Durante a campanha eleitoral para a presidência da Argentina – que terminou este domingo, 19, com a sua vitória na segunda volta – Javier Milei deixou os seus cães clonados (sim, clonados) numa espécie de creche, longe dos holofotes, mas nem isso os livrou da ribalta. Sergio Massa, agora ex-ministro da Economia e o seu principal adversário nas eleições, ao criticar a recusa de Milei em aceitar o aquecimento global, disse que os pais estão preocupados com o futuro do planeta, ao contrário daqueles “que falam com os seus cães como se fossem seus filhos”.
Conan, Murray, Milton, Robert e Lucas são os seus “filhos de quatro patas”, a quem já dedicou a vitória nas eleições primárias presidenciais da Argentina em agosto. Estes seus “descendentes diretos”, como tanto apregoa, não são crias tradicionais de nenhum outro animal. São clones, cópias genéticas do primeiro cachorro de Milei, também chamado Conan, e foram desenvolvidos num laboratório no estado de Nova Iorque, nos EUA.
Se a três dos seus cães Milei quis dar um nome em honra dos seus ideais libertários – os dos economistas americanos conservadores (Murray Rothbard, Milton Friedman e Robert Lucas), com o seu primogénito canino quis prestar homenagem ao filme Conan, O Bárbaro. Sobre este, o presidente eleito não esconde que lhe fez muitas vezes companhia, incluindo quando passou vários natais sozinho e a sentir-se abandonado pelas pessoas mais próximas.
Ao longo da campanha eleitoral, manteve o hábito de nos comícios mostrar imagens dos seus cães, que distribuía à multidão antes de pegar numa motosserra – a metáfora preferida para os cortes profundos que prometeu fazer para terminar com a grave crise financeira na Argentina.
Se pouco ainda se sabe sobre a formação do próximo governo, uma coisa o economista de 53 anos já disse: pretende nomear Daniel Salamone, cientista argentino que dedicou a sua carreira à clonagem de animais, como presidente de um influente conselho científico nacional. Considera-o “o clonador nacional”, mas a classe científica está preocupada pelo facto de Milei negar o papel dos seres humanos nas alterações climáticas.
As encomendas por parte de proprietários ricos de animais de estimação é uma tendência crescente, apesar de levantar muitas questões éticas. Mas, não é uma novidade. Algumas empresas nos EUA, na China e na Coreia do Sul clonaram centenas de cães desde o primeiro canino clonado em 2005, já lá vão 18 anos. E entre as celebridades também não é novidade: A cantora Barbra Streisand tem dois clones do seu coton de tuléar, enquanto o casal Barry Diller e Diane von Furstenberg, empresário e estilista, têm três clones de um jack russell terrier.
50 mil dólares para clonar um cão
Para clonar os seus cães, Javier Milei contratou a PerPETuate, dirigida por Ron Gillespie, 75 anos, que começou no mundo da inseminação de gado, virando-se depois para a “preservação genética”, com sede na Grande Ilha do Havai.
O contacto entre ambos teve início, em 2014, quando Milei lhe enviou um e-mail a dizer que estava interessado em clonar Conan. “Ele disse que esse cão era a vida dele”, recorda Gillespie ao jornal New York Times.
Pagou 1 200 dólares (1 098 euros) e enviou uma amostra de tecido de Conan aos parceiros de negócios de Ron Gillespie, cientistas do Instituto Politécnico Worcester, Massachusetts. A partir desse tecido foram cultivadas células com ADN de Conan que seguiram para a criopreservação. Algumas células permanecem congeladas em Worcester.
Quatro anos depois, Conan morreu e Milei dispôs-se a pagar 50 mil dólares (45 750 euros) pelo procedimento que lhe garantiria pelo menos um clone. A clonagem de um cão requer, normalmente, mais de 100 óvulos – ou cerca de um ano de óvulos de cinco a dez caninos – que são colhidos cirurgicamente de cães doadores, explica Gillespie.
Desde que a ovelha Dolly se tornou o primeiro clone de mamífero em 1996, a tecnologia de clonagem de cães é basicamente a mesma. Os cientistas removem o núcleo de cada óvulo doador, limpando-os de todo o seu ADN. Nesses ovos vazios, os cientistas inserem as células cheias de ADN do animal que está a ser clonado. Após a estimulação do óvulo com uma injeção de eletricidade, forma-se um embrião unicelular que de imediato se começa a multiplicar. Entre dez a 15 desses embriões são depois implantados no útero de um cão substituto. Alguns bioeticistas e grupos defensores do bem-estar animal questionam a ética da clonagem de animais de estimação, tanto pela utilização de animais para doar óvulos e transportar fetos clonados, como pelo facto de já existirem milhões de animais de estimação indesejados.
Para clonar os cães de Milei, Ron Gillespie contratou a ViaGen Pets, com sede nos arredores de Austin, no estado do Texas, a única empresa norte-americana de clonagem de cães. A ViaGen não revelou quantos óvulos foram usados para clonar Conan, mas esclareceu que cerca de três em cada quatro casos, a clonagem de um cão produz apenas um clone. No caso de Milei, em 2018, produziu cinco.
Quando os cinco clones chegaram à Argentina, “ele estava em êxtase”, recorda Gillespie. Conan “é literalmente um filho para mim”, disse Milei a um site de notícias argentino em 2018. Os outros quatro clones “são como meus netos”. Como qualquer criança, os cinco mastins são endiabrados. “A minha casa é como o Kosovo. Em duas semanas, comeram quase quatro poltronas”, contou na televisão. Cinco anos depois, o maior do quinteto pesa quase 100 quilos.
Veremos o que lhe dizem “os melhores estrategas do mundo”, como lhes chamou no evento de encerramento da sua campanha, agora que vai liderar uma das maiores potências da América Latina.