Imagine que não tem dinheiro, não tem sequer uma conta bancária e tudo o que possui é a sua casa e o que ela contém. E que literalmente de um momento para o outro, o pouco – que é muito – desaparece com uma inesgotável enxurrada de lama, detritos, lixo…
É neste total desespero que vivem milhares de famílias em Moçambique, em diversas regiões do país. Pessoas que tudo perderam após a passagem do ciclone tropical Freddy, já considerado um ‘case-study‘ em termos climatéricos devido não só à sua intensidade mas também à sua duração, ao ter-se prolongado por longas cinco semanas por várias regiões africanas.
Para muitas famílias, foi também o desalento de ver desaparecer, soterrado em lodo, as múltiplas hortinhas, base fundamental de subsistência alimentar na região. E como uma tragédia, como diz o ditado, nunca vem só, é a cólera que está agora a alastrar entre a população, com os registos da Cruz Vermelha a apontar para mais de 25 mil casos.
Foram estas histórias trágicas de fome, perda, doença e luto que não deixaram indiferente Evelize Ferreira, presidente da Associação Xima. Em parceria com a igreja São Francisco Xavier, no Restelo, o tempo é de entreajuda e muito trabalho em contra-relógio para preparar o contentor que no final desta semana vai seguir para Moçambique.
“Precisamos de tudo o que nos quiserem dar! Kits anti-cólera, roupa (só de verão), calçado, esteiras ou colchões de campismo, papas para crianças, bens não perecíveis como arroz ou farinha… Um saco de farinha, por exemplo, alimenta uma família de 11 pessoas. Sempre houve muita subnutrição e agora está a ser naturalmente pior”, apela a presidente da Casa Xima, associação que se dedica a “promover o desenvolvimento pessoal e social da participação ativa da Mulher Moçambicana na sociedade”.
À associação têm chegado também muitos pedidos de ancinhos e enxadas de utensílio agrícola. “Quelimane é o maior celeiro de Moçambique e com o ciclone as colheitas ficaram todas devastadas. Eles estão desesperados para recomeçar, mas perderam todas as ferramentas. Estas pessoas perderam literalmente tudo e na prática tudo lhes falta. Acima de tudo, não queremos deixar um centímetro livre do contentor que vai depois seguir via marítima”, sublinha a presidente.
E nem convém, até porque o seu transporte vai ser pago pela associação, por isso, quem não tiver bens materiais para doar e quiser contribuir poderá sempre fazer um donativo monetário. Estes serão também utilizados para ajudar na reconstrução das casas. “As pessoas pedem-nos chapas de zinco para usar como telhado das palhotas mas, claro, isso não iremos levar. Essa despesa será financiada pelos donativos monetários que estamos a receber”, adianta ainda a presidente da Casa Xima, acrescentando que a associação está a trabalhar diretamente com o município de Quelimane, que tem o devido registo das pessoas mais afetadas.
“Estou em contacto permanente com Moçambique desde que de lá saí, em 1982. Conheço bem a realidade do país e sei que as pessoas precisam realmente de ajuda. A província da Zambézia, em particular, tem sido muito massacrada com os desastres naturais e é desolador. O país precisa de uma alavanca nossa, de quem veio para Portugal e tem hipótese de poder ajudar e é isso que sinto – como moçambicana e também como portuguesa tenho obrigação de ajudar”, explica a responsável por esta associação criada em 2015.
Muito direcionada para as mulheres moçambicanas, autênticas âncoras nas comunidades locais, a associação Casa Xima foi buscar o seu nome à designação habitualmente dada em Moçambique à farinha. “A farinha é o sustento alimentar para a maioria das famílias moçambicanas e pode ser de mandioca ou farinha de milho, tudo é designado como Xima”.
Desde a sua criação, a associação já ajudou a construir uma escola e está neste momento envolvida na recuperação de outras duas que funcionavam em condições muito precárias (em Inhambane e Mocuba). Para estas ações, a instituição tem contado com donativos por parte de algumas empresas portuguesas e eventos promovidos pela Casa Xima, cuja receita reverte para esta bolsa de obras.
Mas não só. “Temos feito vários eventos sempre que nos chegam pedidos de socorro. Também temos trabalhado com instituições que nos abraçam e ajudamos não só Moçambique mas também pessoas de Moçambique que vivem em situações muito complicadas cá em Portugal. Não poderia ser de outra forma, até porque a nossa associação está sediada em Portugal”, lembra Evelize Ferreira.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que o ciclone Freddy matou 605 pessoas em Moçambique, Malawi e Madagáscar, devendo o número de óbitos aumentar, uma vez que cerca de 300 pessoas estão dadas como desaparecidas.

O ciclone Freddy atingiu Moçambique pela primeira vez no dia 24 de fevereiro e registou um segundo embate a 11 de março. Cerca de 800 mil pessoas foram afetadas e devido às inundações em algumas regiões, como Maputo, Gaza e Inhambane, mais de 100 mil casas ficaram completamente destruídas.
Para além deste rasto de destruição, Moçambique atravessa um surto de cólera em Niassa, Tete, Zambézia, Sofala, Maica, Gaza, Inhambane e Cabo Delgado. Até ao momento, quase 25 mil pessoas já contraíram cólera, segundo dados da Cruz Vermelha.
Quem quiser contribuir para as vítimas do Freddy através de bens para a Casa Xima poderá fazê-lo até esta quinta-feira, dia 27 (inclusive), através da entrega de donativos na igreja de São Francisco Xavier, no Restelo, entre as 16 e as 19 horas.