A candidatura de Pope marca a primeira vez nos 70 anos de história da OIM que um vice-diretor-geral em exercício contesta o cargo de diretor-geral, movimento incomum que tem preocupado especialistas.
O ex-chefe de desenvolvimento e avaliação de políticas no escritório do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, Jeffrey Crisp, tem sido uma das vozes a expressar precocupação com o impacto que esta corrida entre Pope e Vitorino pode ter na dinâmica diária da OIM.
“Se Vitorino não está a planear retirar-se, então deve haver uma atmosfera muito gelada na direção da OIM. É por isso que Amy Pope viaja tanto?”, questionou Crisp na rede social Twitter.
“Alguém poderia explicar porque é que os Estados Unidos estão a pressionar tanto para que Amy Pope se torne diretora-geral da OIM? (…) Uma luta Estados Unidos-União Europeia pela posição está em jogo?”, questionou ainda Crisp, que também trabalhou para o British Refugee Council e tem vasta experiência em questões globais de refugiados e migração.
Amy Pope é a nova aposta do Governo de Joe Biden para liderar a OIM, organização que tem sido dirigida maioritariamente por norte-americanos e que nunca teve uma mulher no comando.
Esta é vista como uma tentativa de os Estados Unidos voltarem à liderança de organizações multilaterais, após quatro anos de afastamento e rejeição protagonizados pelo Governo de Donald Trump.
Em 2018, Vitorino derrotou precisamente o polémico candidato apoiado por Trump, Ken Isaacs, que apresentava um histórico de declarações anti-imigrantes.
Em entrevista à agência France Presse (AFP) em março passado, Amy Pope, de 49 anos, admitiu que foi “um pouco estranho” concorrer para destituir o seu chefe, António Vitorino.
A norte-americana advogou que a decisão de competir contra o seu chefe de 66 anos – apenas o segundo cidadão não-americano a comandar a OIM em sete décadas de história – deveu-se à necessidade de colocar “a organização no século XXI” e levar mais “energia” ao cargo, naquilo que aparentou ser uma critica velada à postura e idade do português.
“Acho que a nacionalidade importa menos do que o estado de espírito, os níveis de energia, a visão estratégica e a vontade de trabalhar muito. Este não é um trabalho de aposentadoria”, disse Amy Pope à AFP, que se procura posicionar como uma alternativa mais jovem e enérgica face ao advogado português.
“Ainda estamos um pouco presos às velhas formas de ver a migração”, afirmou, insistindo que uma “visão real” era necessária para provocar uma mudança cultural.
Em entrevista à plataforma Devex, a candidata foi mais direta e considerou que António Vitorino tem uma “abordagem da geração mais velha” e avaliou que o português “não está interessado em reformular o papel da organização”.
Em resposta à mesma plataforma, Vitorino optou por não responder à questão da idade, mas observou que o último norte-americano a dirigir a OIM – William Swing – tinha quase 80 anos quando foi nomeado para um segundo mandato, em 2013.
Em março último, António Vitorino garantiu à agência Lusa estar “muito confiante” no trabalho que desenvolveu nos últimos anos e admitiu estar “perfeitamente disposto e com energia” para disputar a reeleição.
“Estou muito confiante no trabalho que fiz durante estes quatro anos e meio e portanto, estou perfeitamente disposto e com entrega e energia para disputar esta eleição”, disse o português, numa entrevista nos escritórios da OIM em Nova Iorque.
“A situação das migrações à escala global fez com que a OIM seja cada vez mais imprescindível. Nós crescemos muito durante estes quatro anos e meio sob a minha liderança. Crescemos porque somos capazes de responder aos desafios, mas crescemos também porque há muito mais crises humanitárias, muito mais desafios, muito mais migrantes a necessitarem da ação e do apoio da OIM”, acrescentou.
Para ultrapassar Vitorino, Pope terá que conquistar o bloco da União Europeia que apoiou o português nas últimas eleições e que mantém esse apoio, além de angariar votos de outros continentes cujas votações poderão oscilar para qualquer um dos lados.
Nesse sentido, a norte-americana tem usado as últimas semanas para fazer uma intensa campanha em países da América Latina ou de África, continentes que acusa Vitorino de não visitar.
Um levantamento feito pela plataforma Devex com base na agenda de Vitorino indica que o português fez apenas duas viagens a África – Níger e Guiné Equatorial – e nenhuma viagem à América Latina, sul da Ásia, sudeste Asiático ou leste Asiático no ano anterior a Amy Pope anunciar a sua candidatura (outubro de 2022).
Desde que a norte-americana anunciou a sua candidatura, António Vitorino intensificou drasticamente as suas viagens, apesar de manter uma campanha muito mais discreta do que a sua adversária.
Nos meses seguintes ao anúncio do Pope, Vitorino viajou para Ruanda, Angola, Brasil, Chile, China, Quénia, Etiópia, República Dominicana, Arábia Saudita, Turquia, Catar, vários países europeus e ainda para a cidade norte-americana de Nova Iorque, advogando que as suas deslocações não estão relacionadas com a campanha.
O diretor-geral contestou ainda qualquer sugestão de que não se tem deslocado a países onde o flagelo da migração é significativo.
“Desculpe, já estive 15 vezes em África desde que assumi o cargo. Eles não têm outro argumento”, disse Vitorino sobre os seus críticos, segundo a Devex.
“Um mês depois que os talibãs assumiram o poder em Cabul, eu estava em Cabul. Eu estava em Gaziantep, na Turquia, duas semanas após o terremoto. Fui o primeiro diretor de agências da ONU a encontrar-se com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em Kiev”, argumentou ainda
A eleição, por voto secreto entre os membros da OIM, está marcada para 15 de maio.
MYMM // APN