O tribunal é o mesmo: Tribunal da Relação de Lisboa. A secção também. Só os nomes dos juízes mudam. E o que decidiram quando tiveram de responder à mesma questão: um arguido deve ou não ter acesso às provas que o incriminam enquanto está a decorrer o prazo do inquérito? A VISÃO teve acesso a um acórdão que mostra que catorze dias depois de o juiz Rui Rangel ter aberto o processo de José Sócrates, duas juízas da mesma secção da Relação decidiram que um arguido do processo Vistos Gold deveria continuar longe dos indícios reunidos pela investigação.
Nesse acórdão, as juízas Maria do Carmo Ferreira e Cristina Branco, da 9ª secção da Relação de Lisboa – a mesma de Rui Rangel -, entenderam que sempre que a investigação seja “complexa” e “morosa” se justifica o alargamento do período em que os arguidos não podem consultar um processo. Essa leitura levou a que Manuel Jarmela Palos, ex-director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), continue sem acesso às provas reunidas pelos investigadores, ao contrário de José Sócrates. A Relação de Lisboa decidiu que se mantém o segredo de justiça nos Vistos Gold. E a mesma Relação de Lisboa decidiu que cai o segredo de justiça na Operação Marquês.
Os dois inquéritos começaram no mesmo ano: 2013. Nos dois os primeiros arguidos foram constituídos no mesmo mês: Novembro de 2014. E nos dois se investigam crimes de corrupção e de branqueamento de capitais: um investiga atos de corrupção à volta de um ex-primeiro-ministro; outro investiga uma alegada rede de corrupção montada por altos quadros da Administração Pública.
Apesar das semelhanças entre os dois processos, e até das datas, as decisões não poderiam ser mais opostas. Se no acórdão de Rangel se critica “a auto-estrada do segredo” e os “truques” do Ministério Público, no acórdão assinado pelas juízas entende-se que se foi declarada a especial complexidade do processo, “fundada no aparecimento de novos elementos de investigação”, o juiz de instrução tem poder para decidir que o segredo de justiça deve manter-se.
E mais. Se o juiz Rui Rangel argumenta que os direitos do arguido José Sócrates “foram sacrificados para além dos limites constitucionais”, a juíza Maria do Carmo Ferreira diz que é a própria Constituição que reforça “as necessidades do segredo na fase do inquérito” e que o interesse do Estado na investigação se sobrepõe sempre ao interesse privado.