“Estamos a acordar para um dia muito negro na Europa.” As palavras de Sajid Javid, ministro britânico da Saúde, que falou em nome do Governo, são prova da tensão que o conflito entre a Ucrânia e a Rússia está a provocar. O ministro referia-se à assinatura do presidente russo, Vladimir Putin, que reconheceu as repúblicas separatistas como independentes da Ucrânia. Os dois territórios ilegalmente ocupados no leste da Ucrânia, as chamadas República Popular de Donetsk e República Popular de Lugansk, tiveram luz verde de Putin e, com isso, um reflexo internacional.
O gasoduto Nord Stream 2 entre a Rússia e a Alemanha vai ser suspenso, afirmou esta terça-feira o chanceler alemão, Olaf Scholz, devido a “uma grave violação do direito internacional”, e os EUA, Reino Unido e os 27 Estados-membros da União Europeia ultimam os pacotes de sanções económicas a aplicar.
Ficaremos por sanções económicas ou teremos uma Guerra Mundial na Europa?
“É muito precipitado estarmos a falar numa grande guerra, não houve, até agora, nenhum sinal de que isso possa acontecer”, diz Ricardo Pais Mamede, professor de Economia Política no ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa. “Não haveria nenhum interesse nisso, todos sairiam a perder”, até porque, acrescenta, teria de haver “muito investimento em armamento”. Mesmo na eventualidade das tropas russa entrarem em Kiev, o académico, considera, que haveria “sanções económicas” aos quais a Rússia ripostaria com “cortes no fornecimento de combustíveis”.
MERCADOS CALMOS
Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa corrobora. “Estamos bastante longe de uma guerra mundial, as consequências económicas seriam devastadoras.” Aliás, nota, “os mercados hoje estiveram calmos. As taxas de juro já não estão a cair e o preço do petróleo estagnou”, diz.
Para o especialista, o que “isto nos diz” é que “os mercados perspetivam que não passa daqui”, do reconhecimento das duas repúblicas.
Caso a Rússia queira “reavivar o Império Russo”, entrando militarmente na Ucrânia, anui, “aí poderia haver um conflito mundial”, mas “ninguém faz a mínima ideia do que poderia acontecer se houvesse uma guerra desse género.” Até porque, assevera, as potências mundiais “já sabem a devastação que provoca um conflito armado”.
É por isso que João Duque acredita que este conflito poderá ter dois eventuais cenários: “um conflito com armas nucleares, o que penso que não vai acontecer” e “ciberataques”.
O economista aponta que, nos dias de hoje, “um ciberataque causa muito mais danos do ponto de vista material”. “Para mandar um prédio inteiro abaixo é preciso uma grande bomba, uns tiros de morteiro causam apenas uns danos”, diz, sendo que um ciberataque pode causar “muita mossa”.
CIBERATAQUES EM VEZ DE BOMBAS
Há muitos “vírus” colocados em sistemas de todo o mundo que “estão adormecidos”, explica, até “ao dia em que alguém quiser despoletá-los”. Imagine-se um ataque que “manda abaixo a bolsa de Nova Iorque” ou que “corta a eletricidade de uma país”, ilustra. “O meu receio é que vão por esta via digital”, reconhece.
De qualquer forma, e caso exista um conflito declarado, as consequências podem ser devastadoras.
Os analistas da Goldman Sachs, citados pela Bloomberg, antecipam que, no pior cenário, poderão ser registadas quedas de 9% nos índices europeus e japoneses. A acompanhar, o euro poderá cair 2% face ao dólar, indicam.
Ainda no que diz respeito a divisas, o rublo russo poderia cair até 10% com um agravamento do conflito, referem. Na sessão de segunda-feira, perante o discurso de Vladimir Putin, o rublo desvalorizou cerca de 3%.
Por outro lado, o petróleo Brent atingiu os 99 dólares, o valor mais alto desde 2014.
Note-se que a Rússia é o segundo maior exportador de petróleo depois da Arábia Saudita, mas também o maior produtor de gás natural.
A Rússia fornece cerca de 30% do petróleo da Europa e 35% do gás natural. Portugal depende do gás natural da Argélia que é abastecido via marítima a partir do terminal de GNL em Sines.
Por outro lado, a Rússia é o maior produtor de trigo do mundo e a Ucrânia está entre os cinco primeiros, pelo que a produção de cevada, milho, girassol e colza também poderiam ser afetadas caso haja conflito direto.
“As cadeias de abastecimento da indústria manufatureira, nora Paulo Rosa, também não estariam imunes a um conflito ou sanções contra a Rússia. “O país do czares é também um considerável exportador de níquel, estimada em cerca de 49% da quota mundial, paládio 42% e alumínio 26%, de acordo com a Macrobond.”
O Banco Central Europeu, segundo o Financial Times, lançou um aviso aos bancos com maior exposição à Rússia, para se precaverem. Os bancos internacionais mais expostos à Rússia, elenca o economista do Banco Carregosa, são o Citigroup dos EUA, o Société Générale da França, o Raiffeisen da Áustria e o UniCredit da Itália.
No que diz respeito a Portugal, a exposição é muito menos. No entanto, a economia nacional “está muito exposta à Europa”, logo indiretamente, acrescenta, “as empresas nacionais seriam penalizadas”. Numa lista do Citigroup, referente a 40 grandes empresas europeias com exposição à Rússia, não existia nenhuma portuguesa.
No imediato, prevê João Duque, os preços “vão aumentar”, “a cadeia logística vai estar sob pressão” e poderá haver “problemas com a importação de produtos energéticos”.