OS AUTORES:
Michael Bar-Zohar nasceu na Bulgária e cresceu em Israel. Um dos maiores especialistas em espionagem, foi membro do Knesset, o parlamento israelita, representante do país no Conselho da Europa e conselheiro para a comunicação social de Moshe Dayan. É autor de mais de 30 obra incluindo Ben Gurion, o retrato definitivo do fundador de Israel, e da biografia de Isser Harel, o famoso diretor da Mossad.
Nissim Mishal É formado em Ciência Política, trabalhou como jornalista político da televisão estatal e foi correspondente em Washington, antes de assumir o cargo de diretor geral da estação.
Desde a Guerra da Independência, o exército de Israel tem estado envolvido em dois combates fundamentais. Um contra os inimigos no país e outro interno: o esforço para elaborar e aplicar princípios humanos rígidos, sem igual em qualquer outro exército. As Forças de Defesa de Israel tiveram de desenvolver técnicas militares para compensar disparidade entre elas e os exércitos árabes. Equiparam-se com as armas mais modernas e sofisticadas; basearam a estratégia na contenção do inimigo em duas frentes, enquanto concentravam os principais esforços militares numa terceira; organizaram uma força aérea impressionante e serviços de informações excelentes; e sobretudo, formaram várias unidades de forças especiais, centradas na excelência física e mental e num planeamento criativo para surpreender o inimigo.
As forças militares esforçam-se ainda por proteger os seus combatentes. Um dos seus princípios é nunca abandonar um soldado ferido ou em dificuldades em território inimigo, resga-tando-o a todo o custo. Libertar judeus em perigo e israelitas no estrangeiro tornou-se também um princípio importante, sejam eles reféns de terroristas, como no sequestro no aeroporto de Entebbe (1976) ou uma comunidade em risco.
Os oficiais não devem apenas formar e treinar os seus homens e mulheres; devem ser os primeiros a confrontar o inimigo, dando-lhes um exemplo pessoal de coragem e devoção.
«Sigam-mel» tornou-se o grito de guerra do Exército de Israel.
Os valores morais, a forte motivação, o treino especial e a estratégia pouco ortodoxa do exército de Israel contribuíram para formar soldados para os quais não há missões impossíveis.
COMBATE POR JERUSALÉM, 1967
«Folha Vermelha! Repito, Folha Vermelha!»
Na madrugada de 5 de junho de 1967, pouco depois de a Força Aérea de Israel ter destruído a maioria dos aviões egípcios no solo, a ordem «Folha Vermelha» soou nos transcetores das forças de terra concentradas junto à fronteira com o Egito. Milhares de tanques, veículos de transporte de tropas, canhões de autopropulsão, jipes e camiões atravessaram a fronteira e atacaram as posições egípcias no Sinai.
Começara a Guerra dos Seis Dias.
Israel não queria ser arrastado também para uma guerra com a Jordânia. O ministro dos Negócios Estrangeiros Abba Eban alertou o general Odd Bull, chefe do Estado‑Maior da Organização de Supervisão da Trégua das Nações Unidas em Jerusalém e pediu‑lhe que transmitisse uma mensagem urgente ao rei Hussein da Jordânia: «Israel não atacará, repito, não atacará a Jordânia se a Jordânia se mantiver tranquila. Mas se a Jordânia abrir hostilidades, Israel reagirá com todas as suas forças.» A mensagem foi entregue ao rei, mas em vão. A 30 de maio, Hussein assinara um pacto militar com Nasser e estava convencido de que dessa vez os Árabes poderiam esmagar os Judeus. O exército jordano recebeu ordens para atacar Israel.

Às 10h45, a Legião Jordana abriu fogo ao longo das linhas do armistício com Israel, bombardeando Netanya, Kfar Saba, Jerusalém e Ramat David. Canhões «Long Tom» colocados perto de Qualkiliya e Jenim, na Cisjordânia, dispararam sobre centros populacionais em Israel. Os jatos jordanos dirigiram‑se para alvos israelitas. A Legião mobilizou também as forças de combate terrestres e ocupou a Government House, quartel‑general de Odd Bull em Jerusalém. A brigada das Tzahal em Jerusalém, reforçada com tanques, contra‑atacou e recuperou o edifício; procurou então estabelecer uma ligação com o enclave israelita no monte Scopus, uma colina com vista sobre Jerusalém, onde uma pequena unidade guardava um hospital e as antigas instalações da Universidade Hebraica.
O comandante do Distrito Militar do Centro, general Uzi Narkiss, decidiu enviar paraquedistas para Jerusalém. O seu lendário comandante, Arik Sharon, já não os liderava. Promovido finalmente a general por Yitzhak Rabin, chefe do Estado‑Maior, comandava agora uma divisão no Sinai. Narkiss enviou para Jerusalém a recem‑criada 55.ª Brigada, composta por paraquedistas na reserva. O seu comandante era um combatente veterano, o coronel Motta Gur.
Motta era um estranho misto de intelectual e combatente nato.
Tinha dezoito anos durante a Guerra da Independência, quando a sua formação na Academia de Oficiais foi interrompida e ele foi mandado, juntamente com os seus camaradas, conquistar Be’er Sheva e combater os Egípcios no Negueve. Gostava de descrever o batismo de fogo aos seus soldados. Durante o seu primeiro combate, dizia, era apenas um jovem assustado e, enquanto as balas zumbiam à sua volta, sentiu uma humidade crescente nas calças. Ficou profundamente envergonhado. Teria urinado nas calças? Era assim tão cobarde? Assim que a batalha terminou, correu para um canto isolado, inspecionou as roupas e suspirou de alívio. Uma bala egípcia tinha‑lhe furado o cantil e a água espalhara‑se pelas calças. … Afinal, não era um cobarde.
Depois de combates duros e sangrentos em que perdera alguns dos melhores amigos, deixou o Exército e matriculou‑se na Universidade Hebraica. Lá conheceu Arik Sharon, mas não ficou impressionado. Ouviu falar da criação da Unidade 101, mas optou por continuar os seus estudos de história e cultura do Médio Oriente até ao dia, em 1955, em que encontrou Aharon Davidi, um antigo companheiro de armas dos combates do Negueve.
«Agora estou nos paraquedistas», disse Davidi.
«O que fazes tu lá?»
Davidi falou‑lhe das missões da unidade; no seu estilo suave e objetivo, descreveu as retaliações, as incursões profundas no território inimigo e o novo espírito que motivava «os tipos das botas vermelhas». Motta ficou entusiasmado. «Vou para lá!», disse, e ingressou nos paraquedistas.
Como comandante da Companhia D, combateu na maioria dos ataques de retaliação. Foi ferido num combate na Faixa de Gaza e foi condecorado por Dayan por bravura. No entanto, tornou‑se o crítico mais aberto de Sharon, fazendo acusações mordazes ao seu comandante após a batalha do desfiladeiro de Mitla e costumava afirmar que «nunca vi as costas de Sharon quando estávamos a atacar o inimigo», querendo dizer que o lendário chefe dos paraquedistas não era de forma alguma um herói. No entanto, manteve‑se no corpo de paraquedistas e teve um desempenho brilhante. Após a campanha do Sinai, durante a qual combateu em Mitla, foi enviado para estudos de alto nível na École Militaire de Paris. Ali, para além dos seus estudos marciais, ele e a mulher, Rita, descobriram a cultura francesa: os teatros, os museus, os livros de Camus, Sartre, Giraudoux. Após o regresso, ocupou vários postos no Exército. Ao fim do dia, tinha de contar histórias aos quatro filhos e preferia escreve‑las. Os seus livros infantis sobre «Azit, o cão paraquedista» foram êxitos editoriais em Israel e deram até origem a um filme.
E a 5 de junho iria liderar a brigada de veteranos de guerra no combate por Jerusalém.
Na tarde desse dia, os ministros Yigal Allon e Menachem Begin entraram no gabinete do primeiro‑ministro, Levy Eshkol. Allon, o lendário antigo comandante do Palmach, era um dirigente do partido de esquerda Ahdut HaAvoda; Begin era o carismático líder do Herut, um partido de direita. Mas ambos eram «falcões» políticos e instaram Eshkol a libertar a Cidade Velha. No entanto, tinham no caminho um enorme obstáculo: Moshe Dayan, o ministro da Defesa, que receava os possíveis danos aos lugares mais sagrados do mundo e a reação internacional à conquista da Cidade Velha. Receava que quaisquer combates no interior de Jerusalém pudessem dar origem a pressões internacionais sobre Israel que também influenciariam a campanha contra o Egito e impediriam Israel de concluir os seus objetivos de guerra. No entanto, Dayan sabia que, se o monte Scopus caísse nas mãos dos Jordanos, isso seria um duro golpe para o prestígio de Israel. Assim, só autorizou as Tzahal a conquistar a estrada para Scopus, no nordeste de Jerusalém.
Cumprindo a ordem de Dayan, Motta atribuiu as missões dos seus três batalhões que atacariam Jerusalém Oriental: o Batalhão 66 de Yossi Yaffe atacaria e ocuparia a Academia de Polícia da Jordânia, bem como a colina das Munições e o Hotel Ambassador, nas proximidades. Os dois outros batalhões ocupariam o Museu Rockefeller num ataque em tenaz. Uzi Eilam, o herói da Operação Flecha Negra, atravessou vários bairros árabes e a Colónia Americana com o seu Batalhão 71 e aproximou‑se do Museu Rockefeller; o Batalhão 28, de Yossi Fradkin, avançou ainda mais ao longo da rua de Saladino, uma artéria importante da parte árabe de Jerusalém, e conquistou o museu e a zona junto à Muralha da Cidade Velha. Os paraquedistas foram apoiados por tanques e artilharia.
Como resultado desses ataques, os paraquedistas passaram a controlar a estrada para o monte Scopus. Todos os objetivos do ataque dos paraquedistas estavam na parte árabe de Jerusalém, mas nenhum se situava no interior da Cidade Velha.
A última reunião dos comandantes de companhias foi realizada no abrigo da família Cohen, no bairro de Beit HaKerem. Durante a reunião, a mãe idosa do proprietário da casa entrou no abrigo e entregou uma bandeira de Israel, velha e rasgada, ao capitão Yoram Zamosh. A sua voz quebrou quando disse aos paraquedistas que a bandeira flutuara sobre a sua casa, na Cidade Velha, durante a Guerra da Independência. Levara‑a quando fora obrigada a abandonar a sua casa e pedia agora aos oficiais que hasteassem a bandeira sobre a Muralha Ocidental. O seu pedido emocionou os soldados; involuntariamente, aquela senhora idosa determinara o objetivo da sua missão, embora não estivesse formulado em nenhum documento oficial.
Às 2h30 da manhã, Uzi Eilam conduziu o seu batalhão para a parte árabe de Jerusalém, atravessou as vedações da fronteira e, após duros combates, ocupou a Colónia Americana e aproximou‑se do Museu Rockefeller. No entanto, as outras operações não correram conforme fora planeado. Os paraquedistas não conheciam bem Jerusalém e os relatórios dos serviços de informações sobre as posições da Legião e o seu poder de fogo estavam longe da realidade. O Batalhão 28, que deveria realizar a segunda parte do movimento de tenaz, atravessou a terra de ninguém seguido por vários tanques e dirigiu‑se ao Museu Rockefeller. Contudo, no cruzamento junto ao muro não virou onde devia e, em vez de avançar pela rua de Saladino, entrou na rua de Nablus, o que se transformou numa armadilha mortal.
A escura rua de Nablus e a Muralha da Cidade Velha eram defendidas por tropas de elite jordanas com ninhos de metralhadoras pesadas e posições de atiradores equipados com morteiros, bazucas e armas sem recuo. Os Jordanos abriram um fogo cruzado assassino sobre os paraquedistas que se aproximavam, infligindo pesadas baixas. O paramédico Shlomo Epstein, que estava a cuidar dos ferimentos de Yossef Hagoel, ouviu o silvo de um projétil que se aproximava e atirou‑se sobre Hagoel para o proteger.
O projétil esmagou‑lhe o corpo, mas Hagoel sobreviveu. O tenente Mordechai Friedman levantou a mão para atirar uma granada a uma posição de tiro rápido num beco escuro e foi ceifado por uma rajada de metralhadora. Caiu e a granada explodiu‑lhe na mão.
O comandante do batalhão pediu ajuda e vários tanques entraram no combate. Alguns foram atingidos, outros ficaram imobilizados.
Só após sete horas de combate é que os paraquedistas conseguiram desobstruir toda a rua, que tinha menos de um quilómetro e meio. Chegaram aos hotéis Columbia, em frente à Porta de Nablus, e Rivoli, junto à Porta de Herodes. Os legionários, barricados no topo do muro, concentraram o seu fogo pesado sobre o Rivoli. Haim Russak tentou salvar um camarada ferido e sucumbiu ao fogo de uma metralhadora jordana. O paramédico Nathan Shechter tentou salva‑lo, mas em vão. O próprio Shechter viria a ser morto pouco depois no Museu Rockefeller.
Enquanto a batalha estava no auge na rua de Nablus, o Batalhão 66 estava envolvido num terrível combate. Os paraquedistas irromperam na cidade árabe e invadiram a Academia de Polícia. À sua frente estava a companhia de Giora Ashkenazi, que avançava utilizando bangalores – cargas explosivas tubulares compridas que faziam explodir as vedações de arame farpado e abriam caminho através dos campos de minas. Giora foi seguido pela companhia de Dodik Rotenberg, que invadiu as trincheiras fortificadas e o edifício da Academia. As companhias de Gabi Magal e Dedi Yaakobi limparam o edifício e fizeram uma pausa, vendo os contornos sinistros da colina das Munições.
A colina era um temível bastião, um complexo fortificado que funcionara como Academia de Polícia durante o mandato britânico. Os Jordanos tinham‑na transformado numa fortaleza inexpugnável. A colina estava rodeada por vedações e rasgada por trincheiras estreitas e sinuosas revestidas a pedra que alguns escritores descreveram mais tarde como entranhas emaranhadas. A maioria das posições tinha cobertura e entre elas situavam‑se abrigos de betão, posicionados de forma estratégica. Cada centímetro da colina estava coberto por fogo cruzado com várias origens. A colina era defendida por soldados de elite, os melhores de entre os legionários. Eram combatentes excelentes e determinados que sabiam que não tinham qualquer saída e eram obrigados a lutar até à morte.
Dedi Yaakobi levou os seus paraquedistas para conquistar a colina, mas os homens perceberam rapidamente que estavam encurralados num inferno mortífero, expostos a um fogo cerrado e assassino de todos os lados. Ribombaram na noite rajadas de metralhadoras, explosões de bombas e granadas, gritos dos feridos e estertores de morte. Os paraquedistas avançaram para as trincheiras estreitas, mas eram um alvo fácil para o fogo cerrado proveniente dos abrigos. A companhia dividiu‑se em várias unidades e todas elas tiveram um destino sombrio. O pelotão do cabo Meir Malmudi foi dizimado numa armadilha de fogo cruzado em campo aberto. Yoram Eliashiv, discreto e tranquilo, foi morto à frente do seu pelotão. Uma bala perfurou a testa de Yirmi Eshkol, o vice de Dedi. Pouco depois do início do combate, a maioria dos homens de Dedi estava morta ou ferida. Este pediu ajuda a Dodik, mas mesmo antes de os reforços chegarem, os soldados sobreviventes, alguns dos quais gravemente feridos, continuaram a avançar rapidamente para as trincheiras traiçoeiras, muitas vezes tropeçando nos corpos dos legionários mortos.
Destino semelhante aguardava os soldados de Dodik. O comandante de pelotão Yoav Tzuri conduziu os seus homens por um campo aberto onde os soldados de Malmudi tinham sido mortos. Foi, por sua vez, atingido e caiu morto. O vice de Dodik, Nir Nitzan, levou outro pelotão para a parte ocidental da trincheira periférica.
Ordenou a Eitan Nava, um rapaz duro de um moshav, que saísse da trincheira e corresse à frente dos paraquedistas, disparando contra o inimigo com a sua minimetralhadora. Nava sabia que era uma missão suicida, mas não hesitou. Saltou da trincheira e correu para a frente, disparando incessantemente contra os Jordanos, mas também atraindo fogo de todos os lados. Os seus camaradas gritaram‑lhe:
«salta para a trincheira, vais ser morto!», mas ele continuou a correr, alvejando trinta legionários antes de morrer.
Outro combatente, Israel Zuriel, saltou imediatamente da trincheira e tomou o lugar de Nava. Contra todas as probabilidades, sobreviveu.
A maioria dos paramédicos que percorriam as trincheiras entre dezenas de feridos foi ferida ou morta. Didier Guttal agachou‑se numa das trincheiras, com o braço arrancado do corpo. Outro paramédico, Yigal Arad, corria como louco entre os feridos das duas companhias, fazendo pensos em ferimentos, apertando torniquetes e finalmente cuidando de membros partidos.
De várias direções, os soldados sobreviventes aproximaram‑se do abrigo principal. Zvi Magen, um vice‑comandante de pelotão, avançou à frente dos seus soldados e tentou atirar uma granada de mão para o abrigo; foi morto por uma rajada de metralhadora.
Entretanto, o sol levantou‑se a leste e expôs os paraquedistas ao fogo preciso dos atiradores especiais e das metralhadoras. No entanto, continuaram a combater, avançando centímetro a centímetro para o enorme abrigo. Era um abrigo duplo, protegido por placas de betão com quarenta e cinco centímetros de espessura. Estes paraquedistas aproximaram‑se do abrigo por ambos os lados – Yaki Hetz, David Shalom e Yehuda Kendel. Todos os seus esforços para o destruir com disparos de armas automáticas, bazucadas e granadas de mão falharam. O comandante ordenou‑lhes que trouxessem sacos de explosivos, que empilharam junto às paredes do abrigo. Uma enorme explosão rebentou o abrigo e, no entanto, os soldados tiveram de enfrentar e matar cinco legionários que tinham sobrevivido milagrosamente.
O combate terminou às seis horas e quinze minutos da manhã. Trinta e seis paraquedistas e setenta legionários morreram na colina das Munições.
Alguns legionários foram capturados e a sua primeira tarefa foi enterrar os camaradas mortos. Um paraquedista espetou uma placa improvisada junto à sepultura: AQUI JAZEM 28 LEGIONARIOS. Outro combatente corrigiu a placa: «… 28 corajosos legionários».
A colina das Munições estava nas mãos dos paraquedistas, mas a que preço! Apenas restavam alguns sobreviventes das duas companhias. Um poeta israelita, Yoram Taharlev, escreveu um poema arrepiante sobre o combate:
Sete regressaram à cidade
E o fumo ainda se elevava no monte
O sol estava alto a leste
Na colina das Munições
Ali, nos abrigos de betão
Todos os nossos queridos camaradas de armas
Deixados para trás, eternamente jovens
Na colina das Munições.
Os paraquedistas controlavam agora a Academia de Polícia, a colina das Munições e o Museu Rockefeller, que tinham sido ocupados pelo 71.º Batalhão de Eilam e pela Companhia A do 28.º. A estrada para o monte Scopus estava aberta; nessa mesma manhã, Dayan e vários oficiais superiores visitaram o enclave israelita. Os paraquedistas e outras unidades que combatiam nesse setor receberam então ordens para cercar a Cidade Velha por todos os lados até que esta caísse «como um fruto maduro». A brigada de Jerusalém concluiu a conquista do bairro de Abu Tor, a sul da Cidade Velha; o coronel Uri Ben‑Ari, que comandava uma brigada blindada, ocupou a colina Mivtar e a colina Francesa, a nordeste da cidade. O alto comando jordano apressou‑se a enviar uma força de quarenta e dois tanques Patton para Jerusalém, mas os jatos israelitas destruiram‑nos na estrada ainda antes de se aproximarem.
Ao cair da noite, Motta Gur enviou uma unidade de tanques e os comandos paraquedistas de Micha Kapusta para a última colina a norte de Jerusalém – o monte das Oliveiras e o complex Augusta Victoria. Mais uma vez, os Israelitas enganaram‑se no caminho; os tanques ficaram presos numa ponte sobre o ribeiro Kidron, em frente às posições da Legião. Foram confrontados com um enorme tiroteio de canhões e metralhadoras. Os comandos foram atingidos: uns foram mortos, outros caíram no ribeiro e alguns dos seus jipes capotaram ou incendiaram‑se. Micha Kapusta correu para o riacho seco para tentar salvar alguns dos seus homens. Juntou‑se a ele o lendário Meir Har‑Zion, que não estava de serviço, mas correra para Jerusalém para estar com os seus camaradas. O massacre do ribeiro Kidron foi muito duro para Mota Gur, que o acompanhou a partir do seu novo posto de comando no Museu Rockefeller; além dos seus problemas no ribeiro Kidron, estava agora sujeito a um intenso bombardeamento por parte dos Jordanos. Quase perdeu a voz a gritar aos seus homens para que se abrigassem. Sentou‑se no chão entre eles, abatido e angustiado ao pensar em todos aqueles bons soldados que tinham morrido. Mas rapidamente recuperou a compostura; no final do dia 6 de junho, parecia que os Jordanos estavam a ceder.
Às 4h00 da manhã, Menachem Begin ouviu na rádio o noticiário da BBC, afirmando que os combates no Sinai estavam a chegar ao fim e que o Conselho de Segurança da ONU estava prestes a declarar um cessar‑fogo. Begin transmitiu a notícia a Eshkol e a Dayan, que a levaram muito a sério; se não tomassem medidas de imediato, a Cidade Velha poderia continuar a ser um enclave jordano em território ocupado pelos Israelitas. Assim, ultrapassaram as hesitações e deram as ordens para a conquista da Cidade Velha.
Ao amanhecer, os paraquedistas de Motta e vários tanques tomaram Augusta Victoria e o monte das Oliveiras. Uma das baixas em Augusta Victoria foi Giora Ashkenazi, o comandante da companhia que liderara os seus homens no ataque à Academia de Polícia, na noite anterior. O posto de comando avançado de Motta instalou‑se no monte das Oliveiras, junto ao Hotel InterContinental. Diante deles estava, em todo o seu esplendor, o cenário de conto de fadas da Cidade Velha.
«Jerusalém» funcionou como uma palavra mágica que reacendeu o espírito de combate dos soldados daquela brigada tão desfalcada. O 71.º Batalhão reorganizou‑se no monte das Oliveiras; o 66.º, em Scopus e o 28.º, junto à Muralha da Cidade Velha, informaram que também estavam prontos para o combate.
Chegara o momento. Motta transmitiu pela rádio uma ordem aos seus homens e aos tanques que os apoiavam: «Ataquem a Cidade Velha!»
Motta saltou para o seu veículo meia‑lagarta e acelerou para a Porta dos Leões, na Muralha da Cidade Velha. Pelo caminho, ultrapassou os tanques e colocou‑se à frente da coluna. O seu condutor, um soldado enorme chamado Bentzur, acelerou como um louco e, no entanto, Motta continuava a gritar‑lhe palavras que se tornariam famosas na tradição israelita: «Vai, Bentzur, vai!»
O veículo meia‑lagarta arrombou a Porta dos Leões. Talvez a porta estivesse armadilhada; talvez os legionários estivessem à espera nos becos estreitos e sinuosos; talvez houvesse uma mina escondida numa moto caída no meio da rua, bloqueando a passagem a Motta, que não pensou em nada disso. Ordenou ao seu condutor que passasse por cima da moto e se dirigisse ao monte do Templo, onde se situava o templo de Salomão desde há milhares de anos. «Vai, Bentzur, vai!», repetia, obcecado por um único pensamento: o que diria Ruthy, a sua filha pequena, quando soubesse que ele tomara o monte do Templo? O veículo meia‑lagarta subiu pelas ruas estreitas e subitamente apareceu na ampla esplanada no topo do monte. A cúpula dourada da mesquita de Omar brilhava à sua frente.
A voz de Motta soou rouca nos rádios e walkie‑talkies do Exército e em breve seria repetida em todas as rádios de Israel e do mundo: «O monte do Templo está nas nossas mãos!»
Moshe («Stempa’le») Stempel, o vice e amigo íntimo de Motta, correu com Yoram Zamosh e alguns outros paraquedistas para a Muralha Ocidental, o último vestígio do Templo de Salomão. Zamosh tirou uma bandeira dobrada da sua bolsa. Era a bandeira que a velha Senhora Cohen trouxera em 1948 do Bairro Judeu da Cidade Velha de Jerusalém e lhe fora entregue algumas horas antes do início da batalha de Jerusalém. Zamosh e os seus camaradas icaram‑na sobre o muro.
O povo judaico em Israel e na diáspora sentiu‑se como se estivesse a sonhar. As orações de milhares de anos tinham‑se tornado realidade.
Cento e oitenta e dois soldados, noventa e oito dos quais paraquedistas, morreram na batalha de Jerusalém.
Três dias depois, a Guerra dos Seis Dias terminou. Israel conquistara Jerusalém, a Cisjordânia, a Península do Sinai e os montes Golã.
Estaria a paz mais próxima?
GENERAL MORDECHAI («MOTTA») GUR – ANTIGO COMANDANTE DA 55.ª BRIGADA
[Traduzido do seu discurso na cerimónia da vitória dos paraquedistas no monte do Templo, a 6 de dezembro de 1967]
«Aos paraquedistas, conquistadores de Jerusalém:
«Quando o monte do Templo foi ocupado pelos Gregos, os Macabeus libertaram‑no; Bar‑Kochva
e os zelotes combateram os destruidores do Segundo Templo. Durante dois mil anos, o monte do Templo esteve interdito aos Judeus.«Até vocês chegarem – vocês, paraquedistas –, trazendo‑o de novo para o coração da nação. A Muralha Ocidental, com todos os corações a bater na sua direção, está de novo nas nossas mãos. «Muitos judeus arriscaram a vida, na nossa longa história, para chegar a Jerusalém e ali viver. Inúmeros cânticos de anseio exprimem a profunda saudade de Jerusalém que existe no coração dos Judeus.
«Durante a Guerra da Independência, foram feitos enormes esforços para restaurar o coração da nação – a Cidade Velha e a Muralha Ocidental.
«O grande privilégio de fechar o círculo, de devolver ao nosso povo a sua capital e cidade santa, coube‑vos a vós.
«Muitos paraquedistas, entre os nossos melhores e mais experientes camaradas, caíram durante o cruel combate. Foi uma batalha intensa e difícil, em que os paraquedistas atuaram como um só, avançando, esmagando todos os obstáculos sem prestar atenção às suas feridas.
«Vocês, paraquedistas, não discutiram, não se queixaram, não reclamaram. Limitaram‑se a avançar e conquistar.
«Jerusalém é vossa, para sempre.»