No novo livro “A mais Breve História da Ucrânia”, José Milhazes e Vladimir Dolin apresentam as grandezas e misérias, as vitórias e derrotas da Ucrânia – das origens remotas perdidas na bruma do tempo com os príncipes varegues, à importância de Kyiv e do rio Dnipro na formação do país, a especificidade da sua língua, as suas jóias arquitectónicas e os seus melhores poetas. Deste livro que chega agora às livrarias, publicamos um excerto sobre o polémico Stepan Bandera.

Stepan Bandera é uma daquelas figuras históricas de tal forma contraditórias que a sua vida, obra e legado serão sempre alvo de acesas discussões, não só na Ucrânia, mas também em países vizinhos como a Polónia e a Rússia.
Bandera nasceu a 1 de Janeiro de 1909, na vila de Staryi Uhryniv, na Galícia, na altura parte do Império Austro-Húngaro. O seu pai era um sacerdote greco-católico que se voluntariou para capelão no Exército Ucraniano da Galícia. Chegou a ser eleito deputado da República Popular da Ucrânia Ocidental.
Quando tinha 10 anos, Bandera ingressou num colégio ucraniano da cidade de Stryi. Entre os alunos circulava literatura nacionalista, os pais e irmãos mais velhos de muitos deles participaram na luta pela libertação nacional de 1918-1920. Graças ao ambiente internacional marcado pela Primeira Guerra Mundial, mas também devido à educação familiar e à escola, a nova geração cresceu com fortes convicções patrióticas.
Aos 13 anos, Bandera entrou na organização ucraniana de escuteiros Plast e revelou de imediato qualidades de liderança. Bom estudante, começou a ganhar dinheiro aos 14 anos dando aulas privadas.
Em 1928, Bandera entrou na Faculdade de Agronomia do Instituto Politécnico de Lviv e atraiu de imediato a atenção da Organização Militar Ucraniana (UVO), criada clandestinamente pelo antigo comandante dos Arqueiros da Paliçada, Yevhen Konovalets. De início, trabalhou na secção de informação da organização, depois foi transferido para a propaganda.
Bandera aderiu à Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) – cujo objectivo era criar, pela violência se necessário, um Estado ucraniano – logo após a sua criação. Foi um dos seus primeiros membros na Ucrânia Ocidental. A sua ascensão foi vertiginosa. Dois anos depois, integrou o executivo na Ucrânia Ocidental e um ano mais tarde foi eleito para um cargo directivo.
As mesmas qualidades exibidas pelo jovem activista também não passaram despercebidas às autoridades polacas (a Galícia passara a ser parte da Polónia no final da Grande Guerra, em 1918). Entre 1930 e 1933, prenderam-no cinco vezes.
À frente da OUN na Ucrânia Ocidental, Bandera dirigiu motins ucranianos, como por exemplo a «acção escolar» de 1933, na qual os alunos atiraram escudos e bandeiras polacas porta fora das salas de aula e recusaram-se a responder aos professores em língua polaca. Exigiam a «ucranização» das escolas. Também organizou campanhas de boicote aos produtos polacos.
Outras acções de protesto foram bem mais violentas, mataram funcionários polacos, infiltrados nos partidos e opositores das organizações ucranianas. No início dos anos 1930, os militantes da OUN organizaram mais de 60 atentados, o mais badalado dos quais foi o assassinato de Alexey Maylov, secretário do consulado soviético em Lviv. Esta acção visou vingar o Holodomor na Ucrânia Soviética. Outro acto de vingança foi a liquidação de Ivan Babiy, director de um liceu ucraniano que o Tribunal Revolucionário da OUN acusara de colaborar com as autoridades polacas.
Ativista e terrorista
Stepan Bandera esteve implicado em todos esses atentados. Na véspera de um deles, que vitimizou Bronislaw Pieracki, a 14 de Junho de 1934, foi uma vez mais detido durante uma rusga policial. Dessa vez as autoridades polacas reuniram provas irrefutáveis da sua ligação a actos terroristas.
A 18 de Janeiro de 1935, começou em Varsóvia o julgamento de membros da OUN, entre os quais Bandera. Na primeira sessão, este declarou-se «cidadão ucraniano que não obedece às leis polacas» e negou-se a prestar declarações em polaco. O seu exemplo foi seguido pelos restantes arguidos e até por algumas testemunhas. Começavam sempre a depor saudando-se com um «Glória à Ucrânia!». Bandera e dois dos seus camaradas foram condenados à morte, mas amnistiados e sentenciados a prisão perpétua. Num outro processo, em Lviv, foi acusado do assassinato de Ivan Babiy e do estudante Iakov Batchinsky, suspeitos de serem infiltrados, e condenado a uma segunda prisão perpétua.
Stepan Bandera aproveitou ambos os processos para divulgar as ideias da OUN, nomeadamente a do valor absoluto da Nação e do Estado ucranianos: «Ucrânia acima de tudo». Este ideário tinha muito de comum com o fascismo italiano e com o nacional-socialismo, mas ainda mais com tendências políticas veiculadas à época na Europa Oriental, como por exemplo pelos ustahis croatas ou pela «Guarda de Ferro» romena, orientadas para o totalitarismo e o culto da nação.
A capacidade de resistência e a temeridade de Bandera e dos seus camaradas nos julgamentos em Varsóvia e em Lviv tornaram-nos populares, bem como às suas ideias.

Aliado dos nazis
A Segunda Guerra Mundial eclodiu estava Bandera na prisão da Fortaleza de Brest (cidade actualmente situada na Bielorrússia). No dia 13 de Setembro de 1939, os guardas prisionais fugiram; ele e os seus camaradas viram-se em liberdade e dirigiram-se para Lviv. Acontece que a cidade já estava ocupada pelas tropas soviéticas, pelo que viveu clandestinamente durante duas semanas. Encontrou-se com activistas da OUN e planeou acções e formas de luta adequados às novas condições.
A OUN mudara enquanto Bandera se encontrava na prisão. A 11 de Novembro de 1938, um agente soviético assassinara Yevhen Konovalets, dirigente da organização; e Andriy Melnyk, seu homem próximo, fora eleito para dirigir a OUN no II Grande Congresso da OUN, realizado em Roma a 27 de Agosto de 1939. Foi então concedido a Melnyk o título de Chefe, a partir daí responsável só «perante Deus, a nação e a sua próxima consciência».
Agora, Bandera e os seus adeptos discordavam dessas decisões. Em Abril do ano seguinte, em 1940, convocaram para Cracóvia um Congresso da OUN, no qual Stepan Bandera foi proclamado dirigente da organização. A cisão da OUN tornou-se um facto. Cerca de dois terços dos activistas passaram a fazer parte da OUN de Bandera (OUN (b)), um terço ficou com Melnyk (OUN (M)).
Uma das decisões do Congresso de Cracóvia foi tentar aproveitar a guerra em prol da formação de um estado ucraniano soberano. O Directório da OUN (b) definiu-se quanto à escolha de aliados: «Consideramos aliadas naturais as potências que combatem Moscovo e que não são adversas à Ucrânia. A luta conjunta contra a Moscovo bolchevique pode ser a base de relações estreitas com os aliados.»
Na luta contra Moscovo, Bandera aliou-se não aos aliados, mas aos nazis. Em Fevereiro de 1941, o almirante Wilhelm Canaris, chefe dos serviços secretos da Alemanha nazi, autorizou a formação de dois batalhões ucranianos no regime de reconhecimento «Branderburgo 800». Segundo os planos de Bandera e dos seus seguidores, esses batalhões eram o embrião do novo exército ucraniano.
Iniciada a invasão nazi da União Soviética, as tropas de Hitler demoraram apenas oito dias até chegarem e ocuparem Lviv, a 30 de Junho de 1941. Nessa mesma noite Yaroslav Stetsko, adjunto de Stepan Bandera, numa reunião da Assembleia Nacional organizada à pressa, proclamou o Acto do Restauração do Estado Ucraniano.
A entrada dos nazis em Lviv significou de imediato o assassínio em massa de judeus. A milícia da OUN (b) participou activamente nisso. Em dois dias foram assassinados na cidade entre dois mil a cinco mil judeus.
Desconhece-se se os militantes da OUN em Lviv receberam ordens directas de Stepan Bandera, na altura dos acontecimentos em Cracóvia. Mas sabe-se que acções deste género estavam previstas no documento da OUN «Luta e actividade da OUN em tempo de guerra», aprovado na véspera do ataque da Alemanha à URSS. Nele, os judeus eram considerados uma minoria inimiga que devia ser exterminada.
O Terceiro Reich recusava liminarmente criar um Estado Ucraniano, mesmo que aliado. A 3 de Julho, representantes nazis encontraram-se com Stepan Bandera e restantes membros do Comité Nacional Ucraniano. Exigiram a anulação incondicional das pretensões independentistas, imposição que foi recusada.
Condenação e prisão
Os nazis reagiram à insubordinação e dois dias depois Bandera ficou em prisão domiciliária. Em Setembro, foi condenado a prisão efectiva e em Janeiro de 1942 foi enviado para o campo de concentração de Sachsenhausen. Ainda assim beneficiou de condições especiais, ficou numa cela confortável, recebia encomendas e podia receber visitas da sua mulher, Yaroslava Stetsko. Era através dela que Bandera comunicava com os seus seguidores.
Outra consequência da ira nazi para com o Comité Nacional Ucraniano foi a Gestapo passar a perseguir os seguidores de Bandera e de Melnyk. Pouco tempo após a prisão de Bandera, a OUN (b) passou à clandestinidade.
No final de 1942, a OUN (b) reuniu-se na Volínia e criou um destacamento de guerrilha com o nome de Exército de Guerrilha Ucraniano (UPA). Durante a conferência então realizada saiu vencedora a moção de Roman Shukhevitch, defensora da luta de guerrilha em três frentes: contra o Exército polaco do governo no exílio, contra os guerrilheiros soviéticos e contra os ocupantes alemães.
Em Maio, na reunião plenária do Directório da OUN (b), Mykola Lebyd, adjunto de Bandera, foi afastado da direcção. O poder passava para o Bureau do Directório, um triunvirato dirigido por Shukhevitch que, pouco tempo depois, se apoderou absolutamente do poder. A influência de Bandera passava a ser nenhuma.
Em Setembro de 1944, Bandera e os 300 activistas da OUN presos foram libertados das prisões e dos campos de concentração nazis. O general das SS Gottlob Berger, vice-ministro dos territórios orientais ocupados, escreveu a Henrich Himmler sobre a impressão que tinha de Bandera e os planos para ele: «Um eslavo ágil, teimoso e fanático. É fiel às suas ideias até ao fim. Actualmente, ele é incrivelmente valioso para nós, mais tarde será perigoso. Odeia tanto os russos como os alemães. Arrisco propor que seja utilizado para activar o seu movimento [OUN (b)]. Neste momento ele pouco pode empreender contra nós, mas se agir ao nosso lado pode constituir uma séria ameaça para o inimigo.»
Bandera defraudaria estas intenções de Berger e recusou-se a participar no Comité Nacional Ucraniano. Em Fevereiro de 1945, por proposta de Roman Shukhevitch, voltou à chefia da OUN (b), mas sem alavancas reais de poder nem influência no UPA.
Tentou então reconquistar a posição que ocupara nos anos 1930. «Quando a guerra terminou, as pessoas saíram das prisões e dos campos de concentração com a ideologia que seguiam quando foram presas […]. Nenhuma fazia ideia do que se passava na Ucrânia. A posição de Bandera não era compreendida por ninguém. Em Fevereiro de 1946 foi realizada uma reunião de três membros da OUN que se encontravam no estrangeiro e aí foi decidido criar unidades da OUN no estrangeiro […]. Gradualmente foram-se formando dois grupos. Os que apoiavam o Conselho Libertador Principal da Ucrânia (UGOS) e defendiam a democracia, e os que tinham saído da prisão. Stepan Bandera quis voltar ao totalitarismo, o que era mau para o povo ucraniano», recordou, 63 anos depois, Evguen Stahya, organizador de uma célula clandestina no Donbas em 1941-1943.

No fim da guerra, Bandera encontrava-se na zona de ocupação americana, em Munique. Aí viveu com identidade e documentos falsos. Viveu na pobreza. De acordo com a sua mulher, Yaroslava: «Vivíamos num pequeno compartimento. Tínhamos dois quartos pequnos e uma cozinha, mas éramos cinco pessoas. Ainda assim, estava sempre tudo limpo.»
Em 1954 houve uma cisão nas unidades da OUN no estrangeiro, que Bandera comandava apesar de contestado. Alguns seguiram Matla Zinoviy e Lev Rebet, mas a maioria manteve-se fiel a Bandera. Os dissidentes insurgiam-se contra a liderança de Bandera que consideravam ditatorial. Surgiria ainda uma terceira OUN, a Organização dos Nacionalistas Ucranianos no estrangeiro. Integravam-na sobretudo pessoas que tinham lutado e trabalhado no território da Ucrânia durante a guerra.
A 15 de Outubro de 1959 Stepan Bandera saía de casa quando foi abordado por Bohdan Stachinsky, agente do Comité de Segurança do Estado (KGB) da URSS. Este disparou balas envenenadas contra o nacionalista ucraniano e matou-o.
Ainda vivo, Bandera já era um homem-símbolo. Como escreveu o poeta russo David Samoylov: «Os cavalos galopam pela Ucrânia, sob o estandarte de Bandera.» E continua a sê-lo também depois da morte. Os inimigos acusam-no de alguns crimes de que não é culpado, os apoiantes atribuem-lhe feitos irrealistas. Mas o verdadeiro Bandera pouco teve a ver com as imagens simplistas criadas pelos seus amigos e detractores. Na Ucrânia Ocidental – na Galícia e na Volínia, onde a maioria da população esteve ligada, nos anos 1940 e 1950, à resistência anti-soviética – Bandera é amado, é visto como um herói que se sacrificou pelo povo ucraniano; no restante território da Ucrânia é visto segundo os cânones da propaganda soviética: um colaboracionista nazi e um criminoso.
Apesar de ser uma figura tão polarizadora, Stepan Bandera quase venceu o concurso televisivo «Grandes Ucranianos» em 2008. Viktor Yuschenko, antes de ter abandonado o cargo de presidente, a 20 de Janeiro de 2010, atribuiu-lhe o título de «Herói da Ucrânia», «pela invencibilidade de espírito na defesa da ideia nacional, pelo heroísmo e sacrifício manifestados na luta pela independência do Estado Ucraniano».
A 17 de Fevereiro de 2010, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que considerava Bandera um colaboracionista nazi e a sua actuação contrária aos valores europeus. Lamentou a decisão de Yuschenko e manifestou esperança de que o título fosse retirado.
De acordo com um inquérito apurado junto dos ucranianos após a anexação da Crimeia, em 2014, 48%, apreciava negativamente Bandera, enquanto 31% tinha uma opinião positiva dele.
A 2 de Julho de 2019, Volodymyr Zelensky decidiu manter o título de Herói da Ucrânia a Bandera.
Quando Putin invadiu a Ucrânia em 24 de Fevereiro de 2022, uma das suas justificações para fazê-lo foi confrontar os «banderistas». Isso fez com que Bandera se tornasse num símbolo da resistência ucraniana.