O ano passado terminou muito melhor para Mário Centeno do que começou. As notícias de dezembro serviram para o mostrar. A subida do “rating” da dívida portuguesa pela Fitch, depois de a Standard & Poor’s já o ter feito, e a descida dos juros da dívida a 10 anos para valores inferiores aos de Itália são mais um presente de Natal antecipado para o ministro das Finanças do País que voltou a ser o aluno bem comportado da Europa. Agora, resta a Mário Centeno esperar que a sua boa estrela continue a brilhar em 2018, com a estreia no cargo de presidente do Eurogrupo, este sábado, 13 de janeiro. O ministro das Finanças português recebeu o testemunho das mãos do holandês Jeroen Dijsselbloem, esta sexta-feira, numa cerimónia que se realizou na embaixada de Portugal em Paris.
Mas esta melhoria tão desejada nos indicadores económicos não foi feita sem uma descida anterior aos infernos. No arranque de 2017, a escolha para o Eurogrupo de um ministro de um País resgatado, pressionado pelos seus pares a mudar de orientação, parecia tão improvável como a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo, a redução do défice orçamental para os valores mais baixos da democracia, o maior crescimento económico do século, o regresso do desemprego para níveis pré-crise ou a saída do patamar de lixo nas avaliações das agências internacionais (ver Os Trabalhos de Centeno). Tudo isso parecia muito difícil de alcançar, mas Mário Centeno conseguiu-o, ao comando das Finanças de um Governo apoiado por dois partidos de uma esquerda que ainda causa arrepios em Bruxelas. Seis anos após o resgate, e pela primeira vez em muito tempo, as contas nacionais voltaram a bater certo.
Pedras no caminho
Mas nem tudo correu sempre bem a Mário Centeno em 2017. O “eventual erro de perceção mútuo”, que terá estado na origem da troca de SMS comprometedores com o anterior e efémero presidente da CGD, António Domingues, obrigaram o ministro a calcorrear os corredores das comissões parlamentares de inquérito. Entre uma e outra deslocação à Assembleia da República, ouviu Marcelo dizer ao País que só aceitava a sua manutenção no cargo em nome do “estrito interesse nacional em termos de estabilidade financeira”. Em meados de fevereiro, a polémica era tão grande que chamou os jornalistas ao Terreiro do Paço para garantir que não mentira ao Parlamento, informar que o seu lugar estava sempre à disposição do primeiro-ministro e contar a sua versão sobre o caso das declarações de rendimento e património dos administradores da CGD.
Centeno não baixou os braços, mas ficou agastado. Com o Presidente, com os deputados, com os jornalistas, com o País. Daí a meses, novo “caso” com a descoberta do aumento extraordinário das cativações, um instrumento crucial para servir de travão ao aumento da despesa pública e reduzir o défice orçamental, para 1,4% do PIB este ano e 1,1% no próximo, mas que em nada contribui para dignificar as funções do Estado.
A tudo isto o ministro sobreviveu. Quatro meses depois do caso CGD – entretanto recapitalizada –, Centeno era chamado por Schauble de “Ronaldo do Ecofin”. A partir desse momento, abriu-se uma janela de oportunidade. Para trás, ficaram algumas escoriações e arranhões, mas nada a que um antigo jogador de rugby (gosto que transmitiu aos filhos) não esteja habituado. Afinal, o rugby não é para “meninos bonitos” – em maio, o site Politico publicou um artigo de análise intitulado “Portugal, o novo menino bonito das reformas europeias” – , e o cargo de ministro das Finanças também não.
Sinais de mudança
Em meados do ano, o INE confirmava o défice mais baixo da democracia, a recuperação da economia e a descida praticamente sem interrupções do desemprego. A dívida pública ainda não dava sinais de diminuir, mas os investidores aceitavam juros cada vez mais baixos. Perante os sinais de mudança, a Europa, depois de ter vergado Portugal e outros países em crise com doses maciças de austeridade, mudou de atitude e escolheu para presidente do Eurogrupo um homem do Sul – e mais do Sul era quase impossível, já que Mário Centeno nasceu no hospital de Olhão e foi levado, com dias de vida, para Vila Real de Santo António, onde os pais residiam.
Centeno é um liberal doutorado em Harvard, com produção teórica em matéria do Trabalho. Tem sido um crítico das políticas europeias, tem questionado as regras orçamentais, especialmente as imposições em matéria do saldo estrutural e da fórmula de cálculo do PIB potencial mas, no plano interno, tem-se mostrado um hábil negociador das propostas de Orçamento do Estado com o PCP e o Bloco de Esquerda. Irá em Bruxelas moderar as suas opiniões, em nome do consenso das decisões, ou lançar o debate para avançar a fundo com a reforma do euro, mesmo que isso lhe custe o cargo, dentro de ano e meio, quando o futuro ministro europeu da Economia e Finanças vier a acumular funções com as de vice-presidente da Comissão Europeia, com o pelouro do euro, e as de presidente do Eurogrupo?
Para a imprensa internacional, a eleição de Centeno, mesmo que tenha acontecido por “acidente”, assinala o fim de um ciclo e o início de uma via alternativa. Schauble e Dijsselbloem já não mandam, a Grécia prepara a sua “saída limpa” do terceiro programa de ajuda e Portugal mostrou que a recuperação pode ser feita de outra maneira. Restam apenas dois países com défice excessivo – França e Espanha – e a prioridade agora é reformar a zona euro. Claro que isso também vai depender da vontade de Centeno, mas chegará?
Qualquer que seja a atitude negocial a adotar lá fora, ainda não sabemos se o homem que passou os últimos dois anos no Ministério das Finanças já fez as pazes com Portugal e com os políticos portugueses. O desarmante sentido de humor com que Mário Centeno chegou, no final de 2015, ao Ministério das Finanças, foi-se desgastando com o tempo. Hoje está mais cáustico. Ainda assim, resta-lhe a disposição suficiente para, em entrevista ao Expresso, dar uma merecida resposta ao comentário depreciativo do seu antecessor, Jeroen Dijsselbloem, sobre os gastos dos países do Sul: “Eu, que sou do Algarve, sei muito bem quem gasta em copos e mulheres”…
(Artigo publicado na VISÃO 1294 de 21 de dezembro)