É só fazer as contas, como dizia António Guterres. Em 2011, as exportações portuguesas (vendas de produtos ao exterior e serviços prestados cá dentro a estrangeiros) representaram 36% do PIB, ou seja, 62 mil milhões de euros. Há dias, o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, definiu uma meta: pretende que as exportações atinjam, em 2020, 50% do Produto Interno Bruto. Faltam oito anos.
Há quem diga que é perigoso confundir desejos com objetivos alcançáveis, pois a meta implica que, em 2020, Portugal arrecade 85 mil milhões de euros em vendas de produtos ao exterior (isto imaginando um PIB igual ao de 2011, nem maior, nem menor). Para isso, as exportações terão que aumentar, em cada um daqueles oito anos, 2,9 mil milhões de euros. É mais do que uma Autoeuropa por ano e isto não é dizer pouco – a fábrica da Volkswagen, em Palmela, é a segunda maior exportadora portuguesa (ver ranking). Vende para fora 99% do que produz, arrecadando, por ano, cerca de 2,2 mil milhões de euros.
Nem Pedro Reis, presidente da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), quis comentar o objetivo governamental, nem o ministro da Economia se dispôs a revelar quais as políticas necessárias para chegarmos à meta que estabeleceu. Nenhum dos dois respondeu às solicitações da VISÃO. Já o economista Sandro Mendonça tem uma teoria: “O Governo está a dar o seu melhor para que o objetivo das exportações seja realizável. Como? Contraindo o PIB. Estamos a falar de um rácio e quanto mais pequeno for o PIB, mais depressa as exportações atingem os 50 por cento. Se detonássemos uma bomba atómica em cima de Portugal também deixava de haver défice e dívida públicos”, ironiza.
Há muitos aspetos a ter em conta para que as empresas portuguesas possam apostar em força na exportação, a começar pelo financiamento. Não há dinheiro, os bancos pouco emprestam, o Estado não investe. “Falta apoio ao crédito de tesouraria, falta estabilidade legislativa a nível fiscal e falta uma justiça que não seja morosa e cara como a que temos”, enumera José Alves da Silva, presidente da PME Portugal, associação de pequenas e médias empresas. “A única política atual de incentivo é o desespero do mercado interno. Como toda a gente está menos mal do que nós, as exportações aguentam-se. Mas nós estamos em queda livre”, remata Sandro Mendonça.
Onde está o dinheiro?
Manuel Caldeira Cabral, professor de Economia na Universidade do Minho, não partilha do mesmo pessimismo. “As nossas exportações têm crescido acima da média da União Europeia e, desde meados da década de 2000, conseguimos taxas de crescimento superiores à da própria Alemanha. Se continuarem a este ritmo, com crescimentos de 8% a 9% ao ano, é perfeitamente possível atingir a meta dos 50 por cento.”
Recordando que, em 2005, as exportações (bens e serviços) correspondiam a cerca de 28% do PIB, o professor acrescenta que, em 2012, estarão perto dos 38%, “o que representa um enorme crescimento em apenas sete anos”. Mas existe capacidade instalada, no País, para continuar a aumentar as vendas ao exterior? Este especialista em comércio internacional responde que, nos últimos três anos, a retração do consumo interno tem levado os empresários a procurar mercados alternativos, transferindo para o estrangeiro o que deixam de vender em Portugal. “Por essa razão, não tem sido necessário muito investimento na capacidade instalada. Mas, para continuarmos com taxas de crescimento da mesma ordem de grandeza, os empresários necessitarão de avançar com investimentos, quer na modernização e ampliação das fábricas, quer na criação de novas unidades. Essa é a variável-chave.”
O que tem acontecido, em Portugal, é, todavia, exatamente o contrário, pois o investimento baixará cerca de 14% em 2012 e poderá cair 10% em 2013. Para Caldeira Cabral, o sistema bancário terá de assumir um papel importante neste desígnio do Governo. Estarão os bancos dispostos a emprestar dinheiro em “condições razoáveis” aos empresários que querem exportar?
António Nogueira Leite, vice-presidente da comissão executiva da Caixa Geral de Depósitos, garante que, ao longo dos últimos dez meses, o banco estatal tem “aumentado o novo crédito para empresas” e que, atualmente, a taxa média, no crédito às empresas “é inferior a 4 por cento”.
“A CGD estava muito vocacionada para o crédito hipotecário, os projetos imobiliários e as grandes obras. Fizemos um enorme trabalho de reposicionamento. Nos últimos dez meses, apoiámos 3 mil operações das linhas PME Crescimento e temos no terreno mais de 4 mil milhões de euros de novo crédito para empresas. Especificamente para apoiar empresas exportadoras, criámos uma linha de crédito de 500 milhões de euros, 200 milhões dos quais já foram utilizados”, reforça.
No entanto, os dados do Banco de Portugal são reveladores: o crédito concedido pelos bancos às empresas está em queda livre desde meados de 2011. Em setembro deste ano, registou-se o maior tombo: menos 8,1 por cento.
Exportar o quê?
Para a CIP – Confederação Empresarial de Portugal, o financiamento das empresas e a adoção de “uma agenda alargada para o crescimento e de uma política agressiva de atração de investimento direto estrangeiro” são fundamentais. “Na União Europeia, em quase todos os países de dimensão semelhante à de Portugal, as exportações correspondem a mais de 50% do PIB. A Áustria, por exemplo, que um ano após a sua adesão à UE apresentava um rácio igual ao que registávamos em 2011, ultrapassou os 50% em oito anos. Se seguirmos uma trajetória semelhante, atingiremos a referida meta em 2019. É uma meta ambiciosa, mas não só realizável como necessária”, afirma Daniel Soares de Oliveira, chefe de gabinete do presidente da CIP.
Manuel Caldeira Cabral congratula-se com as medidas agora anunciadas pelo ministro da Economia para incrementar as exportações: “A taxa reduzida de IRC [de 10% para novos investimentos] que pode captar projetos interessantes e a criação de um banco de fomento [que garanta o financiamento das empresas através de fundos comunitários], mostram que existe, pelo menos, a motivação do ministro, nesta matéria.”
Já Sandro Mendonça é mais cético. “Este é o mesmo ministério da Economia que mandou parar o carro elétrico, um produto cluster que fazia mexer diversos setores. Isto só para matar um projeto conotado com o Governo anterior. Afinal, querem exportar o quê?”, pergunta.
“Se forem para os produtos industriais pesados, não chegamos lá”, avisa José Alves da Silva. É certo que o ministro da Economia iniciou uma cruzada em defesa da “reindustrialização” do País. Mas há indústrias e indústrias. “A nossa exportação será de produtos altamente especializados e de elevadíssima qualidade, dos setores do têxtil e do calçado. Depois, temos know how na área da informática… e na agricultura poderemos exportar produtos muito específicos pelos quais há apetência na Europa, como a fruta para as escolas inglesas. Mas, em primeiro lugar, como área fundamental está o turismo, nos nichos sénior e da saúde”, considera o presidente da PME Portugal.
Daqui a oito anos, veremos se estamos perante mais uma previsão falhada. E em que estado estará o nosso PIB.
A meta: Contas difíceis
Mais uma Autoeuropa a laborar em Portugal não chegava para atingir o objetivo definido pelo ministro da Economia para as nossas exportações. A meta é ambiciosa e não se alcança sem uma série de políticas de crescimento, num país dominado pelas medidas de austeridade
Casa de partida: Ano 2011
- Peso das exportações no PIB: 36%
- Venda de bens: 42,5 mil milhões de euros (25% do PIB)
- Venda de serviços: 19,2 mil milhões de euros (11% do PIB)
- Total das exportações: 61,7 mil milhões de euros (36% do PIB)
Casa de chegada: Ano 2020
- Peso das exportações no PIB: 50%
- Total das exportações em euros: 85 mil milhões (considerando um PIB de 170 mil milhões de euros)
Oito anos de caminho: 2012-2020
- Aumento necessário, por ano, do valor das exportações: 2,9 mil milhões de euros (1,7% do PIB)
- Valor anual das exportações da Autoeuropa: 2,2 mil milhões de euros (1,3% do PIB)
Ferramentas para lá chegar:
Para fomentar o crescimento das exportações, o Governo necessita de criar medidas de apoio ao tecido empresarial. Eis algumas que estão a ser preparadas:
- Descida do IRC – Reduzir o IRC a 10% para as empresas que façam investimentos pode ser um grande contributo para incentivar os empresários a avançarem com novos projetos e para captar investimento externo
- Linhas de crédito – Sem financiamento (a custos razoáveis), a grande maioria dos empresários não consegue aumentar a capacidade produtiva para dar resposta à procura externa
- Banco de Fomento – Poderá arrancar já em janeiro de 2014 e visa captar 25% dos fundos da União Europeia a atribuir a Portugal. Estas verbas serão canalizadas diretamente para o tecido produtivo
- Licenciamento industrial – As novas regras vêm facilitar a criação de novas indústrias no País, pondo fim a um enorme processo burocrático que colocava entraves a quem queria investir. Deverá entrar em vigor, em pleno, no segundo semestre de 2013
O ‘ranking’ das maiores
Entre janeiro e setembro deste ano, estas foram as empresas que mais exportaram, segundo o INE
- Petrogal, fabricação de produtos petrolíferos refinados
- Volkswagen Autoeuropa, fabricação de veículos automóveis
- Portucel Soporcel, comércio por grosso de papel
- Continental Mabor, fabricação de pneus e câmaras de ar
- Volkswagen Aktiengesellschaft, sociedade gestora
- Repsol Polímeros, fabricação de matérias plásticas
- Bosch Car, fabricação de recetores de rádio e televisão
- Delphi Automotive Systems, fabricação de equipamento elétrico e eletrónico para veículos automóveis
- Somincor Sociedade Mineira de Neves Corvo, extração e preparação de minérios metálicos não ferrosos
- Peugeot Citroën Automobiles, agentes do comércio por grosso misto