As imagens, captadas pelo fotógrafo premiado Domingos Peixoto na semana passada, no Rio de Janeiro, mostram um grupo de pessoas a vasculhar um camião que transportava restos de carne e ossos descartados dos mercados e supermercados para uma fábrica que faz ração para animais de estimação e sabão em barra.
Num país onde a pandemia de Covid-19 , aliada à inflação, precipitou milhões na pobreza, as fotografias caíram como um murro no estômago. Estima-se que 19 milhões de brasileiros estejam a passar fome desde o início da pandemia.
“Alguns dias… apetece-me chorar”, resume José Divino Santos, o condutor do camião em causa, em declarações ao repórter do Extra. “Antes as pessoas vinham pedir um osso para os seus cães. Agora vêm implorar ossos para cozinhar”, acrescenta. “Às vezes, está meio estragado, a gente fala, mas as pessoas querem assim mesmo”, conta, sem conter as lágrimas, como relata o jornal.
Uma das pessoas fotografas para a reportagem é Denise da Silva. Tem 51 anos, cinco filhos e 12 netos. E perdeu, recentemente, o companheiro. “Há tanto tempo que não vejo um pedaço de carne, desde antes da pandemia… Sou tão grata por isto”, diz, sobre um dos restos que seriam desperdiçados de outra forma.
A reportagem, intitulada “Brasil 2021: A dor da fome” desencadeou uma série de reações, incluindo uma manifestação que juntou milhares de pessoas, no passado sábado, o Rio, com o Presidente Jair Bolsonaro no centro das críticas.
Domingos Peixoto pode ter três décadas de experiência a documentar os conflitos relacionados com a droga e os problemas sociais do Rio de Janeiro, mas garante que ficou chocado com o que viu. “Não dormi durante dois dias, a tentar processar tudo aquilo”. Uma das imagens que o assaltou durante esse período foi a de um homem que começou a sorrir quando viu chegar o camião. “Ele parecia tão feliz porque sabia que isso significava mais um dia com comida na mesa”. Mas essa imagem, Peixoto guardou só na retina. “É uma daquelas imagens que só captas com os olhos e guardas no coração.”