O acórdão da mais alta instância judicial norte-americana, que consagra o direito dos cidadãos a saírem armados de suas casas, “é contrária ao bom-senso e à Constituição”, defendeu Biden num comunicado, apelando “a todos os norte-americanos (…) para fazerem ouvir as suas vozes sobre a segurança das armas de fogo”.
Esta decisão do Supremo “devia preocupar-nos a todos”, sublinhou o Presidente norte-americano, porque “há vidas em jogo”.
Contra a opinião dos seus três colegas progressistas, os seis juízes conservadores do Supremo Tribunal afirmaram hoje claramente pela primeira vez que os cidadãos norte-americanos têm o direito de transportar armas fora dos respetivos domicílios, num acórdão que complicará os esforços para combater uma violência já alarmante no país.
Esses seis juízes invalidaram uma lei do Estado de Nova Iorque que, há mais de um século, restringia fortemente as licenças de porte de armas.
A decisão surge numa altura em que os Estados Unidos estão ainda em choque com uma série de massacres perpetrados com armas de fogo, um dos quais, a 24 de maio, fez 21 mortos numa escola primária do Texas, levando senadores republicanos até então contra qualquer regulamentação sobre armas a apoiar reformas modestas.
A governadora democrata do Estado de Nova Iorque, Kathy Hochul, condenou, por seu lado, uma decisão “vergonhosa em plena tomada de consciência nacional sobre a violência das armas”.
Celebrando, em contraste, uma “imensa vitória”, o poderoso ‘lobby’ das armas, a National Rifle Association (NRA), saudou uma “viragem para os homens e mulheres honestos da América e o resultado de décadas de luta”.
Em concreto, a decisão incide sobre uma lei nova-iorquina que desde 1913 limita a emissão de licenças de porte de armas ocultas às pessoas com razões para crer que poderão precisar de defender-se, por exemplo por causa da sua profissão ou por serem alvo de ameaças.
Essa lei foi contestada na justiça por dois proprietários de armas de fogo a quem foram recusadas licenças de porte e por uma filial da NRA, que defende uma leitura literal da segunda emenda da Constituição dos Estados Unidos.
Ratificada em 1791, esta estabelece que “sendo necessária uma milícia bem organizada para a segurança de um Estado livre, o direito que o povo tem a possuir e transportar armas não será infringido”.
Em 1939, o Supremo Tribunal considerou que a segunda emenda protegia o direito a utilizar armas no âmbito de uma força de manutenção da ordem, como o exército ou a polícia, mas não era um direito individual à autodefesa.
Em 2008, mudou de posição num acórdão histórico e estabeleceu pela primeira vez um direito individual a possuir uma arma em casa para defesa própria.
Na altura, deixou contudo às cidades e aos Estados federados a missão de regularem o transporte de armas fora do domicílio, pelo que atualmente as normas variam muito de um local para outro.
O acórdão de hoje põe fim a esta margem, fixando na letra da lei o direito ao porte de “uma arma de fogo fora de casa”.
O Supremo Tribunal age “sem considerar as consequências potencialmente mortais da sua decisão”, lamentou em nome dos três juízes progressistas daquela instância judicial o magistrado Stephen Breyer, recordando que, “em 2020, 45.222 norte-americanos foram mortos por armas de fogo”.
Numa primeira fase, a decisão deverá fazer cair leis semelhantes à de Nova Iorque em vigor em cinco outros Estados, alguns dos quais muito populosos, como a Califórnia ou Nova Jérsia, e a cidade de Washington.
Outras restrições em vigor essencialmente nos Estados democratas poderão ser judicialmente contestadas, nos termos deste novo enquadramento legal.
Quase 400 milhões de armas estavam em circulação entre a população civil nos Estados Unidos em 2017, o que equivale a 120 armas por cada 100 pessoas, segundo o estudo Small Arms Survey.
No ano passado, mais de 20.000 homicídios com arma de fogo foram registados na página da internet Gun Violence Archive.
ANC // SCA