No início, todos estavam contentes. Funcionários da investigação criminal, juízes, magistrados do Ministério Público e advogados congratulavam-se publicamente com a escolha de Paula Teixeira da Cruz, mulher com “sensibilidade e peso político” (Rui Rangel), para a pasta da Justiça. O estado de graça pela costela social-democrata de um Governo liberal abateu-se até sobre Marinho e Pinto que, em junho de 2011, se dizia satisfeito “por ver uma colega” naquele ministério.
Passados quatro anos, os títulos dos jornais são outros. “Juízes dizem que a ministra da Justiça fez afirmações falsas no Parlamento” (Lusa). “Magistrados dizem não querer servir de álibi à incompetência de Paula Teixeira da Cruz” (Público). “Ministra da Justiça usa dirigentes públicos para fins eleitorais (DN)”. “Guardas prisionais ameaçam cortar ‘falsa relação’ com a ministra” (DN).
A classe não gostou da (des)evolução de Paula Teixeira da Cruz e o povo penalizou-a nos estudos de opinião, apesar das suas causas populares, como a criminalização do enriquecimento ilícito (que esbarrou no Tribunal Constitucional), a lista de pedófilos (recusada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados) ou a defesa da venda de drogas leves nas farmácias.
Em abril, ela e Nuno Crato eram os únicos governantes com nota negativa no barómetro da Aximage, publicado pelo Jornal de Negócios. Afinal, estará Paula Teixeira da Cruz enfraquecida?
Um problema chamado Citius
Carlos Garcia, líder da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, não tem dúvidas de que Teixeira da Cruz tem hoje menos influência do que tinha em 2011. “Eu diria que ela não conta politicamente. Perdeu tanto peso que já não consegue cumprir promessas. ?O estado de graça dela terminou”, afirma o sindicalista.
Rui Rangel, um juiz que em 2011 lhe deu o benefício da dúvida, diz hoje, à VISÃO, que “esta foi a pior ministra da Justiça” desde o 25 de abril. “Perdeu muito peso quando começou a fazer uma gestão ruinosa do setor. Os disparates foram tantos que essa foi uma consequência natural”.
Maria José Costeira, presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, identifica com precisão o momento em que tudo terá mudado. “Foi quando entrou em vigor o novo Mapa Judiciário e o Citius ‘crashou'”.
Depois de obter luz verde dos serviços e de garantir, de acordo com fonte do ministério, o back up de toda a informação, a ministra da Justiça agendou para 1 de setembro o arranque da nova organização judiciária. Mas com ela vieram problemas difíceis de resolver.
Durante mais de um mês, a plataforma informática (Citius) que gere os processos falhou e as comarcas começaram a entupir. Quando muitos lhe exigiam que tirasse ilações políticas do falhanço, a ministra remeteu à Procuradoria-Geral da República um documento, feito pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, revelando suspeitas de sabotagem informática. O gesto não foi bem entendido pelo setor.
Apesar das críticas, o ministério faz um balanço geral positivo da reforma e a ministra costuma congratular-se com o facto de hoje “uma pessoa poder ir à junta de freguesia e prestar testemunho por telefone e videoconferência”, sem ter de se deslocar a um tribunal que, esses, sim, estão mais longe de algumas populações.
Além disso, Teixeira da Cruz tem pendentes vários pedidos, incluindo do Vietname, para ir explicar como fez a reforma portuguesa, o que é visto, no ministério, como um sinal de que o trabalho se tornou numa “referência internacional”.
Polémica do estatuto
Para o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, a mudança ficou a meio. ?”A nova organização judiciária não bate certo com os nossos antigos estatutos e essa reforma vai ficar por fazer. Não pode deixar-se uma coisa destas a meio. Ou se faz ou não se faz”, lamenta.
Sobre a questão remuneratória, levantada por Paula Teixeira da Cruz à saída de um plenário da Assembleia da República, Ventinhas diz que “nunca seria determinante”. Maria João Costeira também refere à VISÃO que as divergências referidas pela ministra ao nível de salários e complementos “não eram intransponíveis” e sublinha que não conhece, nem oficiosa nem oficialmente, a proposta estatutária que chumbou no Ministério das Finanças.
O certo é que a ministra deixou claro, no Parlamento, que “há uma aspiração remuneratória que não é realista” por parte dos sindicatos. “Se ainda não estão repostos sequer os salários da Função Pública é manifestamente impossível aceitar pedidos (de aumento) de cerca de 40%”, sublinhou a governante, referindo-se a uma proposta de estatuto que designa por caderno reivindicativo e em que um aluno do Centro de Estudos Judiciários pode chegar a um salário de quatro mil euros, não sendo ainda magistrado.
Fonte próxima da ministra minimiza as críticas de falta de influência e poder e refere que, durante quatro anos, todo o setor da Justiça esteve em paz. “Não é estranho que só agora, depois de haver novos dirigentes sindicais, comece o mau relacionamento?” Maria José Costeira responde secamente à crítica: “Não é uma questão de mudança da direção sindical.”
Em defesa da ministra
Um advogado social-democrata assume a defesa da ministra, em declarações à VISÃO. “Se ela não tivesse peso político no Governo não teria feito as reformas que fez. Desde que comecei a trabalhar, em 1985, ela foi a ministra que mais reformou. Mexeu no Código do Processo Civil, no Direito Administrativo, na organização judiciária, nas insolvências, na especialização dos tribunais, no Processo Penal… Reformista foi e durante muito tempo.”
Sobre a solidariedade, ou falta dela, do primeiro-ministro, a mesma fonte refere que “ele tem sido absolutamente solidário” e que, “quando lhe vão fazer queixas dela, ele responde sempre que as questões da Justiça são tratadas pela ministra da Justiça”.
Coisa bem diferente é dizer que Paula Teixeira da Cruz tem muita influência política junto de Pedro Passos Coelho. “Se ela tivesse feito essa aproximação, tinha evoluído para ministra da Presidência, o que nunca aconteceu”, diz o jurista. Resta saber se ela o desejava.
“A Paula teve o problema do Citius e o desgaste decorrente da implementação da reforma judiciária. Esse foi o embate do mandato dela. Mas depois disto, acredito que ainda possa aspirar a algum combate do ponto de vista eleitoral, no pós-governo. As causas que ela tem defendido [de que são exemplo o combate à corrupção e a criminalização do enriquecimento ilícito] chamam a atenção do povo”, assume a fonte da VISÃO.
“De resto, há loucuras que não se fazem a três meses das legislativas”, diz o defensor da ministra. Sobretudo por quem pode ter aspirações políticas.