Manny Marotta andou 20 horas desde a cidade de Lviv, na Ucrânia, até à fronteira da Polónia e usou a rede social Twitter para contar ao mundo a sua jornada.
O jornalista freelancer nasceu nos EUA. Foi aí, na Universidade de Pittsburgh, Pensilvânia, que estudou e é aí que, segundo o que conta à agência de notícias britânica PA, normalmente se encontra, a trabalhar num museu de arte enquanto guia turístico. Hoje, pode dizer ter sobrevivido a uma fuga de um país em guerra depois de, em trabalho como jornalista independente, se ter dirigido à Ucrânia para cobrir o conflito.
Encontrava-se na cidade de Lviv quando, na madrugada de quinta-feira, o exército russo avançou sobre o território ucraniano. Rapidamente chegaram rumores de que um bombardeamento poderia atingir a cidade e foi quando, juntamente com milhares de refugiados, decidiu partir em direção à Polónia em busca da segurança que já não existia no território ucraniano. Viajaram durante a noite, cerca de 20 horas a andar, e foi através da sua conta na rede social Twitter que Marotta contou ao mundo aquela que descreveu como “a pior e mais longa noite” da sua vida.
Caminhou lado a lado com milhares de homens, mulheres e crianças que fugiam para a Polónia. O cenário era o de uma “tragédia humanitária” tanto na Ucrânia como durante a viagem.
No dia do primeiro ataque russo, Marotta registou imagens da rua, enquanto nos altifalantes uma voz masculina dizia: “Mantenham a calma, ajudem os mais velhos e procurem água”, escreve no Twitter. Durante o dia, as suas muitas publicações refletiam a dúvida e o medo que se instaurava na Ucrânia. As descrições do que estava a acontecer eram várias e, muitas vezes, contraditórias. “Há muitos relatos conflituantes”, escreveu na rede social quando ainda se encontrava em Lviv. “Falei com uma equipa de notícias ucraniana que me disse que as tropas russas estão a pressionar a oeste da área de Kharkiv. Não confirmado”.
Um panorama já, por si só, assustador era completo com “cenas surreais”: “um homem a beber de uma poça de água, filas para as caixas multibanco que contornam a esquina, um homem a usar um telemóvel satélite, jornalistas do Japão e da Alemanha”. Tudo “confuso”, acrescenta.
Ao longo do dia, Marotta ia usando o Twitter como um diário no qual registava uma outra realidade, um outro lado da história: a versão do cidadão. “Todos os ucranianos por quem passo estão ao telefone, a ligar a entes queridos”, conta o jornalista. “Perguntei a uma mulher a quem é que ela estava a ligar e ela disse que era à família que estava em Kharkiv (cidade no leste da Ucrânia que segundo alguns meios de comunicação já foi alvo de avanços por parte do exército russo)”.
Marotta continuou a atualizar o que ia acontecendo durante o dia de 24 de fevereiro numa página que criou especificamente para falar sobre a situação ucraniana. Vídeos e imagens captadas pelo jornalista mostravam multidões de pessoas, “algumas a carregar tudo aquilo que têm” a tentar fugir. Entre eles estava também Marotta, retido numa cidade que não era a sua e com receio do que poderia acontecer. Numa das publicações escreve “Na estação de comboio. Filas enormes de refugiados a tentar partir. Estou na fila para um bilhete e a rezar para que não tenham esgotado”. Mais tarde acrescenta “Esta estação de comboios é um alvo porque é uma infraestrutura estratégica. Estão centenas de pessoas aqui. O meu pensamento continua a considerar o pior”.
“Não arranjo bilhete” acaba por escrever. “O próximo comboio a sair de Lviv é para dia 28. Também não há autocarros. Uber não estão a funcionar, assim como o Lyft ou o Blablacar (serviço de boleias a longa distância)”. É assim que finalmente decide “Preciso de andar até à Polónia”.
A viagem
Foi na noite de 24 de fevereiro que o americano iniciou a viagem de 85 quilómetros que seria a “pior” noite da sua vida. Antes de iniciar a jornada deixou o aviso: “Vai escurecer antes de eu começar a longa caminhada. Vou caminhar até chegar à Polónia, 16 horas a pé. Provavelmente não terei internet”. Apesar do aviso, o jornalista foi capaz de documentar a sua viagem, mostrando a realidade dos milhares de ucranianos que foram forçados a fugir do seu país.
Marotta foi, assim, registando, ora em imagem ou vídeo ora em texto, tudo aquilo que presenciava. Um dos vídeos mostra um soldado ucraniano a ordenar ao motorista de um autocarro que entregue todos os seus passageiros do sexo masculino e idades compreendidas entre os 18 e os 60 anos, segundo a descrição. Num outro vídeo é possível observar uma multidão reunida, ouvem-se vozes e alguém a falar mais alto. Na descrição o jornalista escreveu uma citação que será a tradução daquilo que ouviu: “Esquece a tua mulher, esquece a tua filha, luta pela Ucrânia”.
De acordo com os relatos da sua conta de Twitter, Marotta chegou mesmo a presenciar soldados a forçarem alguns homens a regressarem com eles para lutar contra o exército russo. “Fiz amizade com um rapaz de 24 anos chamado Max que foi puxado para fora da caravana enquanto falava connosco. Consegui ficar com o número dele antes de ser recrutado e ele saiu com uma expressão de total incredulidade. Nunca vou esquecer aquela cara”, escreveu. “Espero que ele esteja bem”, diz à agência PA.
Antes de ser recrutado, Max respondeu ainda a algumas perguntas de Marotta, que registou o momento num curto vídeo no qual é possível ouvir o jovem ucraniano dizer “Espero mesmo conseguir passar (a fronteira), mas ouço os homens a gritar que temos de voltar”.
Numa outra publicação, Marotta escreve: “Uma mulher grita para que o exército poupe o seu marido do recrutamento. Um soldado deu-lhe um estalo e levou o seu marido.” E acrescenta “A situação parece desesperante”.
No longo caminho até à Polónia, as pessoas eram diversas e a incerteza não conhecia idades. Desde crianças até idosos, o jornalista americano viu várias realidades na sua viagem. A um dado momento, conta ter visto várias mulheres idosas a carregar sacos ao ombro e decididas a “caminhar 80 quilómetros sozinhas” até à Polónia. Seguiam também crianças “forçadas a caminhar a longa distância sem saber o que se passava”.
“As crianças estavam com frio, com fome, cansadas”, contou em resposta à agência PA. “Estavam a chorar e a perguntar: ‘para onde vamos? O que está a acontecer?'” e acrescenta “Ninguém soube responder”.
Eram sete da manhã quando deu a sua viagem por concluída. Numa imagem que publicou vê-se o céu tingido em tons de azul e rosa, uma paisagem que descreveu como “presente de boas-vindas da natureza”. Na descrição que a acompanha é possível ler “Estou tão inconsolavelmente feliz por estar na UE”.
Passada a fronteira, o jornalista e os seus companheiros de viagem foram recebidos com chá, “chá maravilhoso” escreve. Uma jornada que, embora tenha terminado, não será facilmente esquecida como Marotta evidencia ao dizer “Esta foi a pior e mais longa noite da minha vida. Estou sem palavras.”.
À agência de notícias PA, acrescenta ainda “O mundo ocidental devia estar ciente de como isto é aterrorizante para o povo ucraniano”.