A notícia já era expectável e foi agora confirmada: o BCE vai reduzir para metade o ritmo de compra de divida pública dos estados da zona euro. Até ao final do ano, o montante disponível será ainda de €60 mil milhões por mês, mas de janeiro a setembro do próximo ano será cortado para €30 mil milhões.
O presidente do BCE, Mario Draghi, deixou, no entanto, a possibilidade de este prazo não significar ainda o fim absoluto do programa de compra de dívida como forma de ajudar os estados membros a controlarem os níveis de inflação. “O programa não vai terminar de um dia para o outro. Mantemos o final em aberto”, disse, sossegando o mercado.
“Estas medidas já estavam incorporadas nas expectativas dos investidores”, realça à VISÃO João Queirós, diretor da banca online do Banco Carregosa. “Continua a ser positivo e a propiciar uma rede de segurança, mantendo a confiança no mercado. Provavelmente, o Estado português pode continuar a gozar de taxas historicamente baixas”.
Em comunicado, o BCE refere que este programa se pode estender “até mais tarde, se necessário, e, em qualquer caso, até que o Conselho do BCE considere que se verifica um ajustamento sustentado da trajetória de inflação, compatível com o seu objetivo”. Ou seja, “se as perspetivas passarem a ser menos favoráveis ou se as condições financeiras deixarem de ser consistentes com uma evolução no sentido de um ajustamento sustentado da trajetória de inflação, o Conselho do BCE está preparado para aumentar o programa em termos de dimensão e/ou duração”.
Há por isso ainda alguma flexibilidade na forma como se vai descontinuar um programa que tem servido de almofada financeira para os países do sul, mas que os países do norte, como a Alemanha têm posto cada vez mais em causa, por considerarem ser este uma forma de financiamento que já não se justifica.
A verdade é que “o mercado estará hoje já com outra capacidade de absorver este tipo de títulos”. João Queirós sublinha que as “necessidades de divida portuguesa já não são as mesmas que eram comparativamente ao passado” e que “o stock de dívida pública tem baixado”, pelo que o país estará capaz de enfrentar este reajustamento de compra por parte do BCE.
“Com uma taxa de juro baixa e por longo prazo, há outros investidores que se vão interessando por este produto. Por isso, a redução do montante e a extensão do prazo só pode ser neutral ou positivo”, alega este economista.
Reinvestir a remuneração e manter taxas de juro
O BCE tem ainda em mente aplicar a remuneração dos títulos adquiridos até à data em novas compras. O dinheiro será reinvestido à medida que esses títulos forem vencendo, “durante um período prolongado” e “enquanto for necessário”. Assim contribuirá “tanto para condições de liquidez favoráveis, como para uma orientação adequada da política monetária”.
Vitor Constâncio, vice-presidente do BCE, adiantou que este reinvestimento deverá ascender a “muito milhares de milhões por mês”, variando o montante mensal em função dos prazos de maturidade dos títulos.
Quanto às taxas de juro, a indicação é a de não mexer. Continuarão a ser de 0% para as operações principais de refinanciamento, de 0,25% para a cedência de liquidez e de 0,40% negativas para os depósitos. “O Conselho do BCE continua a esperar que as taxas de juro diretoras do BCE permaneçam nos níveis atuais durante um período alargado e muito para além do horizonte das compras líquidas de ativos”, lê-se no comunicado, perspetivando assim um horizonte intemporal.
Mais tempo para repor a inflação
De resto, na conferencia de imprensa que se seguiu ao anúncio, Mário Draghi mostrou-se otimista quanto à evolução da economia da zona euro – “uma expansão sólida e generalizada”, apesar de continuar a manifestar algumas preocupações relativamente ao indicador da inflação, ainda abaixo do objetivo, que seria à volta dos 2%. Para este ano, o BCE ainda aponta para uma taxa de 1,5%, que assim se deverá manter em 2019.
“Ainda são necessárias condições de financiamento muito favoráveis para um retorno sustentado da inflação. Continuam a ser necessários estímulos monetários amplos para gerar pressões inflacionistas que suportem desenvolvimentos na inflação no médio prazo”, afirmou Draghi.
Para o economista do Banco Carregosa, a conclusão é óbvia: “Desapareceu o perigo da deflação, mas é preciso mais tempo para ajustar a inflação. Há crescimento, mas não é um crescimento explosivo.”
Se calhar, até é necessário repensar os objetivos que estavam previstos. Isto porque a recuperação da inflação tornou-se uma questão estrutural. “Tem a ver com a alteração do tecido produtivo da economia mundial. A capacidade instalada e de oferta é maior, a própria incorporação da tecnologia não provoca a subida de preços. O BCE vai precisar de mais tempo”, conclui.