Qual é a primeira coisa em que pensa um apaixonado pelo desporto, praticante de karaté durante mais de uma década, quando sabe que os Jogos Olímpicos vão realizar-se na cidade em que reside e que, ainda por cima, existe uma pequena possibilidade de poder viver a festa por dentro? Atira-se de cabeça, claro. Foi o que fez Tiago Brandão Rodrigues, então um jovem investigador, de 33 anos, na Universidade de Cambridge, que agarrou essa oportunidade com o máximo de empenho e determinação – as mesmas características que sempre o tinham distinguido no competitivo mundo da ciência. Mal soube que tinha aberto um concurso para adido da comitiva portuguesa aos Jogos, entregou a sua inscrição na embaixada em Londres, defendeu a sua candidatura por escrito e, finalmente, foi um dos três selecionados para uma entrevista com os chefes de missão – Mário Santos (dirigente federativo da canoagem) e Nuno Delgado (o único judoca português medalhado olímpico) – decisiva para a escolha final.
“A decisão foi rápida, pois o Tiago impressionou-nos logo com a sua paixão pelo olimpismo e a sua capacidade intelectual fora do comum”, diz Mário Santos, a recordar o seu primeiro encontro com o agora ministro da Educação, em fevereiro de 2012. Impressionado ficou também Nuno Delgado, em especial depois de Tiago demonstrar que conhecia a carreira do judoca, até ao mais ínfimo pormenor e sem engano de datas. “Ele preparou-se para a entrevista mesmo a sério e tinha estudado tudo sobre nós para poder debater qualquer assunto ao mesmo nível”, recorda Mário.
No papel, a função de adido, apesar da sua pomposa designação, era limitada e muito protocolar. Cabia-lhe apenas a tarefa de tentar desbloquear algum problema que pudesse surgir, usando o seu conhecimento das leis e costumes locais, além de promover encontros com a comunidade portuguesa radicada no Reino Unido. Com Tiago tudo se tornou diferente e acabou por ser integrado, logo desde o início, como mais um elemento da chefia da missão. Ele, Mário Santos e Nuno Delgado formaram uma equipa extremamente coesa, com grande autonomia e poder de autoridade para resolver qualquer assunto, sempre com um mesmo objetivo comum: proporcionar as melhores condições possíveis para que os atletas se concentrassem unicamente naquilo que era importante – a competição.
“O Tiago foi sempre superdinâmico e disponível para tudo, ajudou a desbloquear diversos problemas e integrou-se muito bem no ambiente da comitiva, acabando por criar boas relações com todos. Os atletas, em especial, ganharam um grande carinho por ele”, recorda João Malha, assessor de imprensa do Comité Olímpico de Portugal, e que durante os Jogos de Londres partilhou o quarto com o agora governante.
Voluntário nas férias
Para ser adido da missão portuguesa, Tiago Brandão Rodrigues teve, nesse ano, de abdicar das férias de verão. Ou melhor, usou essa pausa na Universidade de Cambridge para vestir o uniforme de voluntário e mudar-se, durante um mês, para a Aldeia Olímpica – sem qualquer remuneração, como é norma nestes casos. Foi um dos primeiros portugueses a instalar-se no local, cabendo-lhe várias tarefas logísticas para garantir que a “hospedagem” dos atletas antes e depois das competições decorresse o melhor possível. Fruto da sua experiência de vida em comunidade nas “repúblicas” de Coimbra, nos tempos de estudante universitário, teve um papel determinante na criação de dinâmicas de grupo que mantivessem o espírito dos atletas sempre elevado e com bom clima entre todos. Foi sua a ideia, por exemplo, de decorar com fotos dos atletas as paredes dos quartos e salas comuns da missão portuguesa – um truque para que todos se sentissem em casa.
Em muitos locais de competição, quando nem Mário Santos nem Nuno Delgado podiam estar presentes (por se encontrarem a acompanhar outros atletas em prova), era Tiago Brandão Rodrigues que aparecia, em representação oficial da missão nacional, e com a autoridade e autonomia de resolver qualquer problema que surgisse ou, simplesmente, para demonstrar ao atleta que ele não estava ali sozinho e abandonado – como tantas vezes tinha sucedido em anteriores Jogos Olímpicos.
Da mesma maneira, quando Cavaco Silva visitou a Aldeia Olímpica, na véspera do início oficial dos Jogos, e Mário Santos tinha já um compromisso noutro local de Londres, foi Tiago e Nuno Delgado que fizeram as honras da casa, atuando como cicerones do Presidente da República, apresentando os atletas e as instalações onde estavam alojados.
Alegria em ritmo infernal
“Em todos os momentos, o Tiago foi um elemento central da missão, com uma capacidade de trabalho notável”, recorda Mário Santos. “Revelou também uma enorme capacidade de aprendizagem. Passava noites a estudar biografias de atletas ou regulamentos de competição só para não ser apanhado em falso em algum pormenor de uma conversa. E fazia-o no meio de um ritmo de trabalho infernal, em que nenhum de nós, durante as duas semanas de competições, conseguia dormir mais do que quatro horas por noite.”
Apesar do trabalho intenso e tantas vezes anónimo na Aldeia Olímpica e nos bastidores das provas, Tiago Brandão Rodrigues é recordado pela maioria dos elementos da missão portuguesa pela sua contagiante boa disposição, alegria e privilégio de poder estar a viver os Jogos Olímpicos por dentro – e que passou até por tarefas tão básicas como ajudar Fernando Pimenta e Emanuel Silva a carregarem o kayak para o armazém (após a prova que lhes deu a medalha de prata), a zelar para que se cumprisse o protocolo durante uma receção na Embaixada de Portugal em Londres e a proporcionar visitas à Aldeia Olímpica a muitos estudantes e professores portugueses radicados na capital britânica.
O mundo inteiro teve também um rápido relance dessa alegria de Tiago, durante o desfile dos atletas na cerimónia de abertura dos Jogos, quando ele se aproximou das câmaras de televisão e dos fotógrafos com o cachecol de Portugal – durante dois segundos a sua imagem em primeiro plano foi transmitida, em direto, para todo o planeta. Na Reuters, agência que difundiu a foto desse momento, a legenda diz somente que aquele homem de barbas e boné verde “é um membro da comitiva portuguesa”. Desde esta quinta-feira, 26, a legenda para ficar completa teria que indicar que ele é, oficialmente, o novo ministro da Educação de Portugal. Mas também o responsável pela tutela do Desporto (entregue ao secretário de Estado João Wengorovius Meneses). E é nessa função que aquele a que muitos dos seus companheiros dos dias intensos de há três anos tratavam carinhosamente por “ursinho” (por nunca ter feito a barba e ter engordado bastante naquele mês) o vão observar a partir de agora. Com uma pergunta simples: o que ficou em Tiago Brandão Rodrigues do espírito olímpico de Londres 2012? Uma foto fugaz, uma memória alegre ou uma experiência determinante para a governação?