“Reunimos, neste primeiro momento, equipamento para servir entre 25 e 35 mil famílias”, começa por dizer Mea Thompson, Chief Commercial Officer (CCO) da The Unconnected, em entrevista à VISÃO. A organização, com sede no Reino Unido, tem como principal objetivo garantir que são cada vez menos os cidadãos em situação de exclusão digital no mundo.
A equipa prepara-se agora para levar a cabo a maior operação na Europa, partindo na próxima segunda-feira, 14 de março, para a Roménia, onde chegará para garantir que milhares de refugiados ucranianos voltam a estar conectados ao mundo através de telefones, cartões SIM com roaming ativado e chamadas gratuitas para a Ucrânia, power-banks ou cabos de alimentação.
“Reunimos o hardware junto dos nossos parceiros e através de doações que nos foram feitas pela comunidade civil, e estamos prontos para entregar a primeira vaga de material”, continua.
“Estamos coordenados com ONG’s que estão no terreno, e a nossa presença lá prende-se mais com o controlo da entrega dos materiais – temos de verificar a identidade das pessoas, confirmar que são cidadãos ucranianos – e com a formação para utilização dos dispositivos”, acrescenta Andrew Atkinson, fundador e CEO da The Unconnected.
Os responsáveis explicam que, para além do objetivo óbvio de permitir que quem fugiu de casa sem nada não perca o contacto com a família e os amigos, nem o acesso à informação, a necessidade de conectar estes refugiados tem objetivos ainda mais fundamentais: “por exemplo, para pedir um visto para o Reino Unido, atualmente, é preciso fazer todo o processo online. Os passos iniciais desse processo têm, obrigatoriamente, de ser feitos na internet. É ridículo! Como é que as pessoas o conseguem fazer se estiverem em situação de exclusão?”, questiona Andrew. Além disso, é também apenas através da internet que estas pessoas conseguem aceder às suas contas no banco, por exemplo.
Os smartphones com que refugiados fogem, muitas vezes criticados por vozes que se opõem ao acolhimento de migrantes, são na verdade muito mais do que apenas um telefone. São uma porta para o mundo, um passaporte para a sobrevivência.
No mesmo sentido, lembra Mea, as ligações à internet – muitas delas oferecidas por operadoras que trabalham em parceria com a The Unconnected – permitem também que as crianças continuem a ter acesso a desenhos animados ou outros conteúdos que lhes permitam evadir-se do teatro de guerra a que estão confinadas. “Para quem é mãe ou pai, creio que isto é absolutamente compreensível”, recorda.
Os responsáveis estão em contacto com os vários embaixadores que têm em outros países da Europa, de forma a garantir que o máximo de auxílio é prestado aos refugiados da Guerra da Ucrânia, e que estes serão apoiados pela organização, ao longo do tempo. No mesmo sentido, admitem, uma segunda vaga de entrega de material está prevista para daqui a cerca de quatro semanas. “Para já, logisticamente não nos era possível levar mais material. Até para garantirmos que tudo é entregue a quem de direito, e que as pessoas recebem a formação necessária. É preciso ter em atenção que muitas delas nem sequer têm telefone. São poucas, mas ainda existem”, salienta Andrew.
De Portugal para Portugal
São muitas as empresas que, em Portugal, se têm movimentado para apoiar os refugiados que fogem da Ucrânia, seja através de doações em dinheiro para ONG’s como a Cruz Vermelha ou a Médicos sem Fronteiras, seja através da dádiva de bens essenciais.
A plataforma We Help Ukraine, criada dias após a invasão da Ucrânia pela Rússia tem-se dedicado a cruzar necessidades com oferta de ajudas, garantindo que todos os recursos são aproveitados e chegam a quem mais precisa.
A CCA Law Firm é uma das que se inscreveu nesta plataforma – e registou a iniciativa junto da Ordem dos Advogados – logo depois de ter criado uma força tarefa que se tem dedicado a ajudar aqueles que procuram sair da Ucrânia e vir para Portugal, com todas as condições necessárias para que possam recomeçar. “Reunimos voluntários de várias áreas, sobretudo da área de imigração, que ficaram disponíveis para atender a pedidos de ajuda. Fosse de pessoas que estão cá e querem trazer as famílias – há avós que não têm passaportes internacionais, animais que é preciso legalizar… – fosse de pessoas que estão a fugir da Ucrânia e querem vir para Portugal”, explica Rita Trabulo à VISÃO. A associada coordenadora da Startinnovation Team revela que neste momento a CCA está a ajudar 12 famílias, e que o projeto, totalmente desenvolvido em regime pro bono, existirá enquanto “continuarem a existir pessoas deslocadas que precisem de ajuda”.
“Temos atualmente 11 voluntários” a trabalhar neste projeto. “Como sou diretora de conhecimento e inovação acabei por ficar com a parte da coordenação – uma vez que temos de conjugar estas ações voluntárias com o trabalho que tem de ser realizado”, sorri.
Junto dos clientes privados têm tentado perceber quais são os que podem ter processos de recrutamento abertos para receber potenciais trabalhadores, de forma a poderem prestar uma ajuda o mais transversal possível. “Até agora temos prestado sobretudo apoio jurídico àqueles que precisam de viajar, falando com os consulados, ajudando com a documentação necessária para as autorizações de viagem. Depois, quando chegam cá, podemos ajudar com os contratos de trabalho, por exemplo, ou com os contratos de arrendamento”, continua.
“Não é inventar a roda, é apenas tentar pôr os meios que temos e a rede de contactos à disposição”, resume a advogada.
Quinze dias depois de a Rússia ter invadido a Ucrânia, e numa altura em que o conflito já provocou mais de 2 milhões de refugiados, é possível que se multipliquem as ações de empresas e particulares na tentativa de mitigar os efeitos de um conflito que ninguém acreditou ser possível em pleno século XXI. Os esforços coordenados tornam-se, por isso mesmo, cada vez mais relevantes, para que não haja perda de recursos dispersos em ações isoladas.