Com mais de 100 anos de história e um passado ligado aos ingleses, a PT tem hoje 12 mil funcionários dos quadros, mais 10 ou 12 mil não efetivos e ainda 6 mil fora do ativo. Gere 22 mil cabinas telefónicas, um centro de investigação e desenvolvimento em Aveiro e um grande Call Centre na Covilhã, que faz atendimento para todo o mundo. Lançou o primeiro cartão de telemóvel pré-pago do Mundo (o Mimo, em 1995), a fibra ótica e a TV interativa e foi premiada por isso.
Está no negócio do telefone fixo e móvel, na multimédia, dados e soluções empresariais em Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Hungria, Moçambique, Namíbia, Quénia, São Tomé e Príncipe e Timor.
O que se passou então para que a Portugal Telecom passasse de símbolo nacional, motor da economia e da investigação , para mãos brasileiras e, daí, a um conjunto de participações que se perspetivam disponíveis, a curto prazo, no mercado global?
Primeiro, explique-se que não há uma PT – há várias: uma é PT Portugal, com sede em Portugal, e gerida (desde a saída de Henrique Granadeiro) pelo português Armando Almeida; outra é a PT SGPS, detentora da dívida de 897 milhões de euros da Rio Forte (grupo Espírito Santo) e uma posição de 25% na Oi; por fim, há a Corp Co, empresa que resultará da fusão (em curso) entre a PT e a Oi. Mas andemos um pouco para trás.
Lisboa-Maputo-Londres-Lisboa
Jorge Félix tem 66 anos e entrou para os TLP (Telefones de Lisboa e Porto) ao acabar o curso industrial, em 1966. Nesse mesmo ano, Zeinal Abedin Mahomed Bava festejava um ano de vida. Nascera em Maputo, onde vivia com a irmã mas velha e os pais, comerciantes. Jorge Félix também andou por Moçambique por essa altura, mas não se cruzou com o jovem Bava. Seria enviado para Nampula, para cumprir o serviço militar obrigatório e dois anos depois estaria de regresso a Lisboa e aos TLP, para seguir a sua carreira de técnico de telecomunicações. Casou, teve uma filha, passou pela Comissão de Trabalhadores e, em 1990, “abraçou esta missão de sindicalista”, no Sindicato de Trabalhadores da PT, de onde, apesar da desilusão e do cansaço, ainda não saiu.
Francisco Gonçalves é mais novo, mas tem um percurso semelhante ao de Jorge Félix. Aos 51, já conta com 28 anos de casa. Entrou para os TLP no final de 1986, com a sensação de que “estava a entrar no percurso de uma vida.” O resto é parecido: casou, teve uma filha, foi técnico de telecomunicações, esteve na área de tráfego. Hoje é coordenador da Comissão de Trabalhadores. Nestes anos, sentiu “o orgulho de estar numa das melhores”, mas também foi para a Avenida Fontes Pereira de Melo (onde se situa a sede da PT), lutar pelos direitos adquiridos ao longo de uma vida dedicada à empresa.
Félix e Gonçalves lembram-se bem do tempo em que se esperava uma hora para se conseguir ligação com os Estados Unidos e 10 ou 15 anos pela chegada de uma linha telefónica a casa. Recordam o tempo em que a empresa era como uma “família”. “Pagava melhor que as outras, tinha um sistema de saúde próprio, festa e prendas de natal para os filhos, complemento de reforma, prémio de aposentação. Era um porto seguro, com perspetiva de futuro”, desfia Francisco Gonçalves. “Em caso de igualdade, os filhos dos funcionários tinham preferência na admissão. Havia casos de avô, pai e filho na PT e muito amor à camisola”. Depois veio tudo o resto: TLP, Telecom Portugal e Teledifusora de Portugal juntaram-se numa única empresa, a Portugal Telecom, a que se juntou pouco depois a Marconi, que assegurava o tráfego internacional.
Corria1994. Por esta altura, Zeinal Bava já tinha tirado o curso de Engenharia Electrónica, na University College of London, começara a trabalhar (na Arthur Andersen e na Efisa) e era diretor executivo da Warburg Dillon Read para a Península Ibérica. Do lado de lá do Canal da Mancha, cabia-lhe acompanhar alguns processos de privatização em curso, em Portugal – PT incluída.
Minha, tua ou de quem a apanhar
A privatização da PT arrancou a 1 de junho de 1995. Foram vendidas 51,8 milhões de ações, o equivalente a 27,26% do capital social da empresa. A mudança gerava desconfiança entre os trabalhadores. Perspetivavam despedimentos. Protestaram tanto que, com a mudança de governo (de Cavaco Silva para António Guterres), foram informados que Luís Todo-Bom (o homem que criara a PT e dera início à sua privatização) seria substituído, na presidência, por Francisco Murteira Nabo, “escolhido para pacificar a empresa”, recorda Francisco Gonçalves.
1996. Enquanto em Lisboa se vendia mais uma tranche (de 21,74% do capital) da PT, em Londres, Zeinal Bava sai da Warburg para a Deutsche Morgan Grenfell. É o mercado a funcionar. E a privatização continua. 1997. É aprovada a lei que permite ao Estado deter menos de 51% das empresas, mantendo o controlo sobre ela. É a golden share. Vendem-se mais 26% das ações e, dois anos depois, mais 13,5%. Entretanto, Bava vai para a Merrill Lynch, onde lhe chegaria um convite que iria mudar o rumo da sua vida.
1999. Em quatro anos, a PT tinha passado por quatro fases de privatização e um aumento de capital. O Estado via a sua participação na PT reduzida a 11%, mas mantinha direitos especiais sobre o governo da empresa. Eduardo Martins, ex-administrador da PT Multimédia, precisava de “alguém que conhecesse os mercados internacionais”, que fizesse o contraposto com o modelo de gestão pública e foi buscar Bava.
Zeinal entra no grupo como administrador financeiro da então PT Multimédia. Tinha 33 anos e um lastro considerável nas áreas financeiras. Era, de facto, sangue novo. Com ele, outros se seguiram. Representavam outros tempos, outras vontades. E assim se iniciaria toda uma nova era. A PT que valia 11,4 milhões de euros.
Quinze anos passados, a PT vale 1,4 milhões de euros. O que se passou entretanto? Para Luís Nazaré, ex-presidente da Anacom, há três momentos marcantes: primeiro, a aliança com os espanhóis da Telefónica. A PT “ganha músculo” e “avança para a sua posição internacional”. Depois, a OPA da Sonae, em 2007. É o momento em que se alteram os equilíbrios, entre acionistas, e em que a PT se vê obrigada a vender a Vivo à Telefónica. Por fim, a crise no BES. “Os 900 milhões de euros são o epifenómeno que acaba por matar a PT”. Mas os três momentos estão ligados. Vejamos.
A OPA da Sonaecom (2006-2007) não foi avante porque Bava, que era contra os planos de Belmiro, garantiu apoios de peso (como o BES, Ongoing ou Visabeira) em troca de um generoso pacote de remunerações para os acionistas. Nesta “lógica oportunística, de remunerações de curto prazo”, foram distribuídos, desde a OPA, 9,6 mil milhões de euros, garante Luís Nazaré. ?A OPA fracassou, mas obrigou a PT a vender os seus 50% na Vivo à Telefónica (por 7,5 mil milhões) e a encontrar um parceiro estratégico para o projeto de uma grande operadora da lusofonia. É aqui que aparece a Oi.
Um ano depois, com a PT a valer 5,4 milhões, Bava assume o lugar de presidente executivo da PT, substituindo Henrique Granadeiro, entretanto nomeado Chairman.
Workaholic, descontraído, simpático no trato e implacável no desempenho, Zeinal Bava lançou o MEO (TV com gravação digital, pausa TV ou video-on-demand…), a MEO Go (TV no telemóvel ou tablet, em todo o lado), o 4G, o M4O (primeiro pacote de telecomunicações). Ganhou prémio atrás de prémio, ano após ano: melhor CFO no setor das telecomunicações da Europa, melhor CEO de empresa privada, melhor CEO em Portugal, melhor CEO na área “relações com o investidor”, melhor CEO no setor de Telecomunicações da Europa. ?A rede de fibra também é distinguida com um prémio de inovação, a nível europeu.
Considerado demasiado grande para a PT, muda-se, em 2013, para o Brasil, com a tarefa de liderar uma Oi em processo de fusão com a PT. A PT ficaria com 37% da brasileira e um português à frente dos seus destinos. Manteria a operação em Portugal e abriria portas a um mercado imenso. Depois veio a crise no BES. E a notícia de que a PT tinha subscrito 897 milhões de euros em papel comercial da Rio Forte. Zeinal não tarda a cair. A 7 de outubro, sai da Oi, deixando a PT com apenas 25% da operadora brasileira, a gestão em mãos brasileiras, e ecos de que a PT Portugal será vendida a quem der mais.
Que será, será?
“A crise começa quando a PT vende a Vivo”, em 2010, diz Murteira Nabo, ex-presidente da PT e responsável pela sua internacionalização. A PT “não é PT desde que venderam a Vivo”, segue João Cravinho, ex-ministro da tutela. O “momento fatal”? “O governo de José Sócrates só ter acedido à venda da Vivo pela compra, a um preço exorbitante, da Oi, que era uma empresa de terceira classe”, avançou Pires de Lima, ministro da Economia, ao Expresso. Já Nazaré, define “o móvel” como o fator que “muda tudo”, ao tornar a operação mais barata, mais apetecível. Os trabalhadores acusam o acionista dominante, o BES. Independentemente do momento ou da forma, todos concordam que tudo se deveu à voracidade dos acionistas, à sede de dividendos, à “lógica dos números impossíveis”. Francisco Louçã, professor de economia, resume: “O acionista foi sugando a empresa”, impedindo “a capacitação tecnológica e a estratégia de longo prazo”.
Os apelos à intervenção do Governo generalizam-se. Luís Todo-Bom lamentou, ao Negócios: “A PT está destruída, é uma sombra do que já foi”. Murteira Nabo lastima que o País tenha abandonado “a estratégia dos campeões nacionais” propõe que o Governo incentive investidores de peso a salvar a PT ou convença a Oi a recuperar o projeto do espaço da lusofonia. Nazaré, lacónico, responde-lhe que “para os brasileiros, a lusofonia é o Brasil”. E Cravinho esclarece que “a doutrina oficial do Governo é que não tem estratégia porque isso é uma questão que se resolve no e pelo mercado, onde não têm de se meter.” Ferreira do Amaral, último ministro cavaquista da tutela, não gosta da ironia. “Este é um problema nacional. A PT foi criada para benefício do País e conseguiu. Não pode desaparecer desta maneira, vítima dela própria. Se houver qualquer coisa que o Governo possa fazer, tem de o fazer.” Mas Pires de Lima, ministro da Economia, responde: “As empresas não são vistas como ‘joias da coroa’ que são eventualmente vendidas em caso de necessidade. Quando são privatizadas, seguimos uma lógica de que essa privatização serve melhor o interesse de desenvolvimento e crescimento dessas próprias empresas.” Ora, prossegue, “a PT é uma empresa privada que não assegura nenhum serviço definido como estratégico insubstituível por um concorrente”. Mas “a vinda, há dois meses, de Armando Almeida para a liderança da PT, é um sinal de mudança e de esperança para a empresa. É um outsider, não tem qualquer ligação ao passado recente e tem um curriculum muito respeitado. Pode representar um novo ciclo para a PT.”
No texto como no percurso da empresa, a história divide-se em dois momentos: o tempo antes de Bava e o tempo depois Bava. No primeiro, a PT era uma empresa que, apesar de ter ultrapassado os 20 mil funcionários, era considerada “familiar”. Pública, com uma tecnoestrutura muito forte, foi crescendo e investido e espalhando a sua operação pelo País e, depois, pelo mundo. Depois de Bava, a PT entrou no mundo moderno, global, dominado pelos mercados financeiros. Comprou, vendeu, fundiu-se.