A tensão entre a Rússia e a Ucrânia não surgiu nas últimas semanas: “Em conflito já se está desde 2014. Este passo que Putin deu agora já estava no ‘pacote”. Rui Fernando Santos, Investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, explica à VISÃO que “desde que a situação se mantenha”, como acredita que vai manter, “isto é, um ataque circunscrito às regiões que têm uma maioria russa dentro da Ucrânia – é expectável que não aconteça mais nada”.
“Acho que ainda está tudo em cima da mesa”, afirma Bernardo Pires de Lima, atualmente Conselheiro Político do Presidente da República Portuguesa, à VISÃO. O especialista de política internacional analisa que esta troca de ações vai desencadear um “jogo de forças militares” entre os dois países. No entanto, e ao encontro do que Rui Santos defende, “não sendo necessário uma grande guerra para ocupar o território da Ucrânia, este confronto é suficiente para, numa determinada zona, determinar o futuro da Ucrânia”.
É neste jogo de “colocar todo o mundo em estado de transe, em que todos ficamos na expectativa sobre o que é que quer e o que vai fazer”, que Bernardo Pires de Lima afirma que Putin tem vantagem. Mas Rui Santos garante que “a Rússia não é suficientemente ambiciosa e nem tem capacidade suficiente para atacar o resto da Ucrânia, portanto será sempre um conflito circunscrito àquelas regiões que efetivamente já estavam sob a esfera de influência de Moscovo”, diz. “Por isso, descartamos uma grande guerra mundial”.
Mas mesmo não sendo uma grande guerra, qual é o impacto que estas ações têm para Portugal? Na verdade, “devemos ter alguma preocupação”, apesar de não sofrermos diretamente com o confronto. “Qualquer conflito afeta os países e os sistemas financeiros. Qualquer ação no terreno tende a agravar os sintomas da economia que já vinham a ser agravados, antes desta situação, o que acarreta é mais custos”, garante Bernardo Pires de Lima.
Assim, são vários os aspetos que Portugal pode vir a ficar exposto. “Além da ajuda que vamos dar à NATO, do ponto de vista económico ainda não nos apercebemos bem do impacto que isto vai ter, em Portugal e na Europa. Portugal tem uma economia suportada no turismo, e o espaço aéreo pode ter algum tipo de condicionamento durante o confronto”, analisa Rui Santos. “Somos também dependentes não do gás russo, mas da inflação que vai acontecer. O mercado mundial vai aumentar em tudo: matéria-prima, logística, etc. Se os salários não aumentam mas o custo de vida sim, então Portugal vai ficar prejudicado”.
Mas podemos ser atacados? Os especialistas garantem que estamos numa guerra híbrida: utilizando a tecnologia, desinformação, Internet. “Este processo tem sido acompanhado de passos pequenos e por isso acho que o que está a acontecer não vai ser uma grande guerra de potências. Mas hoje os meios são muito mais amplos, com guerras cibernéticas. Vale relembrar que estes ataques informáticos têm uma cadência que expõe as nossas vulnerabilidades. Os países como a Rússia usam e abusam desses mecanismos que não são usados nas guerras clássicas”, explica o conselheiro.
A Rússia, garante o investigador, não tem possibilidades e não quer atacar nenhum país da NATO, mas ” um cibertaque é barato, pode ser feito por especialistas militares, é difícil identificar o país de onde veio, e causa muita destabilização na vida”, diz. “Tem como objetivo passar a sensação de ameaça constante e Moscovo faz isso em casa e por isso fá-lo muito bem fora dela. Se conseguirem intensificar essa pressão na Europa, que não têm uma maneira de se proteger, podemos sofrer no dia-a-dia”.
Enquanto cidadãos “não podemos fazer nada” mas o investigador garante que é importante ter noção do estado da Rússia. “O país tem o mesmo PIB nacional que a Itália e o PIB per capita é igual ao da Malásia. A Rússia depende do investimento europeu e cada vez mais se vê o que que aqui importa é o prestígio e reconhecimento internacional”.
Assim, segundo Rui Fernando Santos, “Putin perde mais se continuar nesta escalada. Ele tem uma taxa de sucesso de 69% na Rússia. Quando realizou o ataque à Geórgia, em 2014, e como foi um ataque rápido, sem guerra, os russos apoiaram a iniciativa. Mas as sondagens dizem que se houver necessidade de uma maior intervenção russa nestes confrontos, os habitantes já não querem, e logo, não o irão apoiar. Em última análise, Putin quer só uma coisa: manter-se onde está e permanecer. Independentemente do que acontecer”.