e, de facto, em 2013), o feriado volta a ser comemorado. E para quebrar o enguiço, Marcelo Rebelo de Sousa vai aproveitar para condecorar quatro figuras da República: António Barbosa de Melo (a título póstumo), Joaquim Sousa Ribeiro, Manuel Alegre e a Sociedade Portuguesa de Autores.
O enguiço começou em 2012, quando o governo de Pedro Passos Coelho decidiu, a bem da produtividade, eliminar quatro feriados: o 5 de outubro (dia da Implantação da República), mas também o 1 de novembro (dia de Todos os Santos), o 1 de dezembro (Restauração da Independência) e o Corpo de Deus (feriado móvel). As negociações com a Santa Sé (dois dos feriados suspensos eram religiosos, os outros dois civis) ficaram concluídas em maio de 2012, mas com a certeza de que a sua suspensão só teria efeito no ano seguinte. A 5 outubro (desse 2012), as comemorações seriam como sempre, na Praça do Município. Só que a bandeira, hasteada pelo Presidente da República, ao lado do então edil, António Costa, estava de pernas para o ar.
No ano seguinte, não seria preciso grande coisa para que o feriado corresse mal. Era o ano em que os portugueses sentiriam na pele (e nas horas de trabalho) o impacto dessa revisão – e 5 de outubro não seria feriado.
Em 2014, o dia 5 de outubro podia não ser feriado, mas ocorria (ainda em celebração) já depois da saída da troika do país. Além do mais, no PS, a comemoração do dia da República seria a primeira cerimónia oficial a que António Costa assistiria, depois de ter vencido as primárias no PS contra António José Seguro.
No ano passado, o 5 de outubro calhou no dia a seguir às eleições legislativas. Cavaco Silva, não por estar transtornado com a eliminação do feriado ou pelo hastear da bandeira de pernas para o ar, decidiu não comparecer às cerimónias comemorativas do Dia da República, para não ter de responder às mais que prováveis perguntas dos jornalistas sobre os resultados eleitorais da véspera.
Assim, 2016 nasce sob um novo signo. Os feriados (o 5 de outubro inclusivé) foram respostos pelo governo de António Costa e o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, vai aproveitar para condecorar quatro figuras da República: António Barbosa de Melo (a título póstumo), Joaquim Sousa Ribeiro, Manuel Alegre e a Sociedade Portuguesa de Autores.
OS CONDECORADOS DE 2016
António Barbosa de Melo
Segunda, 25 de Abril de 2011: O Presidente da República Aníbal cavaco Silva agracia António Barbosa de Melo com a insígnia da Grã-Cruz da Ordem da Liberdade durante a cerimónia de condecorações do 25 de Abril, no Palácio de Belém, em Lisboa
António Barbosa de Melo foi o nono presidente da Assembleia da República (exerceu o cargo entre 1991 e 1995), e morreu no início do mês passado, aos 83 anos. Licenciado em Direito, fez carreira como investigador e professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Fundador do PSD, foi, com Figueiredo Dias e Costa Pinto, o responsável pelas linhas programáticas novo partido, muito menos liberal do que do que o projeto que lhe foi entregue por Sá Carneiro.
No dia da morte do seu companheiro de partido e “grande amigo”, Marcelo Rebelo de Sousa diria que Barbosa de Melo era “uma personalidade singular, excecional enquanto personalidade intelectual, excecional enquanto personalidade política e sobretudo excecional enquanto personalidade moral”. Diria ainda que “era uma personalidade moral pela forma como aliava a inteligência à emoção, o caráter à cultura, com uma profunda bondade”.
Barbosa de Melo receberá, a título póstumo, a Grã Cruz da Ordem Infante D. Henrique.
Joaquim Sousa Ribeiro
Mais conhecido como “o juiz dos vetos”, Joaquim Sousa Ribeiro foi, na verdade, presidente do Tribunal Constitucional que chegou a ser chamado de contrapoder do governo de Pedro Passos Coelho.
Doutorado em ciência jurídico-civilistas, o professor de Direito na Universidade de Coimbra nem fez carreira como juiz. Mas do seu mandato como juiz conselheiro do Tribunal Constitucional (que começou a 13 de julho de 2007, sendo eleito presidente em outubro de 2012) fica a alcunha: “juiz dos vetos”.
De facto, o TC presidido por Sousa Ribeiro, conotado com o PS, vetou medidas como o corte dos subsídios de férias e de Natal e o enriquecimento ilícito, as alterações ao Código do Trabalho ou ao referendo à co-adoção e à adoção por casais do mesmo sexo. Terminou o seu mandato em a 13 de julho deste ano.
Sousa Ribeiro será agraciado com a Grã Cruz da Ordem Militar de Cristo.
Manuel Alegre
Escritor, resistente, exilado, deputado eleito pelo PS durante três décadas e meia, duas vezes candidato presidencial, Manuel Alegre, 80 anos, vai ser condecorado por Marcelo Rebelo de Sousa.
O anúncio foi feito em maio, numa cerimónia em que a Sociedade Portuguesa de Autores celebrava o Dia do Autor, e onde entregou o prémio de consagração de carreira ao escritor . Nesse dia, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que condecoraria Manuel Alegre, “voz de liberdade e uma voz de consciência nacional” com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago de Espada. O momento chegou.
É de recordar que o histórico socialista foi duas vezes candidato à Presidência da República. Em 2005 candidatou-se como independente, contra o candidato do PS, e obteve mais de 1 milhão de votos nas eleições de janeiro (de 2006). Foi o segundo melhor resultado, tendo ficado à frente do candidato socialista, Mário Soares. Em 2011, volta a ser candidato, mas já com o apoio do PS.
Sociedade Portuguesa de Autores
Marcelo Rebelo de Sousa distinguirá a Sociedade portuguesa de Autores (SPA; para os mais íntimos) tornando-a membro honorífico da Ordem da Liberdade.