O economista António Bagão Félix critica todo o processo relativo ao Novo Banco e admite que lhe custa ver como há milhões de euros para capitalizar o banco e não há “uns trocos” para travar a covid-19 nos lares.
Em entrevista à Agência Lusa, Bagão Félix diz que não tem a intenção “de ser demagógico”, embora admita que lhe possam dirigir essa acusação, mas garante que lhe “custa ver a facilidade com que se deram milhares de milhões dos contribuintes, dos cidadãos portugueses [ao Novo Banco] e depois não há uns trocos, ou não houve até agora, para prevenir as situações da covid-19” junto das “pessoas velhas em instituições e lares do nosso país”.
“Aí já não há dinheiro. Ou o dinheiro tem de ser muito discutido”, lamenta.
O antigo ministro das Finanças no Governo liderado por Santana Lopes, antigo ministro da Segurança Social e do Trabalho no Governo liderado por Durão Barroso e antigo vice-governador do Banco de Portugal, lembra que não é apenas quando o Estado faz empréstimos ao Fundo de Resolução (FdR) para este capitalizar o Novo Banco que há prejuízo para os contribuintes.
“O principal acionista do FdR é um banco público [a Caixa Geral de Depósitos]. E, portanto, também pagamos por via desse banco público. E pagamos também por via da diminuição do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Coletivas (IRC) de todos os bancos” porque as contribuições que estes fazem para o FdR aparecem como custos nas suas contas, diminuindo os impostos a pagar ao Estado.
“É uma escada de faturas para os contribuintes portugueses”, lamenta novamente o economista.
Quando o fundo norte-americano Lone Star adquiriu 75% do Novo Banco (os restantes 25% são do FdR, que é uma entidade pública), ficou prevista a possibilidade de, em determinadas condições, o Fundo ter de capitalizar o Novo Banco até um montante máximo de 3.890 milhões de euros.
Até hoje, já foram injetados 2.976 milhões de euros, faltando pouco mais de 900 milhões de euros mas, do montante injetado, 2.130 milhões de euros resultam de verbas emprestadas pelo Estado ao FdR.
Um negócio que merece a reprovação de Bagão Félix.
O Governo “resolveu fazer um contrato com uma entidade de toca e foge, que não dava nenhuma estabilidade ao banco” e deu ainda a essa entidade a possibilidade “de ir buscar capital contingente de quase 4.000 milhões de euros que, obviamente, irá buscar”, assegura o economista.
“Até um menino da escola primária percebe isso. É uma questão de velocidade, mas irá buscá-lo”, conclui.
A polémica em torno do financiamento do Novo Banco pelo FdR tem sido, aliás, uma das linhas vermelhas traçadas pelo Bloco de Esquerda para viabilizar a proposta de Orçamento do Estado para 2021, com os bloquistas a exigirem que, ao contrário do que aconteceu nos anos anteriores, não surja qualquer empréstimo do Estado ao FdR.
O Governo já admitiu estar disponível para não incluir na sua proposta de orçamento essa verba. A alternativa seria os restantes bancos financiarem extraordinariamente o FdR para que este capitalizasse o Novo Banco, uma hipótese que o Bloco recusa, defendendo que devem ser os outros bancos do sistema a financiar diretamente o Novo Banco.
A ideia de colocar os bancos a financiarem o FdR não é nova. Em 2014, quando foi aplicada a medida de resolução ao Banco Espírito Santo (BES), criando-se o Novo Banco, o FdR capitalizou-o com 4.900 milhões de euros, dos quais 3.900 resultaram de um empréstimo concedido pelo Estado, 700 milhões resultaram de um empréstimo de um conjunto de vários bancos a operar em Portugal e o restante de fundos do próprio FdR.
Um modelo de financiamento que também merece duras críticas do antigo vice-governador do Banco de Portugal.
“Pedir aos outros bancos para financiar as situações de má gestão, para não falar de outras coisas, de um banco concorrente é uma coisa inimaginável. Qual é o sentido?”, interroga-se o economista.
O antigo governante é ainda muito crítico em relação a todos os que, agora, se mostram surpreendidos com o que se passa no Novo Banco.
Andam todos com “ar surpreendido”, mas “surpreendido porquê?”, pergunta Bagão Félix, recordando que o contrato de venda do Novo Banco à Lone Star “não foi feito por uma entidade demoníaca. Foi assinado por este Governo, ou melhor, por um Governo que tinha [como líder] o atual primeiro-ministro”.
Agora “querem passar entre os pingos da chuva”, sublinha.
“Este governo não se pode pôr de lado. Nem o atual governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças [Mário Centeno]. Nem aqueles que negociaram e propuseram ao Governo um contrato leonino contra as famílias portuguesas, contra os contribuintes portugueses”, refere o antigo governante.
As críticas vão também para os partidos com assento parlamentar que, segundo o economista, apenas se preocupam em discutir quem tem culpa do sucedido.
“Quero lá saber quem é que tem mais culpas. Eu quero é saber a quem deve ser exigida mais responsabilidade, que é diferente”, conclui.
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