Na sequência do pacto de segurança firmado entre a China e as Ilhas Salomão em abril, que poderá abrir o caminho para a construção de uma base militar da China no pequeno país, cuja distância até à costa oriental da Austrália limita-se apenas a 2 mil quilómetros, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês começou esta quinta-feira, dia 26, um périplo de 10 dias pelo Pacífico Sul, no qual irá passar por 8 países. A primeira paragem de Wang Yi foi precisamente Honiara, a capital das Ilhas Salomão. Seguem-se várias ilhas da região, entre elas Fiji e Timor-Leste.
Ao longo das quase duas semanas, Yi a sua equipa de diplomatas parece inclinada para utilizar estas visitas de cortesia de modo a estender a sua influência no Pacífico Sul e extrair algumas concessões económicas dos vários executivos insulares, pelos menos segundo o que dizem documentos obtidos pela agência noticiosa norte-americana Associated Press (AP).
Um artigo da AP revelou na quinta-feira que Pequim pretende estabelecer um acordo abrangente com 10 ilhas do Pacífico que irá lidar com questões que vão da “segurança tradicional e não-tradicional” aos direitos de pesca, passando por projetos conjuntos no âmbito das redes digitais e tecnologia e pela política de trocas comerciais. Entre as medidas elencadas, algumas incluem um plano conjunto para a pesca — que incluiria a lucrativa captura de atum do Pacífico –, um aumento na cooperação na administração do ciberespaço da região e a criação de delegações do Instituto Confúcio, organismo estatal que promove o ensino da língua chinesa.
Para Richard Mcgregor, ex-correspondente do jornal Financial Times na China, o objetivo de Pequim é claro, e ambicioso: tornar-se a potência dominante no Pacífico Sul através da influência económica e a construção de bases e transferência de ativos militares, suplantando pelo caminho a hegemonia dos quatro países que constituem o chamado Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad) – Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia – na região.
As movimentações da China têm gerado inquietação entre os diplomatas e governantes dos EUA e das outras potências Asiáticas presentes no Pacífico. A recém-indigitada ministra dos Negócios Estrangeiros Australiana, Penny Wong, deu voz a essa preocupação numa declaração recente, mostrando-se também, no entanto, preparada para o desafio de Pequim: “A China deixou claras as suas intenções, tal como o novo governo australiano. Queremos ajudar a construir uma família mais forte do Pacífico. Queremos trazer mais energia e mais recursos para o Pacífico”.
Terão estes diplomatas razões para temer este novo potencial acordo abrangente?
Austrália e Nova Zelândia
A Austrália e a Nova Zelândia foram as primeiras a soar os alarmes quando o acordo de segurança entre a China e as Ilhas Salomão foi assinado em abril. Os contornos desse pacto não são exatamente claros, mas é precisamente essa incerteza que está a transtornar os executivos Australiano e Neozelandês, para não falar no do seu aliado tradicional, os EUA, que está também a tentar contrariar a crescente influência de Pequim na região.
Em teoria, o acordo de segurança visa fortalecer os laços comerciais entre a China e as Ilhas Salomão, aumentar o nível de cooperação entre os dois países em termos de defesa e promover a paz e a estabilidade nas várias ilhas. Na prática, os australianos e neozelandeses veem no pacto apenas uma forma de a China projetar a sua força militar pelo Pacífico Sul e a intenção de lhes retirar algum protagonismo. O acordo permitirá ao governo de Honiara pedir assistência policial à China em caso de protestos ou qualquer outra situação de segurança delicada, para além de oficializar o direito da marinha chinesa a atracar nos portos do país. Em última análise, a China poderá mesmo erguer uma base militar nos arredores de Honiara, o que muitos especialistas afirmam ser o pior cenário para Camberra e Wellington, para não falar de Washington.
Devido à sua localização, estas ilhas do Pacífico representam um enorme ativo estratégico em tempo de crise diplomática ou militar para o país que mais facilmente se consiga impor junto dos governantes locais. Muitas delas encontram-se numa posição ideal para, potencialmente, em tempo de guerra económica ou militar, bloquear as rotas comerciais entre os Estados Unidos e a Ásia, uma possibilidade que seria incrivelmente vantajosa para a China. Esta localização estratégica já é debatido há largos anos e, alías, as Ilhas Salomão foram palco de uma das mais ferozes batalhas da II Guerra mundial entre os Aliados e o Japão imperial, a chamada Batalha de Guadalcanal, onde morreram mais de 26 mil soldados.
Charles Edel, do ‘think tank’ norte-americano Center for Strategic and International Studies, interpreta a proposta da China como mais uma etapa no conflito entre a democracia e autocracia, e garante que as democracias da região deviam estar extremamente atentas às repercussões deste acordo abrangente: “A lição para o resto do mundo é que a China está a tentar reequilibrar a ordem global a seu favor”, disse. “E quer isso signifique abrir rotas comerciais, estabelecer uma base militar ou assinar um acordo de segurança, Pequim agirá em benefício dos seus próprios interesses e em detrimento da democracia e de um mundo aberto e livre”.
Anthony Albanese, o novo primeiro-ministro da Austrália, mostrou-se em alerta: “Temos que responder à tentativa da China de alargar a sua influência numa região do mundo onde a Austrália tem sido o parceiro de segurança preferido desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o líder do Partido Trabalhista australiano. Penny Wong, a ministra dos Negócios Estrangeiros, é ainda mais clara: “Expressamos publicamente a nossa preocupação com o acordo de segurança assinado entre as Ilhas Salomão e a China. Acreditamos, como outras nações do Pacífico, que há consequências”, referiu Wong durante uma visita a Fiji.
A reação dos EUA
Imediatamente após ter vindo a público o eventual pacto de segurança entre as Ilhas Salomão e a China, os EUA enviaram uma delegação a Honiara liderada por Daniel Kritenbrink, secretário de Estado adjunto para o Pacífico e Ásia Oriental, com o objetivo de “aprofundar laços duradouros com a região e promover uma região do Indo-Pacífico livre, aberta e resiliente”, segundo a Casa Branca. A visita diplomática não teve o sucesso esperado, e o pacto acabou mesmo assinado.
Já considerando este novo acordo abrangente com as 10 ilhas do pacífico, Ned Price, o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, alertou que a China “tem demonstrado um padrão de oferecer acordos sombrios, vagos e com pouca transparência ou consulta regional”, o que pode certamente “alimentar tensões regionais e internacionais”. Price também admitiu estar apreensivo face às cláusulas nos diversos acordos que permitirão a Pequim enviar forças de segurança para as diferentes ilhas em caso de instabilidade. Essa realidade, diz, “aumenta as preocupações relativas à expansão do aparelho de segurança interna de Pequim para o Pacífico”.
O possível impacto para as ilhas da região
A reação à tentativa da China de se estabelecer na região não tem sido consensual, e as fissuras entre os vários estados fizeram-se sentir nos últimos dias.
David Panuelo, presidente dos Estados Federados da Micronésia, um conjunto de 607 ilhas perto de Papua Nova Guiné e do mar das Filipinas, escreveu uma carta a 21 outros líderes regionais onde defendia a rejeição do acordo com a China, que, a seu ver, pode instigar o começo de uma nova “guerra fria” entre Pequim e os Estados Unidos.
Já Fiji anunciou hoje, dia 27, que irá juntar-se ao novo projeto de cooperação Quadro Económico Indo-Pacífico (IPEF, na sigla em inglês), anunciado por Joe Biden na passada segunda-feira durante a sua visita ao Japão, tornando-se a primeira ilha do Pacífico a fazê-lo. Esta declaração é significativa, já que o IPEF está destinado a promover o comércio e o investimento na região, bem como a oferecer uma alternativa económica e política a Pequim.
O certo é que o Fórum de ilhas do Pacífico tem-se mostrado recetivo aos argumentos chineses, e a razão, acima de tudo, prende-se no reconhecimento que as prioridades das outras grandes potências da região não se coadunam com as suas. O tema das alterações climáticas é especialmente caro aos governos insulares, que veem a subida generalizada no nível das águas como uma ameaça existencial. Como é que a Austrália, por exemplo, tem respondido a este problema: com “insultos e condescendência”, segundo o primeiro-ministro de Fiji, Frank Bainimarama.
À falta de alternativas, e embora a China não seja nitidamente o parceiro ideal para lidar com as consequências das alterações climáticas, pelo menos, na lógica dos executivos locais, Pequim parece estar disposta a oferecer algum tipo de apoio comercial, financeiro e político.